Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
21 de outubro de 2024 às 10:08

A prevenção era para ontem

Vindo de uma geração à rasca, passei por várias crises - nunca antecipadas - e custa-me ver a falta de preparação para as próximas. Algumas já estão bem identificadas como a crise climática, outras são previsíveis.

Agir sem estratégia é astrologia política em mercúrio retrógrado. As prioridades actuais devem ser compatíveis com uma estratégia sustentável para o futuro, mesmo num país onde reina o "desenrasca".

Vindo de uma geração à rasca, passei por várias crises - nunca antecipadas - e custa-me ver a falta de preparação para as próximas. Algumas já estão bem identificadas como a crise climática, outras são previsíveis, como a próxima pandemia, a próxima crise da banca ou o envelhecimento populacional. É uma verdade difícil: quer nos preparemos quer não, estes desafios vão acontecer. Desafios que podem ser definitivamente mitigados através de uma ação política firme no presente. A aposta na saúde pública com a distribuição de vacinas torna não só mais eficaz a protecção da saúde das pessoas, mas também tem um custo significativamente mais reduzido do que o tratamento destas doenças ou hospitalizações em massa. Podemos e devemos lutar para utilizar a mesma abordagem em todos os sectores da nossa sociedade, ainda que esta não tenha merecido o protagonismo para lidar com os problemas crescentes.

Ninguém questiona a importância da existência de características de adaptação nos edifícios construídos em zonas sísmicas. Ninguém questiona a obrigatoriedade da utilização do cinto de segurança. Ninguém (capaz) questiona a importância da vacinação. Isto são tudo mecanismos que desenvolvemos que salvam vidas. Apesar disso, estas estratégias são muitas vezes vítimas do seu próprio sucesso. Uma boa estratégia de prevenção leva à diminuição da percepção do risco e, por sua vez, à redução da atenção e investimento contínuo na prevenção. Ainda não reconhecemos o seu verdadeiro valor, seja em termos económicos, como sociais. Isto acontece apesar de todos os relatórios apontarem as suas vantagens, seja em termos de custo-benefício, eficiência, aumento de produtividade e melhoria da qualidade de vida.

A resistência à prevenção também pode estar enraizada no medo da mudança. Reconhecer a necessidade de planear é assumir que o futuro pode efectivamente mudar, e nem todos estão dispostos a enfrentar essa realidade. Quando somos confrontados com esta possibilidade, somos desafiados a questionar o panorama actual e reavaliar as nossas perspectivas e os nossos valores. Isto também traz consigo uma sensação de incerteza e insegurança. No entanto, é precisamente nesses momentos de incerteza que temos a oportunidade de progredir e reinventar. Estas oportunidades e momentos de projecção do futuro mostram também as diferenças entre os projectos políticos actuais. Mais importante que saber as medidas do orçamento de estado, por exemplo, é questionar as suas motivações e objetivos finais.

É essencial saber como queremos que seja o futuro, para conseguirmos orientar o que fazemos no presente. Se olharmos para os nossos líderes, vemos esta falta de visão do futuro materializada no desinvestimento crónico em educação e saúde, falta de ambição de políticas ambientais e na preocupação excessiva por sondagens e votos. Precisamos, acima de tudo, de mostrar que é possível resolver problemas, inspirar e dar o exemplo. Em Portugal, faltam-nos estas qualidades nos políticos.

Haverá uma próxima geração à espera, mas pronta a repetir os mesmos erros. Precisamos de mudar o discurso e promover uma cultura de esperança. Sem imaginar um futuro melhor fica certamente díficil de o construir.

É imperativo ter a coragem para romper com a cultura da reacção e abraçar a prevenção como uma abordagem fundamental para enfrentar os desafios do presente e garantir um futuro sustentável para todas as gerações. Uma dose de prevenção acaba por ser bem mais barato e saudável do que um frasco inteiro de remediação.

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