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Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
11 de julho de 2025 às 07:33

O Homem forte: retorno à mentalidade ditatorial

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Edição de 26 de agosto a 1 de setembro

Um olhar para o passado proporciona-nos, facilmente, figuras como Mussolini, Stalin, Hitler e Mao Zedong. Todos estes líderes, independentemente da sua inclinação política, viram ser construído um culto de personalidade em sua honra.

A crescente polarização política dos últimos anos tem sido, inquestionavelmente, acompanhada pela emergência de figuras políticas em torno das quais se tem construído uma imagem de "Homem forte", isto é, de alguém que irá salvar um povo ou tirá-lo da sua situação de crise ou catástrofe social e económica iminentes.

Um olhar para o passado proporciona-nos, facilmente, figuras como Mussolini, Stalin, Hitler e Mao Zedong. Todos estes líderes, independentemente da sua inclinação política, viram ser construído um culto de personalidade em sua honra. Mas a fácil identificação destas figuras enquanto análogas umas às outras é fruto da nossa visão privilegiada, atual e contemporânea, que beneficia de uma lente crítica reconhecedora das consequências das suas ordens, doutrinas e atos no mundo. Em contrapartida, nos dias que correm, pode ser para nós mais difícil identificar figuras públicas com as mesmas características, que seguem os mesmos passos e que defendem os mesmos (ou semelhantes) ideais. Por ignorância, medo, indiferença ou ingenuidade, potenciais sinais de alerta são negligenciados ou, mais perigosamente, alimentados.

Na eventualidade de se tratar de ignorância ou desconhecimento, importará sempre debruçar sobre as características psicológicas destas figuras de autoridade e liderança, de modo a tentar dar significado ao seu ressurgimento e crescente popularidade na esfera política mundial atual. Porque são estas figuras tão apelativas para alguns grupos? Como exercem a sua influência? Que traços terão em comum?

Temos de reconhecer que estas figuras não emergem espontaneamente, mas são, pelo contrário, fruto do contexto social vivido, que potencia a ação delas. A emergência do autoritarismo está intrinsecamente ligada a períodos de insegurança económica e política e à perceção de inimigos externos ou internos, medo de declínio, sensação de desespero, falta de confiança e ameaça à identidade coletiva de um dado país.

Comecemos pela insegurança. Diversos estudos do campo da Psicologia têm demonstrado que as pessoas, perante incerteza e ameaça, tendem a reagir de forma mais etnocêntrica, intolerante em relação a diferenças e dando apoio a uma liderança ideologicamente mais ortodoxa. Perante a incerteza, há a procura da estabilidade e a certeza ideológicas que o extremismo traz.

Sem dúvida que a insegurança económica e política tem estado na génese de regimes autoritários, pelo que países económica e politicamente fragilizados estão mais vulneráveis à emergência de ideologias extremistas. Crises políticas, crises económicas e crises sociais são apenas alguns exemplos dos solos férteis que permitiram semear regimes autoritários no passado.

A acompanhar esta insegurança, não é raro que as figuras de liderança usem e magnifiquem a existência de uma ameaça externa ou interna. Esta ameaça pode ser real ou imaginada, mas a mensagem central é sempre a mesma: "há um inimigo no nosso país que nos vai prejudicar ou destruir e nós não podemos permitir que tal ocorra na nossa casa". A título de exemplo, hoje dificilmente poderemos ignorar a crescente onda de opiniões e atos xenófobos na Europa e em Portugal. O crescente papel da mulher na sociedade tem também sido acompanhado por ondas de crimes de ódio e contra as mulheres. Tenhamos então em mente que estes contextos, para além de nocivos pelas implicações que têm nos grupos lesados, são também poderosos preditores do surgimento de líderes agressivos, extremistas e ditatoriais que não vão danificar apenas a liberdade dessas ditas "ameaças", mas também a liberdade do povo que deveriam proteger.

Estas figuras ganham poder e suporte face a estas fragilidades. A sua capacidade de auto-monitorização, ou seja, de analisarem e ajustarem o seu comportamento em função de um público-alvo, torna-os apelativos a povos vulneráveis e ameaçados. A partir do seu carisma e competências de comunicação, alcançam uma imagem pública desejável para quem quer mudança, a qualquer custo. E facilmente ganham poder, a partir daí.

Do ponto de vista evolucionário, podemos argumentar que a explosão das tecnologias, a globalização e as subsequentes transformações sociais que ainda ocorrem levaram a um contacto abrupto com diferentes realidades e grupos, talvez sem a necessária preparação e habituação. Tal poderá levar à mencionada perceção de ameaça à identidade coletiva de um povo e subsequente radicalização, extremismo e suporte a líderes aparentemente agressivos, revolucionários e fortes.

Tendo em conta a crise habitacional que enfrentamos e a explosão imigratória dos últimos anos, podemos concluir que estamos expostos a muitos fatores de risco para a adoção de um regime político extremista, associado à busca de um combate firme à insegurança e a uma ameaça externa percebida. Reconhecemos que esta realidade não está distante de nós e que o nosso país não é imune a estes processos psicológicos e sociais. Mas a consciência de que estamos expostos a estes riscos e que estamos no precipício de cometer os mesmos erros do passado deveria guiar-nos para a moderação e reavaliação de quem estamos a seguir, das suas intenções e do seu papel no estado atual de tensão política e ideológica que se sente.

Sempre ouvi que o passado deve ensinar o futuro. Que é através da História que moldamos o presente e não repetimos os erros do passado. Mas sem estarmos dispostos a pensar de forma crítica sobre o modo como o mundo, a sociedade e as pessoas se estão a transformar, poderemos estar condenados ao abismo da repetição.

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