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Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
15 de janeiro de 2025 às 07:00

Os extremos saíram à rua

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Edição de 5 a 11 de agosto

Quando o centro falha, como falhou na Europa nas últimas décadas, é indispensável não dar apenas o espaço político a um lado da barricada.

Os extremos saíram à rua: os democratas contra os racistas e xenófobos. No passado sábado, houve uma manifestação marcada em Lisboa denominada"Não nos encostem à parede"onde se reinvindicava a liberdade, a dignidade e a defesa dos direitos sociais. No seguimento do que aconteceu na Rua do Bemformoso, onde centenas de imigrantes foram encostados à parede sem motivo aparente, mais de uma centena de organizações e colectivos decidiram mostrar que as imagens que assistimos, e que não são caso único para muitas periferias das cidades, não definem o Portugal real. A verdade é que qualquer democrata ficaria arrepiado com as imagens que circularam juntamente com o resultado prático dessa operação: apenas intimidação e combate a percepções.

Na sequência das últimas semanas fomos percebendo a instrumentalização política destas ditas "operações" pelo governo de Luís Montenegro. Era preciso combater a sensação de insegurança que se começa a instalar em Portugal, era repetido pela coligação Aliança Democrática. Mas foi mesmo neste fim-de-semana que se tornou clara a posição do nosso Primeiro-Ministro na declaração que realizou sobre as manifestações (a extrema-direita organizou uma "vígilia" com 50 pessoas e uma contra-manifestação). "Os extremos saíram à rua". A equiparação entre um lado com democratas, defensores de um estado de direito justo, de uma separação de poderes políticos e judiciais, defensores da liberdade e igualdade, defensores da liberdade e de abril, com outro lado carregado de ideias racistas e xenófobas, sempre a proferir discurso de ódio para todas as comunidades. Relembrar que quem esteve presente na manifestação de sábado do lado dos democratas eram pessoas ligadas ao partido do governo, da esquerda à direita, famílias, imigrantes, emigrantes e, claro, diferentes partidos.

Esta tentativa de "moderação" e centrismo não é uma ideia original do governo nem portuguesa. Foram usadas frequentemente noutros países europeus com os resultados que se observa actualmente: a polarização dos extremos, o desencanto dos cidadãos pela democracia e o aumento da falta de esperança no sistema político como resolução dos seus problemas. O centrismo e a moderação como virtuosismo no meio dos tumultos não são de todo a resposta para eliminar ideias fascistas da sociedade. Ser tolerantes com quem não o é, apelando à sua moderação nunca levou em qualquer período da história à redução de ideias radicais da sociedade: só dá espaço para as mesmas crescerem. E podemos mesmo assistir a esta mudança política um pouco por todo o mundo, com cada vez mais o dito "centro" chegado aos ideais da direita conservadora e radical, mostrando também como a esquerda não conseguiu disseminar e implementar a sua ideia para conquistar votos. A esquerda pode e deve ser o projecto de alternativa à sucessiva perda de qualidade de vida, direitos e degradação da democracia e das instituições democráticas sob pena de deixar a única alternativa possível para os projectos de extrema-direita populistas que assombram a Europa e o mundo dito ocidental. Quando o centro falha, como falhou na Europa nas últimas décadas, é indispensável não dar apenas o espaço político a um lado da barricada.

Tudo isto associado ao aumento das desigualdades, ao aumento dos bilionários mundiais, levam à captura dos nossos sistemas democráticos por meia dúzia de pessoas com dinheiro e poder suficiente para alterar o rumo das regras democráticas ao seu belo prazer. Elon Musk começou esta mudança nos Estados Unidos da América e já fez o seu caminho europeu, tentando derrubar chefes de estado no Reino Unido, aliando-se ao partido Nazi da AfD na Alemanha e semeando o caos institucional, preparando-se para colher os frutos de todo esse caos mais tarde.

Os extremos saíram à rua neste sábado, e é mesmo esta a luta que vamos lutar até ao final da década. A defesa pela democracia e liberdade contra as ideias retrógradas e fascistas. Do que depender dos verdadeiros democratas, estas últimas não passarão.

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