No princípio, era o que havia: as sementes eram plantadas, a vinha crescia e das uvas era feito vinho, sem grande preocupação sobre se era esta ou aquela casta, com estes ou aqueles perfis e características. Os viticultores que escolhiam misturar várias castas na mesma parcela de terra não o faziam por capricho, mas por sobrevivência: com melhores e piores condições climatéricas para as diferentes uvas, alguma produção ao fim do ano estava sempre garantida.
De França, país inventor do vinho como o conhecemos, veio o purismo dos vinhos monocasta e a globalização do vinho levou esta forma de ser aos quatro cantos do mundo: dos Estados Unidos ao Chile e da Nova Zelândia à China, plantou-se e fez-se o Cabernet e o Pinot, o Sauvignon e o Chardonnay, e por cá também quisemos fazer brilhar o nosso Arinto, Alvarinho, Alicante Bouschet e Touriga a solo.
Não é esta, no entanto, a nossa essência: somos um país de blends, ou misturas, em que a Touriga Nacional se emparelha com o Aragonez e a Trincadeira no Alentejo, com o Alfrocheiro e o Jaen no Dão, com a Tinta Roriz e a Touriga Franca no Douro. Um monocasta pode expressar a versão mais autêntica de uma casta mas para o paladar português, só a mistura de castas resulta num vinho, no verdadeiro sentido do termo, completo.
Mesmo nestes casos, no entanto, é frequente as uvas serem cultivadas em separado, e só na adega combinadas nas proporções consideradas ideais para a receita perfeita. Não são muitos os produtores que preservam a versão antiga desta tradição, o chamado field blend, mais típico do Norte, em que as castas são plantadas, colhidas e vinificadas em conjunto, frequentemente de vinhas relativamente antigas e resultando em vinhos deliciosamente complexos de aromas e sabores.
Qual o benefício desta abordagem? Para já, tira proveito de uma inegável sabedoria natural: a de que as castas que lá sobrevivem ao fim de muitos anos são as que melhor se adequam à geografia do local, bem como à produção das melhores uvas - o que, para alguns, significa também que expressam o terroir da sua região de forma particularmente fiel. Um bom exemplo é a Quinta da Gaivosa, que, sob o comando da família Alves de Sousa, faz dos seus field blends vinhos de admirável fineza e elegância.
Para uma opção de consumo mais quotidiano, no entanto, a Costa Boal decidiu apostar também nesta variedade para a sua gama de entrada, que, a €6, entrega um pouco do que é a essência do Douro num formato acessível, mas que entrega muita qualidade para o preço. Ambos são o reflexo paradigmático da sua região: o tinto, de 2023, exalando notas de líchia, violeta e frutos vermelhos maduros, com suavidade mas presença de boca; o branco, do ano seguinte, de tons florais e cítricos, é admiravelmente fresco e escorreito, para ser bebido bem fresco em dias de calor.
Costa Boal Field Blend branco e tinto (€6)
"Um vinho para o fim de semana" é uma rubrica semanal em que lhe sugerimos, todos os sábados, uma referência para provar ao longo do fim de semana - uma rubrica a cargo do jornalista da SÁBADO Pedro Henrique Miranda.