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Béatrice Zavarro, a mulher que defendeu o "monstro" Pélicot

Gabriela Ângelo 22 de dezembro de 2024 às 10:00

Advogada esteve ligada a vários casos mediáticos, e a sua defesa do "monstro" foi elogiada por feministas.

Filha de pais espanhóis, desde a adolescência que Béatrice Zavarro soube que queria seguir o caminho de magistrada. No entanto, acabou por se dedicar ao Direito Penal depois de uma visita a uma prisão onde conheceu um duplo assassino. "Falei com esse senhor e depois pensei que, em vez de julgar as pessoas, talvez devesse estar a ouvi-las". E foi exatamente isso que fez com Dominique Pélicot, condenado a 20 anos de prisão por ter violado, drogado e permitido a violação da sua mulher por 72 homens. 

Beatrice Zavarro Lewis Joly/AP

O seu primeiro encontro com o acusado remonta a março de 2021, enquanto Pélicot cumpria 8 meses de prisão por ter filmado imagens debaixo das saias de mulheres num supermercado. Na altura, outro recluso deu-lhe o contacto da advogada e depois de o ter conhecido, aceitou defendê-lo. Ao Daily Mail contou que Pélicot lhe confessou quase imediatamente os crimes que cometeu contra a ex-mulher. "Como é que um homem me pode dizer que admira a sua mulher e que a respeita profundamente e, por outro lado, tê-la traído a este ponto? Foi uma dicotomia que me pareceu interessante". 

No entanto, a escolha de defender Dominique veio com críticas, especialmente de mulheres que consideraram que estava a defender um "monstro". "Anteontem, a minha secretária recebeu um telefonema de uma mulher que deixou passar a mensagem de que o meu cliente era uma merda, que não sabia como é que eu o podia defender, mas que mesmo assim me desejava boas festas", disse a advogada à France 24. Ela acredita que está a defender "alguém que cometeu um ato monstruoso", rejeitando o rótulo de "monstro": "Num Estado de Direito, todos têm o direito a ser defendidos". 

À saída das sessões de tribunal, grupos de mulheres juntaram-se e bateram palmas a Gisèle, enquanto outras criticavam Béatrice. Contudo, aos media franceses, Blandine Deverlanges, membro do grupo feminista Amazonas de Avignon, admite ter respeito pela posição da advogada, agradecendo a sua posição. "Manteve uma defesa ponderada que preservou a dignidade do debate e a integridade da vítima, estamos muito gratas por isso". Ao contrário do que acontece em vários casos de violação ou assédio sexual em que a vítima é humilhada ou culpada, o chamado victim blaming ou victim shaming.

Tal aconteceu no caso do violador em massa de Johnson City em Tenessee nos Estados Unidos, em que cerca de 50 vítimas acusaram a cidade de victim blaming. A queixa surgiu após a polícia alegadamente não ter investigado algumas queixas e a Presidente Municipal ter dito durante uma conferência de imprensa que algumas das vítimas tinham tomado drogas antes de se encontrarem com o arguido, quando na verdade elas teriam sido drogadas pelo próprio. 

Desde 2 de setembro que Béatrice tem defendido Dominique, mantendo sempre respeito e admiração pela vítima, Gisèle Pelicot, que se tornou um ícone de força e resistência. "Gisèle Pelicot não é minha adversária e nunca o foi": "Penso que se esta mulher não tivesse aberto as portas da sala de audiências, não estaríamos aqui hoje. Espero que este julgamento tenha um grande impacto e resulte em mudanças", afirmou aos media franceses.

Todo o seu argumento de defesa baseou-se não em tentar desculpar um ato que é indesculpável, mas sim apelando a que as pessoas percebam como Dominique chegou a este ponto, dado a sua infância traumática que pode ter danificado o seu cérebro. "Não se nasce pervertido, torna-se". Espera também mostrar à vítima que "o homem que fez isto não foi o homem com quem ela casou em 1973". Conta à France 24 que o objetivo era "mostrar que ainda há um pouco de luz, dentro de um lado muito negro de Dominique Pélicot. Quero dizer que nada está perdido para este homem". 

Este apelo não resultou, uma vez que a condenação de 20 anos de prisão do seu cliente, requisitada pelo Ministério Público francês, foi aplicada na quinta-feira, 19.

A advogada que prestou juramento em 1996 trabalhou anteriormente numa série de casos conhecidos em França, nomeadamente no assassinato do deputado Yann Piat em 1994 (quando era estagiária), no caso de corrupção Elf em 2001 e no caso do rapto e assassinato de uma criança, Madison, no sul de França em 2006, em que lutou junto do pai da criança, Stéphane Castel.

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