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Seis cenários sobre como a guerra de Putin poderá acabar

Jornal de Negócios , Bloomberg 07 de março de 2022 às 08:12

Conflito na Ucrânia acabará com um reino russo de terror? E se os ucranianos vencerem? A China poderá intervir? Putin está isolado no seu próprio mundo e existem muitos corredores sem saída pela frente.

Ninguém sabe como é que a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia poderá acabar, mas a maioria dos cenários varia entre mau a pior. Para tentar compreender, é melhor começar a considerar o que é sem dúvida a ratazana mais conhecida do mundo. 

Vladimir Putin Reuters

É isso que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, diz em tempos - quando era um rapaz naquilo que era na altura Leningrado - ter perseguido num corredor. Encurralada, a ratazana virou-se e atacou-o. 

Por que razão é que Putin quis garantir que este episódio é reciclado entre quem vê a Rússia em todo o mundo? A sabedoria convencional é a de que mais uma das suas ameaças veladas. Eu sou essa ratazana, a diferença é que tenho garras nucleares, deixa implícito. Portanto não me encurralem. 

Este ponto de vantagem - vamos assim dizer do ponto de vista da ratazana - tem de ser tida em conta em todos os cenários possíveis. Caso a análise seja sobre aquilo que é bom para a Rússia, a invasão nunca teria começado e poderia ser encerrada a qualquer altura com um acordo negociado. Afinal, o ataque atacou apenas interesses nacionais, ao isolar o país internacionalmente e a empobrecer mais a sua população. Mas a Rússia não é o ator relevante. A ratazana metafórica no Kremlin é. 

Em todos os aspetos, Putin está agora isolado e no seu próprio mundo mental. Ao contrário dos seus antecessores soviéticos, não tem um politburo à sua volta ou outros pesos e medidas credíveis, decide tudo sozinho. E como outros tiranos atuais e anteriores - Saddam Hussein vem à mente -  tem razão para se preocupar que o seu próprio falhanço político seja menos provável de terminar numa reforma calma mas plácida do que em algo mais violento e abrupto

Visto da perspetiva da ratazana, portanto, existem muitos corredores sem saída ao redor. Com isso em mente, os cenários são estes. 

Os ucranianos vencem

Uma defesa ucraniana heroica que realmente repele as forças russas militarmente continua a ser improvável, mas é claro que é o cenáro  preferido para a maior parte do mundo. Uma Ucrânia traumatizada, mas triunfante, poderia associar-se-ia a uma nova União Europeia coerente e determinada e acelerar a sua integração no Ocidente democrático. 

A NATO teria um novo sentido  de propósito. A China, de olho em Taiwan, pensaria duas vezes antes de causar os seus próprios problemas. Mas Putin estaria nesse canto metafórico. Tem-se feito passar por defensor da Rússia contra um Ocidente supostamente agressivo e quem redime os russos étnicos e irmãos eslavos em todos os lados. Uma vitória ucraniana tornaria toda aquela propaganda insustentável. Ele não conseguiria sobreviver à derrota política e sabe disso. 

Portanto não vai permitir que esse cenário aconteça. Em vez de se retirar, seguirá um dos três outros caminhos.

Um reino russo de terror

Putin poderia escalar o ataque dramaticamente - mas ainda apenas com armas convencionais. Basicamente, isso significaria bombardear a Ucrânia para a submissão. A perda de vidas civis e militares seria horrenda, mas Putin não se importaria. Incorporaria uma Ucrânia a ferver e ressentida - seja como um Estado fantoche independente ou uma subdivisão da Grande Rússia - e talvez adicionar a Bielorrússia também. 

Para reprimir a dissidência em casa e na Ucrânia, Putin teria de completar a transformação da Rússia num estado policial, eliminando e perseguindo os últimos resquícios da liberdade de expressão. O império tornar-se-ia num pária permanente na comunidade global e o mundo teria uma nova Cortina de Ferro.

Outro Afeganistão

Putin poderia escalar menos dramaticamente, enviando apenas militares russos para entrar na Ucrânia para evitar a derrota total. O país poderia então transformar-se naquilo que o Afeganistão era para o líder soviético Leonid Brezhnev depois 1979, ou para os EUA e os seus aliados depois de 2001: um pântano. O custo em termos humanos continuaria a ser chocante – acima de tudo para os ucranianos, mas também para os soldados russos e civis russos a sofrer a maior repressão e dificuldades resultantes das sanções. 

Putin não se importaria com isso, desde que achasse que o seu lugar no Kremlin continuaria seguro. Mas do ponto de vista da ratazana, um pântano assemelha-se muito a ficar preso naquele canto do corredor indefinidamente.

Escalar para 'desescalar'

Se Putin realmente for como a ratazana que o atacou, irá, pelo menos considerar outra - literalmente nuclear – opção. É aquilo que ele já insinuou. Tendo em conta que a NATO e a UE estão a encurralá-lo apoiando a Ucrânia com armas e outros meios, poderia lançar um ou mais "limitados" ataques nucleares descritos como táticos. Apostaria que o Ocidente não retaliaria em nome de Ucrânia, porque isso desencadearia uma troca nuclear com armas "estratégicas" maiores, terminando em Destruição Mútua Assegurada (MAD), como era conhecido durante a Guerra Fria. Mas como a ratazana, arriscaria.

A Ucrânia, como o Japão em 1945, não teria escolha a não ser render-se. É por isso que os militares chamam esta estratégia de "escalar para 'desescalar'". Mas o mundo nunca seria o mesmo. Os nomes Hiroshima e Nagasaki seriam acompanhados por outros na lista de desgraças da humanidade. E ainda Putin poderia dizer que conseguiu sair por si próprio do do corredor onde estaria encurralado. 

Outra Revolução Russa

Há também cenários mais otimistas. Apesar de cortina de propaganda e desinformação de Putin, há russos suficientes a compreender as circunstâncias de sua invasão não provocada  e o riscos cataclísmicos. Podem revoltar-se. Isso poderia tomar a forma de um movimento de escala alargada centrado em torno de um líder da oposição como Alexei Navalny. Ou pode ser um golpe feito a partir da elite. Nenhum tipo de insurreição parece provável por enquanto, Infelizmente. Os russos podem ter notado que os bielorrussos ao lado têm resistido heroicamente ao seu ditador desde agosto de 2020, sem sucesso, mas com muita repressão brutal. 

E qualquer membro do que resta do círculo interno de poder de Putin contempla um putsch vai lembrar-se do destino de conspiradores em torno de Claus von Stauffenberg em 1944. No entanto, uma revolução russa doméstica seria de longe o melhor resultado. O novo regime em Moscovo poderia culpar o ataque apenas a Putin, o que é verdade. Poderia, portanto, retirar-se sem parecer fraco. 

A comunidade internacional poderia receber a Rússia de braços abertos. O mundo, incluindo a Rússia, tornar-se-ia num lugar melhor. 

A China intervém

O segundo melhor cenário possível, mas mais plausível, envolve Pequim. Oficialmente, a China sob a liderança do presidente Xi Jinping é, se não aliada da Rússia, pelo menos parceiro a encarar conjuntamente o Ocidente liderado pela América. Mas a China considera-se uma potência em ascensão e a Rússia uma potência em queda. Na opinião de Xi, Putin às vezes é útil, mas também um potencial risco. 

Em particular, a China está num conflito profundo com a decisão de Putin sobre o ataque porque viola o direito nacional de outro país soberano, o princípio que Xi invocaria caso alguma vez engolisse Taiwan (que considera uma província chinesa) e exigiria que os EUA ficassem de fora.

E a China, que tem um pequeno, mas em rápido crescimento, arsenal nuclear, certamente não aprovaria o uso de armas nucleares táticas e o caos global resultante. Por enquanto, a ambivalência de Xi condenou Pequim a um duplo discurso insustentável. 

Nas Nações Unidas esta semana, 141 países votaram para condenar a agressão de Putin. A China poderia ter-se juntando aos quatro países (Bielorrússia, Coreia do Norte, Eritreia e Síria) que votaram com a Rússia contra a resolução. Em vez disso, juntamente com 34 outros países, limitou-se a abster-se. Se a China decidisse conter Putin, teria a influência. Poderia retirar as linhas de vida económicas e diplomáticas de que Moscovo precisa. Ao mesmo tempo, poderia discretamente encontrar alçapões secretos no final do corredor. Afinal, a melhor forma de lidar com uma ratazana encurralada é geralmente deixá-la escapar antes que faça mais dano.

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