Sábado – Pense por si

Mariana Esteves
Mariana Esteves Economista
01 de abril de 2024 às 07:10

Já podemos pôr os mecanismos anti-corrupção a funcionar?

Se há partidos que escolhem e conseguem ser financiados na sua maioria por privados, então é preciso saber quem são estes financiadores.

Medir a corrupção não é fácil, já que, por definição, ela anda escondida. No entanto, é possível medir a perceção das pessoas relativamente à corrupção, o que influencia diretamente a sua confiança nas instituições democráticas. Para isso temos indicadores internacionais como oÍndice de Perceção da Corrupção(CPI, sigla em inglês) e o Eurobarómetro.

Em 2023, Portugal ficou em 34º lugar no CPI entre 180 países. Numa pontuação que vai de 0 a 100, onde 0 significa altamente corrupto e 100 muito transparente, Portugal obteve 61 pontos, 4 pontos abaixo da média da região da Europa Ocidental e União Europeia (UE). A nível europeu, o últimoEurobarómetromostrava que 93% dos portugueses consideravam a corrupção comum no país, um valor muito acima da média da UE (70%). Especificamente, os políticos e os partidos políticos são identificados como os mais vulneráveis à corrupção. Isto mesmo tendo estes dados sido recolhidos antes da crise política que levou à demissão do Primeiro-Ministro António Costa, na sequência da "Operação Influencer". Será interessante ver os resultados para 2024, mas para isso ainda temos de esperar e muita água vai correr.

Apesar da perceção da banalização da corrupção no país, em Portugal já existem vários mecanismos e entidades anti-corrupção, como é o caso da Entidade da Transparência, do Mecanismo Nacional Anticorrupção e da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Também a nível europeu, existem grupos responsáveis por seguir a evolução da corrupção, como é o caso doGrupo de Estados Contra a Corrupção(GRECO, sigla em inglês), órgão de monitorização anti-corrupção do Conselho da Europa. As recomendações do GRECO têm como objetivo garantir que os países estão mais defendidos contra a corrupção na política e na justiça. No último relatório divulgado, Portugal tinha apenas concretizado20%das 15 recomendações do GRECO, abaixo da média de 49,4%. Para além disso,nenhuma das recomendações relacionadas com os deputados foi totalmente executada como, por exemplo, o acesso à informação sobre o financiamento partidário.

Também os relatórios da OCDE apontam para lacunas significativas na monitorização dos interesses dos altos funcionários do Estado, atrasos na prestação de contas dos partidos políticos e problemas com o financiamento partidário por meio de doações anónimas. Não são os únicos a estar preocupados, já que 28% dos portugueses inquiridos noEurobarómetro sobre Democraciade 2023 acreditam que para uma campanha eleitoral livre e justa é necessário conhecer quem financia os candidatos e os partidos políticos. Não podia estar mais de acordo.

No último texto que escrevi aqui, alertei para a falta de transparência das contas do Chega e para a necessidade de fiscalização das doações dos partidos. O partido que agora tem 50 deputados na Assembleia da República é o que apresentou uma contribuição própria mais elevada no orçamento de campanha. Dos 700 mil euros previstos para a campanha, 400 mil, ou seja, mais de metade, veio de dentro. Para referência, a AD estimou gastar 2500 mil euros na campanha, dos quais apenas 11% (275 mil) eram contribuição própria. Uma proporção tão elevada de contribuição própria é inédita. Se, por um lado, pode libertar os partidos da necessidade da subvenção estatal, por outro lado, também deixa a democracia mais permeável a interesses económicos.

Se há partidos que escolhem e conseguem ser financiados na sua maioria por privados, então é preciso saber quem são estes financiadores e que interesses representam. Hoje, mais do que nunca, garantir que a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos tem recursos para funcionar e que as recomendações do GRECO são respeitadas, é essencial para protegermos a nossa democracia.

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