Um vinho para o fim de semana: Clarete, um perfil camaleónico
Fresco e versátil, o Casa Velha Clarete é um tinto duriense que aponta a um patamar superior de qualidade - patamar esse que não se reflete no preço (€10).
Os claretes são tintos com menos contacto com as "peles" da uvaWikimedia Commons
Se tanto se fala de "versatilidade" nos círculos do vinho, é porque realmente se trata de uma virtude cardeal, especialmente nos rótulos de consumo quotidiano. Há excelentes vinhos que se prestam a um leque de contextos relativamente limitado, e não há nada de errado com isso, mas um vinho que se adapte ao momento em que é inserido é uma verdadeira mais-valia para qualquer garrafeira.
O lugar onde se encontram estes vinhos com mais facilidade é a montra dos brancos. Muitos brancos com um pouco mais de corpo e persistência de boca (seja em virtude das castas, vinificação ou estágio) aguentam-se tão bem muito frescos num dia de verão quanto a uma temperatura mais moderada, a acompanhar um prato forte no inverno – ainda que a recomendação geral seja que quanto mais encorpados forem, menos frescos estejam.
Nos tintos, a situação muda de figura. Embora haja tintos menos encorpados que se prestem a serem bebidos mais frescos – bebemos, regra geral, os nossos tintos demasiado quentes –, isto não é necessariamente verdade para todos os tintos jovens e frutados, e, fora algumas castas mais notórias, como o Pinot Noir ou a Negra Mole, estes tintos não costumam ser facilmente identificáveis. Há, no entanto, uma exceção: se um vinho é rotulado como "clarete", é mais do que plausível que seja um tinto com esse tipo de elasticidade.
O princípio é simples: os tintos adquirem o seu aspeto e corpo através de um processo em que o mosto (o sumo da uva esmagada) permanece em contacto com as películas (a "pele" da uva), que lhe dá cor, estrutura e taninos. Vinhos brancos são, em geral, vinhos de uva branca e que não passaram por este processo (com contacto com as peles, são chamados de "brancos de curtimenta" ou o mais internacional "orange wine"), e rosés, na esmagadora maioria, não são mais do que vinhos de uva tinta com pouco ou nenhum contacto com as películas.
O que ocorre com os claretes – não confundir com palhetes, que vinificam uvas brancas e tintas num só vinho e costumam ser para gostos mais particulares – é que esse contacto com as películas é dramaticamente reduzido, reduzindo também os elementos mais austeros comummente atribuídos aos tintos e enfatizando as suas características mais delicadas, como o aroma, a suavidade e a frescura. O resultado costuma situar-se algures entre um tinto leve e um rosé encorpado – justamente no meio-caminho que pode ser puxado para um lado ou para o outro.
Já aqui tecemos loas à Casa Velha, gama de vinhos tranquilos da Adega Cooperativa de Favaios que entrega muito bom vinho para o preço que pede. Com o novo Casa Velha Clarete, no entanto, feito de Touriga Franca, Tinta Roriz e Touriga Nacional e que situa em torno dos €10, apontam a outro patamar de qualidade: um vinho suave mas de sensações intensas, pleno de aromas fumados e de frutos do bosque, chão de floresta e um toque de especiarias na boca, e que pede, atrevemo-nos a dizer, para ser consumido abaixo dos 16º normalmente recomendados para tintos.
Casa Velha Clarete (€10)
"Um vinho para o fim de semana" é uma rubrica semanal em que lhe sugerimos, todos os sábados, uma referência para provar ao longo do fim de semana - uma rubrica a cargo do jornalista da SÁBADO Pedro Henrique Miranda.