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Na música e no amor, "libertação": 10 canções para lembrar Sara Tavares (1978-2023)

Em 1994 tornou-se uma estrela e durante a carreira foi gravando música que terá agora de ser redescoberta e reavaliada. Sem nunca parar de se inventar, Sara Tavares morreu este domingo, com 45 anos.

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Na música e no amor, 'libertação': 10 canções para lembrar Sara Tavares (1978-2023)
Gonçalo Correia 20 de novembro
A cantora editou em 2017 o seu último álbum, 'Fitxadu'
A cantora editou em 2017 o seu último álbum, "Fitxadu" Ana Trindade / D. R.

Quando a respiração é canto, a oração torna-se canção e o amor é um caminho de "libertação", a magia musical revela-se. Sara Tavares morreu este domingo, com apenas 45 anos. O legado que deixa terá agora de ser reavaliado, porque Sara não foi nunca, apenas, a "miúda do Chuva de Estrelas" ou a cantora de Chamar a Música e Eu Sei, duas canções que fizeram sucesso nos anos 1990. 

Tão espiritual quanto física, tão cósmica quanto vivida, a música deixada por Sara Tavares foi-se renovando com os anos. Recentemente, chegavam pistas de que ainda não a conhecíamos totalmente - como nos cantava em 2009, "verbo ser é verbo nascer". Estas são dez canções que servem de súmula (incompleta, parcial) de uma carreira invulgar.

Chamar a Música (1994)

No mesmo ano em que vence a primeira edição do concurso Chuva de Estrelas - graças a uma interpretação melodiosa e nada histriónica da exigente One Moment in Time, de Whitney Houston -, Sara Tavares apresenta-se no Festival da Canção e vence o concurso da RTP com aquela que se tornaria a canção mais reconhecida da sua carreira.

Com composição musical de João Oliveira e letra de Rosa Lobato de Faria, Chamar a Música já foi alvo de versões (por exemplo, de Samuel Úria, incluída num disco em que a própria Sara Tavares se atira deliciosamente a Problema de Expressão, dos Clã) mas continua insuperável na versão original.

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Eu Sei... (Insp. no Salmo 139) (1999)

Depois de um primeiro álbum gravado com uma banda de gospel, revelador das suas origens (começou a cantar na igreja) e ainda à procura do seu espaço e da sua linguagem musical, Sara Tavares edita em 1999 o seu primeiro álbum a solo, Mi Ma Bô. A espiritualidade de Eu Sei, escrita com influência bíblica, é ainda hoje sintomática de uma visão sobre a vida e o mundo terreno muito própria. É outro êxito que logrou resistir ao tempo.


Balancê (2005)

Embora o género world music - expressão vista hoje por muitos como etnocêntrica - fosse redutor para os caminhos de liberdade sonora, estética e lírica procurados por Sara Tavares, que procurava incorporar a tradição sem a mimetizar, o seu segundo álbum, Balancê, é um dos momentos de maior aproximação de Sara Tavares à tradição da canção cabo-verdiana e à incorporação de ritmos tradicionais de outros países africanos.

O álbum, editado internacionalmente e cuja repercussão interna talvez tenha ficado aquém do que se impunha, tem excelentes momentos, como Ess Amor, Guisa, Novidadi ou De Nua (dueto com Ana Moura), mas a canção que deu título ao álbum, que tem agora de ser redescoberto, foi um sucesso previsível, pelo swing e pelo balanço quente e envolvente do tema. 


Bom Feeling (2005)

Do mesmo disco editado em 2005, Balancê, constava esta Bom Feeling, outra canção que terá ficado na memória dos portugueses (a utilização do tema num anúncio publicitário terá certamente contribuído para tal) e de uma leveza que serve também como boa carta de apresentação.

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Ponto de Luz (2009)

Se Balancê precisa de ser redescoberto, o raciocínio aplica-se ainda com mais acuidade a Xinti, álbum editado em 2009, estranhamente subvalorizado e seguramente um dos marcos da música portuguesa e da música lusófona neste século. Disponível em plataformas digitais como o Spotify, poderia estar aqui representado em várias das suas canções - da excelente PE na Strada a Di Alma, passando por Bué (Você É) e So d'Imagina - mas como não destacar Ponto de Luz, espécie de ansiolítico natural escorrendo mel, transbordando de ternura? 


Coisas Bunitas (2017)

Não foi Sara Tavares que chegou cedo de mais à música portuguesa, foi Portugal que chegou tarde de mais a uma apreciação mais livre, descomplexada e massificada dos ritmos musicais afro-portugueses e afro-descendentes. Fitxadu, o último álbum de Sara Tavares editado em vida, saiu em 2017, numa altura em que a música negra finalmente começava a ganhar o espaço reivindicado no mainstream. Ainda assim, talvez por preconceitos sobre a identidade artística da cantora (pelo sucesso de Chamar a Música e Eu Sei, porventura), Fitxadu, nomeado à época para um Grammy Latino, não teve o reconhecimento devido em critérios como a originalidade e a inventividade musical.

Ouvida com alguma atenção, Coisas Bunitas é quase indiscutivelmente uma das grandes canções da música portuguesa nos últimos largos anos. Como em grande parte da carreira, doce, envolvente e luminosa.

Ter Peito e Espaço (2017)

No mesmo álbum, Fitxadu, outra obra-prima absoluta. Apresentada na final da Eurovisão 2018, em Lisboa, numa versão alternativa, remisturada por Branko e com o rapper Plutonio como convidado, Ter Peito e Espaço é na sua versão original melodica e poeticamente arrepiante, um exercício místico-musical além terreno, tão cósmico quanto físico:

Para nascer uma canção, êPara entender e saber como éÉ preciso abrir a oraçãoDo juízo haver libertaçãoPôr fogo na casa, deixar arderTirar a roupa e deixar ver
Ouço e logo escuto e logo nasçoTer peito e espaço pra morrerMorrer de abraço
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Também Sonhar ft. Slow J (2019)

Procurada e celebrada nos últimos anos por uma nova geração, Sara Tavares surge em grande plano em You Are Forgiven, álbum editado pelo cantor, músico e rapper Slow J em 2019. Também Sonhar é aliás o tema que serve de ponto de partida para o disco, um encontro feliz entre dois dos grandes intervenientes da canção portuguesa das décadas recentes (Slow J naturalmente mais novo).


Minina di Céu ft Moullinex (2021)

A morte tão prematura da cantora e compositora é particularmente dura dado que nos últimos anos a sua música parecia ampliar-se, percorrer estradas rítmicas ainda não exploradas, encontrar novos caminhos sónicos imprevisíveis. De certa forma, Sara Tavares estava ainda a inventar-se a cada canção: como cantava há vários anos em Caminhanti, "verbo ser é verbo nascer (...) mundo é movimento".

Um dia, o DJ, músico e produtor Moullinex (Luís Clara Gomes) disse a Sara Tavares que tinha o sonho de trabalhar com ela. Ela sorriu e respondeu: "É preciso que eu queira." Quis. E há cerca de dois anos, no álbum Requiem for Empathy, de Moullinex, surgiu esta Minina di Céu, a voz única de Sara Tavares a encontrar-se com batidas noturnas de pista de dança.

Grog d'Pilha (2022)

Não é a última canção revelada pela cantora e autora - essa foi Kurtidu, há meros dois meses, sendo que nos últimos tempos saíram ainda Presensa e Mumentu - mas esta Grog d'Pilha, lançada há um ano (novembro de 2022), é extraordinária, nova prova de que Sara Tavares estava a renovar-se e a encontrar novos ritmos e novos versos para a sua canção. Não se tratava apenas de estar sintonizada com o presente, mas de o estar a inventar como portal para o futuro. Que a dança sirva de homenagem.

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