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Crise da habitação atravessa Europa, mas UE tem poder limitado

Débora Calheiros Lourenço 17 de maio de 2024 às 07:00

Apesar de ser um problema transversal a vários Estados-membros da UE e um dos temas centrais das eleições europeias, UE pouco pode interferir na resolução da crise habitacional, aponta especialista.

O problema das rendas altas e da falta de habitação disponível que se tem vivido em Portugal é comum a grande parte dos países europeus e promete ser um tema central das eleições europeias de dia 9 de junho. Mas até onde pode ir a União Europeia na resolução destes problemas? 

Pedro Catarino

Dados do Eurostat revelam que os preços das casas dispararam 47% entre 2010 e 2022. Em Portugal, o aumento foi de 77%. Cresceu também o número de famílias em que os custos com a habitação representam 40% ou mais do seu rendimento disponível, ou seja, que ultrapassam a chamada taxa de esforço.  

No mesmo período de tempo, os preços das casas aumentaram 192% na Estónia, 172% na Hungria e 135% no Luxemburgo, destaca o Eurostat. Já em maio Balakrishnan Rajagopal, relator especial da ONU para o direito à habitação adequada, salientou que "os partidos de extrema-direita prosperam quando conseguem explorar as lacunas sociais que emergem do subinvestimento e do planeamento governamental inadequado... e quando conseguem culpar os estrangeiros". O alerta surge quando se espera um aumento da representação dos partidos de extrema-direita no Parlamento Europeu, suportada porsondagens

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Foto: Manifestação pela habitação nos Países Baixos

O relator da ONU alertou ainda que "a crise imobiliária já não afeta apenas as pessoas com baixos rendimentos, os migrantes, as famílias monoparentais, mas também as classes médias": "Esta é a questão social do século XXI."

O que pode a União Europeia fazer para responder aos problemas da habitação? 

Em Portugal é Marta Temido, enquanto cabeça de lista pelo PS, quem mais tem defendido que o combate à crise da habitação deve ser uma luta europeia, propondo a criação de um "plano europeu para a habitação acessível". Também a AD propôs que o direito à habitação fosse incluído na carta dos direitos fundamentais da União Europeia. Mas a União Europeia tem que lidar com vários limites. 

"É muito difícil que a União Europeia consiga resolver este problema uma vez que a habitação é uma competência dos Estados", aponta Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Constitucional Europeu, àSÁBADO. Mesmo a proposta da AD de incluir a habitação na carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia seria apenas "simbólico" se não fosse acompanhada por uma "transferência de poder". 

Segundo o especialista, é difícil que haja medidas europeias com forte impacto na resolução da crise da habitação. O professor da Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa esclarece que "o que os eurodeputados podem fazer é discutir o tema e fazer recomendações aos Estados-membros para que cumpram certos objetivos". Além disso, nem o Parlamento Europeu nem a Comissão Europeia têm "competência para emitir um documento como, por exemplo, o Mais Habitação em que são definidas medidas para combater a crise da habitação". 

Ainda assim, Francisco Pereira Coutinho refere que "habitação é um termo muito abrangente", o que significa que a União pode "desenvolver medidas e projetos relacionados com a habitação, mas terão sempre limitações".
 
A realidade é que a Comissão Europeia já detém uma iniciativa de habitação acessível que pretende "tornar os edifícios ecológicos, criar empregos e melhorar vidas". Em Portugal, é possível encontrar dois projetos associados a esta iniciativa em Setúbal e Matosinhos, mas focam-se mais na transição energética dos bairros e não na construção de mais casas.

Para uma ação concertada dos Estados-membros na habitação, há outra opção que Francisco Pereira Coutinho considera ainda menos provável: a emissão de dívida pública conjunta entre os vários Estados-membros, como se viu na altura do COVID, mas desta vez direcionada para a habitação. É improvável que tal venha acontecer uma vez que apesar de ser um problema de vários países, não é de todos os Estados-membros, pelo que nem "todos têm de lhe dar a mesma importância".

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