Sábado – Pense por si

Sporting vence o 19.º campeonato nacional, 19 anos depois

Diogo Camilo
Diogo Camilo 11 de maio de 2021 às 22:22

Sem admitir candidaturas ao título, sem adeptos no estádio e sem conhecer o sabor da derrota. Foi assim que o Sporting voltou a conquistar o título de campeão, com Rúben Amorim no leme, com Pedro Gonçalves a fazer de campeão e com Coates a capitão. No jogo que deu o título, valeu Paulinho.

O Sporting Clube de Portugal é campeão nacional. Dezanove anos depois da última conquista, o 19.º campeonato dos "leões" chega sem candidatura anunciada, sem adeptos no estádio e sem polémica. Líderes isolados desde a 6.ª jornada, podem ainda quebrar um recorde impensável no início da época, tornando-se no primeiro campeão invencível numa liga a 34 jornadas.

À partida para a temporada 2020-2021, o Sporting vinha de 18 épocas sem vencer e de quatro temporadas sem chegar aos lugares de acesso à Liga dos Campeões.

O maior reforço tinha chegado a meio da época anterior. Com apenas três meses como treinador principal do Sporting de Braga, Rúben Amorim foi contratado por 10 milhões de euros para se tornar técnico do Sporting. O presidente, Frederico Varandas, prometeu que o valor seria pago com a venda de um só jogador da formação: Matheus Nunes, que até então nunca tinha jogado pela equipa A.

Parecia uma piada. A verdade é que, pouco mais de um ano depois, Varandas, Amorim e até Matheus Nunes provaram que não estavam a brincar.

Os outros reforços para a época foram chegando a conta-gotas. O primeiro foi João Palhinha, regressado de um empréstimo no Sporting de Braga, com vontade de mostrar que nunca devia ter saído depois de uma boa época com os arsenalistas. Prevendo a anunciada saída de Marcos Acuña, os "leões" contrataram ainda o veterano Antunes, no mesmo dia em que anunciaram o empréstimo de Pedro Porro, lateral-direito do Manchester City.

Dias depois, mais reforços para posições fulcrais: Pedro Gonçalves, vindo do Famalicão por 6,5 milhões, prometia ser o novo Bruno Fernandes; Antonio Adán, ex-Atlético de Madrid, vinha colocar pressão em Luís Maximiliano na baliza do Sporting; e Nuno Santos, ex-Rio Ave preferiu os "leões" ao FC Porto na hora de escolher novo clube.

Antes do fim da época de transferências, o Sporting viu ainda sair Wendel e Vietto, substituindo-os por João Mário, por empréstimo do Inter de Milão, e Rodrigo Tabata, vindo do Portimonense.

A estes juntavam-se novas pérolas da formação de Alcochete, escolhidas a dedo por Rúben Amorim: Gonçalo Inácio, Eduardo Quaresma, Nuno Mendes, Daniel Bragança e Tiago Tomás já tinham sido utilizados a espaços pelo treinador na época anterior, mas teriam de mostrar valor num plantel que parecia curto para lutar em todas as frentes.

Do outro lado da Segunda Circular, o Benfica apostava no regresso de Jorge Jesus como treinador e tinha 100 milhões em reforços para anunciar a candidatura ao título, ao mesmo tempo que se via numa novela para anunciar a contratação do avançado Edinson Cavani. 

O FC Porto, recém-coroado campeão, - talvez por força do campo financeiro - era mais comedido, apostando em jogadores do campeonato nacional e tentando adiar a saída de Alex Telles.

A temporada do Sporting de Rúben Amorim começou atribulada. Depois de um surto de covid-19 na equipa, a estreia no campeonato foi adiada e a equipa foi forçada a mudar-se para Lagos, formando uma bolha de maneira a evitar a desistência na Liga Europa.

Com muitas baixas, os "leões" encontraram pela frente os escoceses do Aberdeen, que já haviam iniciado a sua época dois meses antes. O triunfo nervoso por 1-0, com um golo do "miúdo" Tiago Tomás, alimentou esperanças de um bom início de campeonato, que começava na Mata Real, contra o Paços de Ferreira.

O jogo aconteceu dias depois de Frederico Varandas ter visto o seu relatório de contas e orçamento para a época ser chumbado pelos sócios numa Assembleia Geral quente. Ainda sem peças importantes, como Pedro Gonçalves e Nuno Santos, e sem o treinador, o Sporting caminhou para uma vitória relativamente tranquila, a galope de Nuno Mendes e com assinatura de Jovane Cabral, o ponta de lança de serviço, e de Sebastian Coates, o capitão.

Dias depois, o Sporting teve novo teste de fogo, com uma última barreira para chegar à fase de grupos da Liga Europa na forma rosa do LASK Linz, da Áustria. Já com Amorim no banco, o Sporting fez uma exibição cinzenta, que passou a negra quando o uruguaio Coates foi expulso a meia hora do fim. Nessa altura, o Sporting já perdia por 1-2 e as coisas só ficaram piores, com a campanha europeia a acabar com uma derrota por 1-4.

O campeonato prosseguiu em Portimão, com o Sporting a alcançar nova vitória por 2-0: Nuno Mendes ganhava protagonismo nos "leões" de Rúben Amorim e Nuno Santos mostrou os primeiros sinais de valia, ao confirmar o triunfo. A jornada seguinte, frente ao FC Porto em Alvalade, seria o primeiro teste em solo nacional.

No final, ninguém se prejudicou e o leão saiu a sorrir. Começou a vencer cedo, mais uma vez por Nuno Santos, mas viu-se a perder no final da primeira parte - e sem treinador. Uribe e Corona marcou para o FC Porto e, a acabar, Pedro Gonçalves caiu na área e Zaidu foi expulso com segundo amarelo, apenas para o VAR reverter a decisão. Amorim não gostou e acabou a ver a segunda parte da bancada.

A segunda parte pouco teve para contar, e a vitória dos "dragões" parecia já assegurada, quando Vietto apareceu entre ressaltos para dar um ponto importante ao Sporting, naquele que seria o seu último jogo de verde e branco.

A partir daí, apareceu o "Furacão Pote". Pedro Gonçalves surgiu como a grande figura do campeonato, marcando 9 golos em 5 vitórias dos "leões" frente a Santa Clara, Gil Vicente, Tondela, Vitória de Guimarães e Moreirense. Pelo meio, o Sporting chegou à liderança do campeonato - que nunca mais largaria.

Até ao final de 2020, só o Famalicão conseguiu travar o Sporting de Rúben Amorim, que acabou expulso no final de um jogo emotivo com golo anulado aos "leões" nos instantes finais, depois dos famalicenses terem empatado aos 90 minutos. Pelo meio, carimbaram-se as vitórias contra Farense e Belenenses SAD, além de triunfos na Taça e Taça da Liga.

O novo ano começou da mesma forma como terminou o anterior: a vencer. Contra um Braga motivado, o Sporting resistiu à pressão e mostrou a sua "estrelinha de campeão" num jogo em que foi preciso sofrer. Pote, mais uma vez, e Matheus Nunes marcaram os golos que cimentaram a liderança do leão.

A segunda derrota da época e a primeira em competições nacionais chegou na melhor fase da temporada. Após seis vitórias consecutivas, o Sporting acabou eliminado frente ao Marítimo nos oitavos de final e empatou na jornada seguinte do campeonato, frente ao Rio Ave em Alvalade.

Na ressaca, os leões responderam com o primeiro título da temporada. Na final-four da Taça da Liga, o Sporting eliminou o FC Porto nas meias finais com um bis de Jovane saído do banco e venceu uma final com muita chuva frente ao Sporting de Braga, com Pedro Porro a abrir as águas e o caminho de Paulinho para o Sporting, naquela que se tornou a maior transferência da história dos "leões".

Fevereiro começou com clássico em Alvalade frente ao Benfica, num jogo que podia virar a balança do campeonato. Não aconteceu. Num jogo dividido do início ao fim, com Palhinha a partir do banco depois de uma suspensão que se viu anulada, a estrelinha e a resiliência dos "leões" voltaram a falar mais alto e Matheus Nunes, aquele que Varandas disse que justificaria a contratação de Amorim, voltou a dar razão ao presidente e a marcar num jogo grande, decidindo aos 90+2.

Seguiram-se quatro vitórias consecutivas, frente a Marítimo, Gil Vicente, Paços de Ferreira e Portimonense, antes de novo clássico. Com uma vitória na casa do FC Porto, o Sporting podia começar a reservar lugar na Praça Marquês de Pombal, mas ficou-se pelo empate a zero, anulando as investidas dos "dragões".

Março foi mês de contenção, percebendo a realidade à vista. A vantagem era grande, mas era para segurar. E o coração falou mais alto. Em Alvalade, frente ao Santa Clara, foi o capitão Coates a dar a vitória nos descontos. Em Tondela, Tiago Tomás conseguiu penetrar a fortaleza beirã e frente ao Guimarães foi outro miúdo, Gonçalo Inácio, a dar a vitória.

Com 10 jornadas pela frente, o Sporting tinha 10 pontos de vantagem para o segundo, o FC Porto, e 13 para o terceiro, o Benfica. Nunca nenhum clube tinha desperdiçado tal vantagem.

Mas as jornadas seguintes foram de sofrimento, fruto da juventude e talvez da liderança ao dispor. Em Moreira de Cónegos, o Sporting perdeu a liderança com um balde de água fria aos 90 minutos. Na jornada seguinte, voltou a perder pontos com o Famalicão, desta vez em Alvalade. Pedro Gonçalves carimbou o regresso às vitórias em Faro, mas a primeira derrota esteve em vias de acontecer em Alvalade, frente ao Belenenses SAD.

Até aos 83 minutos, os leões perdiam por 2-0, apenas para Coates reduzir e Jovane evitar a derrota ao converter uma grande penalidade aos 90+6.

A maior prova de que o campeonato merecia o Sporting, e que o Sporting também merecia o campeonato, chegou na jornada seguinte.

Em Braga, os "leões" viram-se a jogar com 10 jogadores a partir dos 18 minutos, após a expulsão de Gonçalo Inácio. Os arsenalistas atacaram, atacaram, atacaram… Mas a vitória estava destinada a outro Sporting, o Clube de Portugal. Matheus Nunes - quem mais - marcou o golo da vitória, depois de ter dado a vitória contra o Benfica, aos 81 minutos, num jogo em que o domínio do Sporting de Braga de nada serviu.

Aproveitando empates e derrotas de FC Porto e Benfica, o Sporting venceu os dois jogos seguintes, frente a Rio Ave e Nacional, bastando-lhe os 3 pontos em casa frente ao Boavista para carimbar o campeonato.

A contratação da época, que só chegou em fevereiro, começou tímida, mas apareceu no momento certo. Com o Sporting nervoso, a precisar de ganhar, Paulinho mostrou frieza no meio de um festival de oportunidades desperdiçadas e deu o título que fugia aos "leões" há já 19 anos. 

Faltam ainda duas jornadas, frente a Benfica e Marítimo, que podem colocar este Sporting de Rúben Amorim (ainda mais) na história do futebol português, tornando-se o primeiro campeão invencível numa liga a 34 jornadas e juntando-se ao Benfica de 1972/73 (com 28 vitórias e 2 empates) e ao FC Porto de 2010/2011 (27 vitórias e 3 empates) e de 2012/2013 (24 vitórias e 6 empates).

Sebastian Coates

Durante toda a época, foi a alma da equipa. Capitão entre "miúdos", mostrou-se uma barreira impenetrável na melhor defesa do campeonato, ao lado de Feddal, mas também de Gonçalo Inácio, mostrando segurança a Adán na baliza e a Porro e Nuno Mendes nas alas. Marcou ainda 5 golos, todos decisivos na caminhada para o título.

Pedro Gonçalves

Com a missão de substituir Bruno Fernandes, Pedro Gonçalves encaixou que nem uma luva no sistema de Rúben Amorim, onde teve liberdade para criar e finalizar, marcando 18 golos em 34 jogos na época. Apoiado por João Mário, João Palhinha, Matheus Nunes e baralhando as contas das defesas ao lado de Nuno Santos, Jovane Cabral, Paulinho, Tiago Tomás e Tabata, foi uma seta apontada à baliza e será, com certeza, uma das figuras deste campeonato.

João Palhinha

Descartado em épocas anteriores, ora por já haver solução no plantel ou por esquecimento na formação, Palhinha chegou a Alvalade com a missão de conquistar o coração dos sportinguistas. "Âncora" no meio campo, equilibrou o ataque e defesa dos "leões" e foi insubstituível durante toda a época. Quando não jogou, a equipa ressentiu-se. E mesmo no meio de uma polémica em volta da sua suspensão - da qual não teve culpa -, soube voltar aos relvados com a mesma calma que apresentou em jogos anteriores.

Rúben Amorim

Rúben Amorim conquistou o coração dos sportinguistas pelo perfume no futebol, pela aposta na formação e pelo discurso sem papas na língua.

Sem compromissos e sem admitir a candidatura ao título, o treinador que nunca escondeu ser do Benfica demonstrou profissionalismo e uma vontade de vencer que transcende clubismos, acreditando num projeto que tornou seu.

No início de 2020, nunca tinha treinado um clube de primeira divisão. Começou dois anos anos, no Casa Pia, como treinador estagiário, chegando a treinador da equipa B do Braga no ano seguinte. Na sequência de maus resultados, o Sp. Braga apostou no seu talento e chamou-o à equipa principal.

Menos de três meses depois, o Sporting cobria a sua cláusula de rescisão de 10 milhões e lançava-o aos "leões". Respondeu com um campeonato, renovando a esperança dos adeptos leoninos em conquistas maiores.

Para continuar a ler
Já tem conta? Faça login

Assinatura Digital SÁBADO GRÁTIS
durante 2 anos, para jovens dos 15 aos 18 anos.

Saber Mais

Sinais do tempo na Justiça

A maioria dos magistrados não dispõe de apoio psicológico adequado, o que resulta em inúmeros casos de burnout. Se esta estratégia persistir, a magistratura especializada comprometerá a qualidade do trabalho, sobretudo na área da violência doméstica.

Hipocrisia

Agora, com os restos de Idan Shtivi, declarado oficialmente morto, o gabinete do ministro Paulo Rangel solidariza-se com o sofrimento do seu pai e da sua mãe, irmãos e tias, e tios. Família. Antes, enquanto nas mãos sangrentas, nem sequer um pio governamental Idan Shtivi mereceu.

Urbanista

Insustentável silêncio

Na Europa, a cobertura mediática tende a diluir a emergência climática em notícias episódicas: uma onda de calor aqui, uma cheia ali, registando factos imediatos, sem aprofundar as causas, ou apresentar soluções.