Sábado – Pense por si

Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
07 de junho de 2024 às 07:00

A imigração e o aumento da criminalidade em Portugal

Por um lado alguns tipos de crimes aumentaram, mas outros diminuíram. De qualquer forma, é de salientar que Portugal continua a ser reconhecido como um dos países mais seguros do mundo.

A xenofobia é um fenómeno que tem vindo a crescer no nosso país, motivada, em parte, pela grande onda de movimentos migratórios que se tem registado nos últimos anos e fomentada pela crise na habitação eausência de políticas de integração ou normas anti-discriminatóriasestabelecidas e postas em prática a nível nacional.

Reconhecemos, também, que uma das armas mais frequentemente utilizadas por militantes políticos xenófobos é o argumento de que os imigrantes são responsáveis pelo aumento da criminalidade em Portugal e, como tal, a sua entrada no país deve ser limitada ou interdita. Mas será que existe mesmo uma relação entre imigração e criminalidade? Houve mesmo um aumento recente da criminalidade em Portugal? E serão os imigrantes os responsáveis?

Apesar da incessante reportagem, nos media, das mais variadas situações de crime no nosso país, que facilmente nos fazem crer numa criminalidade descontrolada ou superior à existente no passado, a realidade é um pouco mais complexa. Sabemos, graças ao Relatório Anual de Segurança Interna, que, em relação ao ano de 2022, houve, com efeito, um aumento do número de participações criminais, no que respeita à criminalidade geral. No entanto, uma análise do tipo de crimes cometidos (e dando especial ênfase aos crimes violentos) permite aferir que, não obstante o aumento de alguns tipos de crimes (por exemplo, ofensa à integridade física, rapto e sequestro), assinalam-se descidas no que remete para outras tipologias criminais (como o crime de violência doméstica, homicídio voluntário consumado e violação, entre outros). Em contraste, observou-se uma redução da população prisional.

Observa-se, então, que, se por um lado alguns tipos de crimes aumentaram, outros diminuíram. De qualquer forma, é de salientar que Portugal continua a ser reconhecido como um dos países mais seguros do mundo, ocupando a sétima posição no Índice de Paz Global de 2023, de acordo com o Instituto para a Economia e Paz.

Poder-se-á argumentar que, não obstante esta complexa tendência criminal em Portugal, os crimes perpetrados por imigrantes ou estrangeiros têm certamente aumentado, certo? Não. A prevalência de crimes cometidos por estrangeiros tem acompanhado a tendência dos cometidos por cidadãos nacionais, mantendo-se estável a relação entre os reclusos estrangeiros e portugueses. Em termos de criminalidade violenta – e partindo da consciência de que esta tipologia de crime é a mais reportada nas redes sociais e noticiários – os "estrangeiros" (termo este que inclui residentes imigrantes e não residentes) apresentam valores de condenações por crimes violentos inferiores aos dos portugueses, de acordo com os dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais referentes ao ano de 2022.

E estes números são consistentes com o defendido pela investigação científica: o aumento de imigração não é acompanhado por um aumento da criminalidade cometida pelos imigrantes. Tal é lógico quando consideramos, no que respeita à motivação para cometer um crime, que os imigrantes podem ser alvo de consequências que ultrapassam a execução de penas e que incluem a possibilidade de deportação para um país ao qual não desejam regressar. Apenas indiretamente pode a imigração levar a um aumento do crime e raras são as vezes em que este é cometido pelos próprios imigrantes: se a entrada de sujeitos estrangeiros implica uma redução de oportunidades de trabalho, poderá, aí, haver um aumento dos crimes cometidos pelos nacionais. Mas a solução, neste caso, não deverá ser intervir sobre os imigrantes, mas sim sobre as políticas de emprego vigentes.

Face a estes dados objetivos e inquestionáveis, resta-nos apenas a realidade de que, se há um problema no nosso país, não se trata de uma imigração "descontrolada" ou "perigosa". Perigosa é a crença de que os únicos contributos que os imigrantes têm para dar são negativos ou põem em causa a segurança e paz do nosso país. E perigosa é a disseminação de atitudes, comportamentos e políticas racistas e xenófobas que fomentam a discórdia e transformam o povo português num povo desconfiado, cínico e inóspito, fechado à diversidade e mudança.

A realidade é que é mais fácil atribuirmos a culpa das dificuldades sentidas num inimigo comum externo, estranho e desconhecido, um bode expiatório para os problemas no emprego, habitação e segurança pública. Mais difícil é abandonarmos preconceitos e adotarmos uma postura empática e de entreajuda, ou é desfocarmos deste falso inimigo que tanto nos cega para uma análise crítica e rigorosa da situação e dos seus antecedentes.

Se olharmos à nossa volta não é suficiente para alterarmos estas crenças, façamos o seguinte exercício. Coloquemo-nos no lugar dos portugueses que emigram, na esperança de uma vida e futuro melhores. Pensemos nessa mudança de paradigma, tão difícil para quem abandona família e amigos, para quem deixa para trás uma história pessoal, social e cultural, na busca de condições superiores às que encontravam no nosso país. Imaginemos o que é procurar esse futuro e apenas encontrar ódio ou desprezo na cara de desconhecidos e reflitamos sobre o isolamento social que tal implica, a solidão que tal traz. Não sejamos esses desconhecidos, frios e fechados, para quem entre nós procura esperança.

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