Sábado – Pense por si

Paris antes dos Jogos: águas sujas, transportes caros e rusgas a sem-abrigo

A uma semana da cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris, ainda existem dúvidas sobre o está ou não pronto. Desde as expulsões de sem-abrigos das zonas onde irão decorrer provas desportivas, às questões sobre o nível de limpeza da água e caudal do rio Sena, a problemas de circulação, a incerteza paira sobre Paris.

Nadar em Águas Contaminadas

REUTERS/Benoit Tessier

No dia 30 de julho, o rio Sena vai acolher a primeira prova de Triatlo dos Jogos Olímpicos, em que os atletas iniciam a prova a nadar 1.500 metros, seguido de uma componente de 40 quilómetros de ciclismo e 10 quilómetros de corrida.

Após o investimento de 1,4 mil milhões de euros desde 2016, financiado pelo estado francês e pelas autoridades locais, para melhorar a qualidade da água do rio, ainda há quem duvide que ela seja segura. Além disso, tem havido algum debate em volta das alegações feitas por Emmanuel Macron, Presidente da França, quando em abril deste ano afirmou que tudo estaria "pronto" e que a água do Sena estaria "limpa" para o evento desportivo. Prometeu também nadar, mas essa promessa ainda não foi concretizada.

Mas houve quem tivesse feito o que Macron ainda não fez. Na passada quarta-feira, a presidente da Câmara Municipal de Paris, Anne Hidalgo, e no dia 13 de julho, a ministra do Desporto, Amélie Oudéa-Castéra, deram um mergulho e algumas braçadas num dos rios mais poluídos da Europa. Com caras alegres e uma boa disposição, será que Hidalgo e Oudeá-Castéra conseguiram provar aos céticos de que é seguro nadar no Sena?

Dentro da capital, o rio Sena não garante as condições necessárias para ser considerado um local balnear. De acordo com o jornal de investigação francês, Mediapart, de forma a seguir uma diretiva europeia de 2006 que concede este título, o rio necessitava de demonstrar a qualidade de água durante quatro épocas balneares, ou seja, 4 anos seguidos. Para isto, as autoridades francesas usam uma forma de medição proposta pela Agência Francesa para a Segurança dos Alimentos, do Ambiente e da Saúde no Trabalho, que estabelece limites para além dos quais a natação não devia ser permitida: 1.800 unidades formadoras de colónias (UFC) de Escherichia coli por 100 mililitros de água e 660 para enterococos intestinais- bactérias que causam sintomas como a náusea e a diarreia.

Este critério utilizado para testar a qualidade da água avalia-se apenas como sendo "excelente", "boa" ou "suficiente", mas não define se nela é de facto seguro nadar. Isto faz com que o estado tenha a liberdade de decidir, se quer ou não abrir estas massas de água testadas ao público para efeitos balneares. Isto não tem acontecido com o rio Sena.

De acordo com o jornal, em 2015 quando foi apresentada a candidatura para Paris organizar os eventos Olímpicos e Paralímpicos deste ano, foi determinado que o Sena estaria apto para os atletas nadarem e "por isso, tinha de ser". No caso de chuvas fortes, as águas não tratadas podem ser lançadas ao rio, ou seja, as estruturas de tratamento de água inauguradas antes dos jogos podem-se revelar insuficientes. Neste caso, o plano B seria adiar os eventos por alguns dias, mas nunca mudar o local.

A cerimónia de abertura vai decorrer também no Rio Sena, mas o problema já não se encontra na qualidade da água, mas sim no caudal do rio. No final de Junho, o volume elevado de água no rio francês perturbou as preparações para o desfile de abertura, com o cancelamento de um dos ensaios com frotas de barcos.

De acordo com o jornal francês, Le Monde, numa entrevista ao diretor executivo das cerimónias de Paris 2024, Thierry Reboul assegura que "estamos todos bastante calmos", na eventualidade de mau tempo, e que se o caudal se encontrar entre 300 e 500 m3, vai ter de haver "uma adaptação". Uma vez que o caudal tem impacto no nível da água, o excesso desta pode tornar complicada a passagem dos barcos por baixo de certas pontes.

Deslocação por Paris

É esperado que haja cerca de 10 milhões de pessoas a deslocarem-se pelas ruas da capital francesa durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Já era expectável que fosse complicado viajar livremente pela cidade, contudo, também se vai tornar mais dispendioso. Ao contrário do que foi prometido anteriormente, que o transporte público seria grátis para os portadores de bilhetes para os eventos olímpicos, tal como foi nos jogos de Londres em 2012, afinal de contas, será o oposto.

Desde 20 de Julho, o preço de um bilhete único T +, válido para o metro, os comboios RER, os elétricos e os autocarros, vai aumentar de 2,15 euros para 4. O preço da compra de 10 destes bilhetes vai aumentar dos 17,35 euros habituais para 32. Estes preços extraordinários vão manter-se até ao fim dos Jogos Paralímpicos, a 8 de setembro. De acordo com o jornal francês Le Parisien, os preços para os residentes da região de Paris não se vão alterar, desde que tenham comprado os bilhetes com antecedência.

Quanto aos serviços ferroviários, os utilizadores não vão sentir atrasos ou cancelamentos devido ao acordo feito no início de Junho com três sindicatos ferroviários, SUD rail, Unsa Ferroviaire e a CFDT Cheminots. Dentro do acordo está explícito que os trabalhadores ferroviários poderão receber até 1900 euros, o mesmo que a polícia, com um subsídio diário de 95 euros brutos. Para os visitantes que pretendem aterrar na cidade no dia 26 de Julho, o dia da cerimónia de abertura, terão de planear melhor a sua chegada, pois os principais aeroportos estarão encerrados durante a noite por motivos de segurança.

Contudo, não são só os transportes que sofrem mudanças. Para os residentes e os visitantes poderem entrar em certos perímetros de segurança da cidade, têm de se inscrever no site oficial do Pass Jeux, passe dos jogos, para obterem códigos QR. Algumas destas zonas são as que se encontram na periferia do rio Sena, onde se realizarão as festividades. Também é necessário um código QR ou de um comprovativo de morada para os carros para entrarem dentro da "zona vermelha", que abrange quase o distrito inteiro, de acordo com o jornal Mediapart, o que torna a deslocação dos residentes mais complicada.

Limpeza Social

Macron afirmou que os Jogos Olímpicos iriam mostrar a grandeza de França. Um ano antes da chegada dos atletas e dos espectadores, o Governo francês colocou cerca de 50,000 sem-abrigos em autocarros para cidades como Lyon ou Marselha, e nos subúrbios de Paris. De acordo com o jornal americano The New York Times, foi-lhes prometido alojamento, mas acabaram por ficar em ruas desconhecidas, longe de casa, e no caso de certos imigrantes, foram marcados para deportação. Adicionalmente, a vila olímpica foi construída num dos bairros mais carenciados de Paris, Seine-Saint-Denis, onde a maioria vive em acampamentos de rua ou prédios abandonados.

Na capital francesa e nos arredores, não há alojamento ou refúgios suficientes para os 100,000 sem-abrigos que lá habitam. Apesar do governo negar que as viagens de autocarro estejam relacionadas com os Jogos Olímpicos, o jornal americano obteve um e-mail, primeiramente noticiado pelo jornal francês L’Equipe, em que menciona que o objetivo era "identificar as pessoas na rua em locais próximos dos locais dos Jogos Olímpicos" e retirá-las antes do começo dos eventos.

Ao longo do ano passado, a polícia aumentou o número de rusgas a acampamentos de sem-abrigos e a edifícios abandonados, prometendo a quem lá morava que iriam ser realojados e iriam receber apoio dos serviços sociais. O The New York Times seguiu a rota de um dos autocarros para a zona sul de Paris, onde encontrou um centro de acolhimento em Orleães, no qual não era possível encontrar nenhum funcionário ou assistente social. Os quartos eram "pequenos, com duas camas individuais lado a lado".

Contudo, a zona da Île-de-France, região administrativa onde se situa Paris, não é a única a sofrer este realojamento de pessoas carenciadas. Em Bordéus, as autoridades desmantelaram um bairro de lata habitado por cerca de 500 pessoas, numa zona perto do estádio Matmut Atlantique, que vai acolher provas de futebol. De acordo com o jornal Mediapart, o chefe de gabinete da zona de Gironda anunciou que "a preparação para os Jogos Olímpicos exige um elevado nível de segurança e, para isso, foi necessário estabelecer um certo número de perímetros de segurança que tiveram de ser estabelecidos em volta do estádio Matmut".

Há ainda quem tema que esta "limpeza" seja permanente, mesmo depois dos Jogos terminarem. Paul Alauzy, porta-voz do coletivo Le revers de la médaille, um conjunto de organizações, associações e federações ligadas a pessoas desfavorecidas ou em situação de precariedade, admite à Mediapart que teme o facto das autoridades poderem querer manter esta imagem "asséptica" da capital, fazendo com que a pobreza se torne praticamente invisível.

É necessário portanto esperar que os Jogos Paralímpicos terminem em setembro, para ver o verdadeiro impacto destas expulsões e desalojamentos, e verificar se esta "limpeza social" resultou em favor da segurança dos espectadores.

Artigos Relacionados

Férias no Alentejo

Trazemos-lhe um guia para aproveitar o melhor do Alentejo litoral. E ainda: um negócio fraudulento com vistos gold que envolveu 10 milhões de euros e uma entrevista ao filósofo José Gil.