Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
30 de dezembro de 2024 às 07:18

A percepção derruba democracias

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Edição de 5 a 11 de agosto

Caminhamos a passos lentos para a perda de direitos fundamentais, não só políticos como humanos. Não estamos a saber lidar com o uso da tecnologia nem com o descontentamento das pessoas.

Estamos mesmo a chegar ao fim do princípio de transformar as democracias em autocracias. Estes processos são graduais, envolvendo uma série de etapas com o objectivo de corroer e desvalorizar as instituições democráticas, restringir e atacar as liberdades individuais e colectivas, concentrando o poder numa figura ou grupo. A verdade é que ao longo da História esta transição já ocorreu várias vezes por todo o mundo, e assistimos em 2024 a União Europeia caminhar pelos mesmos passos e erros.

Olhando para o caso português tornam-se óbvios os sucessivos ataques às instituições democráticas pela extrema-direita, insistindo na condenação deste sistema político, judiciário e até da comunicação social plural. Tudo isto incomoda quem quer tomar de assalto o poder a todo custo: social, económico e moral. Para isso, faz-se uso da desinformação através de notícias falsas, promovendo a polarização e divisão social. O objectivo, como escrevi anteriormente, é sempre dividir a sociedade, enfraquecendo a resistência colectiva, apontando sempre grupos específicos de perseguição ganhando algum apoio popular. Infelizmente, como é possível observar pelas últimas semanas da ação do nosso governo, parece que estamos cada vez mais perto de ser governados pela percepção do que pela realidade. Onde com o objectivo de aumentar a aprovação do governo, vemos já uma adopção do discurso sobre a insegurança que podia ter sido adoptada por qualquer partido de extrema-direita na Europa. Um discurso que choca com a realidade, e que aumenta em si mesmo uma escalada do uso da violência como solução. Um caminho muito sinuoso quando estas percepções são ditadas por algoritmos em que desconhecemos a maioria da sua ação. Governar através de sensações colhidas num scroll ou de 120 caracteres foi a moda de 2024 que não queremos que avance para o próximo ano.

Caminhamos a passos lentos para a perda de direitos fundamentais, não só políticos como humanos. Não estamos a saber lidar com o uso da tecnologia nem com o descontentamento das pessoas. A transição para democracias mais frágeis raramente acontecem do dia para a noite, mas acontecem de um ano para o outro, e neste ano de 2024 demos mais um passo em toda a Europa com mais pessoas de extrema-direita nos nossos parlamentos e governos, com cada vez mais força e poder para actuar. A chave para evitar este desfecho fatídico será sempre uma vigilância cívica activa, a preservação da integridade das instituições democráticas e, acima de tudo, o compromisso coletivo feito pelos verdadeiros democratas. Nesta luta, há mais do que um lado, mas sabemos bem qual não queremos que ganhe. E isso devia ser uma prioridade.

Uma democracia sem comunidade e participação é uma democracia mais fraca. E sabemos bem que 2024 nos afastou mais das democracias liberais fortes que tanto desejamos. O meu desejo para 2025 é que consigamos devolver a esperança a todos os europeus de que as respostas simples e desajustadas da realidade, baseadas em percepções construídas digitalmente, não vão contribuir para o estilo de vida que desejam: progressista, próspero e pacifico.

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