O estado da Palestina
Para sermos coerentes, reconhecer um Estado palestiniano obriga-nos a aplicar sanções ao Estado israelita.
Só há duas formas de impor o mal: muito devagar ou muito depressa. Em Gaza – e cada vez mais na Cisjordânia – o mal é a destruição de qualquer possibilidade de uma solução de dois Estados que possa enfim trazer a paz à região. Claramente, Israel já vinha há anos destruindo essa solução “muito devagar”, com a expansão ilegal de colonatos em território palestiniano e a imposição de um regime de apartheid que impunha um controlo efetivo sobre a vida quotidiana da população palestiniana. Agora, decidiu fazer o mal muito depressa, com a destruição sistemática e total de Gaza e o extermínio ou a migração forçada do seu povo.
Antes que o mundo tenha tempo de reagir – e demora tanto tempo a reagir, o mundo! – a política, cada vez menos disfarçada, é a ocupação total do território e a sua limpeza étnica. Para nos entreter e entorpecer, Israel vai fornecendo aos painéis de comentário televisivo, aqui e em todo o lado, embaixadores raivosos e pretensos analistas que se entretêm a discutir a definição jurídica de “genocídio”, reconhecido de forma cada vez mais óbvia por organizações humanitárias (incluindo israelitas), agências internacionais, peritos vários e pela consciência do mundo. Na mesma lógica, discute-se agora a definição de “Estado”, para saber se é útil ou inútil o reconhecimento do Estado palestiniano, que Portugal e nove outros países agora consagraram, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Claro que denunciar o genocídio em curso perpetrado por Israel não significa absolver o Hamas pelos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 – tal como reconhecer o Estado palestiniano não significa premiar o terrorismo, como alegam os porta-vozes oficiais ou oficiosos de Netanyahu. E também ninguém ignora que a violência de Israel tem longo contraponto histórico na violência do terrorismo palestiniano, ou dos vizinhos países árabes, desde a criação do Estado de Israel. O que está em causa é reconhecer que o atual Governo extremista de Israel é aliado do Hamas na perpetuação da violência e na deslegitimação do próprio Estado israelita – e, essa sim, é a grande ameaça à segurança do povo judeu na Palestina. Os verdadeiros amigos de Israel são os que denunciam o poder corrupto, sanguinário e antidemocrático que tomou conta do país e quer exterminar a vizinhança.
Marcelo Rebelo de Sousa chamou ao reconhecimento do Estado palestiniano “uma posição de princípio”. Mas não sejamos líricos: Portugal não toma “posições de princípio” em matéria de política internacional – em matéria nenhuma, na verdade. Os países têm cada vez mais fins e cada vez menos princípios. Limitámo-nos a aderir (e bem, e tarde) a um consenso europeu que visa, por fim, fazer alguma pressão, nem que seja simbólica, contra a política sanguinária de Israel. Mas o risco, que exige atenção cívica, é estarmos a exercer a pressão simbólica para pouparmos Israel à pressão real. O pacote de sanções proposto pela Comissão Europeia corre sério risco de ser chumbado pelo Conselho, onde se sentam os Governos dos Estados-membros. Neste caso, o reconhecimento do Estado palestiniano será uma manobra de distração para aplacar a opinião pública da UE, enquanto se mantém oleada a máquina de guerra israelita, e a participação europeia nessa força destruidora.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, fez uma defesa eloquente da decisão do Governo, apelando “do fundo do coração” a um cessar-fogo e à libertação dos reféns ainda raptados pelo Hamas. Um discurso temperado pela divergência do parceiro da coligação, o CDS, que veio dizer que o reconhecimento da Palestina “não é oportuno, nem consequente”, expressando a posição, tonta ou sonsa, de que o melhor momento para reconhecer o Estado da Palestina é quando não houver palestinianos, nem Palestina, reconhecíveis.
Fez bem o Governo em reconhecer que a solução de dois Estados só se faz com dois Estados. Fez bem o Presidente da República em mostrar o seu apoio à decisão e sinalizar a coesão e concordância dos órgãos de soberania portugueses quanto a este assunto. Mas que fique claro: a “posição de princípio” que é reconhecer o Estado palestiniano obriga-nos a ser coerentes com o fim. Portugal tem de aprovar as sanções a Israel propostas pela Comissão Europeia, e tem de adotá-las no plano nacional, seja qual for a decisão em Bruxelas. Tal como foi reconhecido, o Estado palestiniano é uma aspiração, não uma realidade. Permitir que essa aspiração seja exterminada num banho de sangue é uma catástrofe humanitária e uma mancha de vergonha sobre os países do mundo. Se ao reconhecimento da Palestina se seguir a impotência, o nosso apoio simbólico será a marca da nossa vergonha real.
O estado da Palestina
Para sermos coerentes, reconhecer um Estado palestiniano obriga-nos a aplicar sanções ao Estado israelita.
Onde está o meu bónus?
A venda do Novo Banco culmina num prémio milionário à rapina que empobrece Portugal.
Vamos sempre amar-te, Roman
Abramovich perdeu na Justiça europeia. Mas num Portugal servil e submisso terá sempre porto seguro.
O bichinho sonsinho
José Sócrates e Luís Montenegro têm estilos muito diferentes. Mas o mesmo desprezo pelo escrutínio democrático.
Nem no papel
O Governo adiou (de novo) a obrigação de uma “declaração de honra” inútil contra a corrupção.
Edições do Dia
Boas leituras!