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Francisco Spínola: "No meu tempo, as provas de surf tinham duas tendas e um palanque de juízes"

Carlos Torres
Carlos Torres 22 de março de 2025 às 14:00
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Desde 2009 que Francisco Spínola organiza a prova do circuito mundial de surf em Portugal. Aproveitando a paragem da competição, devido ao mau tempo, o antigo surfista respondeu a algumas perguntas da SÁBADO. O responsável falou das cada vez maiores multidões, da segurança e do dinheiro envolvido. E deixou uma garantia: apesar do aumento dos custos, acredita que em 2026 vão "conseguir trazer de novo os melhores surfistas do mundo a Peniche".

O mau tempo, com a passagem da depressão Martinho, obrigou à interrupção da prova do circuito mundial de surf (WSL), que deverá regressar à praia de Supertubos, em Peniche, a partir deste domingo, 23 de março, dia em que a organização prevê que se realizem as finais desta etapa (e já sem portugueses, depois das eliminações de Frederico Morais e Yolanda Hopkins).

Os ventos fortes, que na zona de Peniche atingiram os 100 km/h na última quarta-feira, também causaram problemas, com Francisco Spínola a adiantar que "os contentores, que pesam toneladas, andaram para trás uns 30 centímetros", tendo "danificado ligeiramente a estrutura". O diretor-geral da WSL para a Europa, Médio Oriente e África referia-se ao que aconteceu na "pequena aldeia" de contentores reservados a atletas, juízes, restaurantes, zona de media e posto médico construída no areal da praia - um "circo" muito diferente do que acontecia há mais de 20 anos, quando Francisco ainda participava em provas de surf.

O responsável aproveitou esta paragem para responder, por email, a algumas perguntas da SÁBADO sobre a etapa do circuito mundial, a organização das provas ou mesmo como se tem verificado uma evolução no surf em Portugal.

A etapa de Peniche da WSL de 2024 teve 120 mil pessoas. Estas enchentes começam a ser problemáticas ou ainda há espaço para crescer?

Ainda há margem de crescimento. A evolução estrutural do Meo Rip Curl Pro Portugal tem sido pensada em prol da experiência dos visitantes e também de todos aqueles que colaboram com este evento. Desde a gestão do tráfego, estacionamentos, gestão de acessos pedonais e, como não poderia deixar de ser, a questão da sustentabilidade ambiental. Temos tentado também trabalhar em conjunto com o tecido empresarial local para que a oferta de serviços acompanhe este mesmo crescimento.

Como é que conseguem gerir estas multidões (e qual é o papel da organização)? Em conjunto com as forças de segurança e criando parques e acessos?

Trabalhamos em conjunto com as forças de segurança e temos uma empresa de segurança privada que assume esta pasta. E, além da proteção civil, há uma empresa de segurança contratada que atua também na vigilância da praia.

Têm acordos, por exemplo, com hotéis da zona Oeste ou há pessoas da organização que têm de ficar mais longe, por exemplo em Lisboa ou Leiria?

Temos, desde há alguns anos, um acordo com o Grupo Marteleira, detentor dos hotéis MH Peniche e MH Atlântico. Isto é um case study, perceber como um player local soube aproveitar o crescimento associado a este evento e através de investimento modernizou os espaços existentes, sendo ambos os hotéis duas referências na região. Em relação à abrangência, temos indicação que toda a região Oeste beneficia direta e indiretamente.

Quantas pessoas viajam do estrangeiro de propósito para Portugal para assistir à prova? É um número que tem vindo a aumentar? 

Os dados do mais recente estudo de impacto sócio-económico, realizado em parceria com o ISEG e apresentado em novembro, indicam que 35% dos visitantes são estrangeiros.

Qual o dinheiro envolvido numa prova destas e as receitas que traz?

O investimento realizado chega aos 3 milhões de euros, gerando um retorno de 20 milhões de euros.

Arrancou com a etapa da WSL em 2009. Como é que surgiu essa possibilidade?

Em 2008, tínhamos um Pro Junior Europeu que demonstrou à Rip Curl a capacidade e potencial de Peniche para receber uma etapa de maior dimensão. À data, existia no calendário do Championship Tour uma etapa móvel denominada por Rip Curl Pro Search, que todos os anos se realizava num novo e secreto destino. Desta forma, e após o Pro Junior, a Rip Curl Internacional demonstrou interesse em realizar a etapa de 2009 em Peniche, o que veio a acontecer com grande sucesso. Ainda durante o evento, as entidades envolvidas reconheceram o potencial deste projeto e ficou acordado que Peniche passaria a figurar no calendário permanente do Championship Tour da ASP (actualmente WSL).

Desde então, houve grandes mudanças ao longo dos anos, por exemplo com número de pessoas envolvidas, ou as coisas têm-se mantido iguais?

O evento de 2009 nada tem a ver com o evento actual. Do staff que fez parte da primeira edição, mantêm-se apenas cinco pessoas. Na altura tínhamos uma equipa quase 100% estrangeira, o que hoje em dia já não acontece. Também os fornecedores de áreas mais técnicas foram nessa altura estrangeiros e hoje em dia são empresas portuguesas. Em relação ao número de pessoas, na altura o staff era de 150 pessoas e hoje são 450.

Quais são as maiores dificuldades que enfrenta para organizar esta prova? Está garantida a continuidade em 2026?

A maior dificuldade é, sem dúvida, o financiamento. Somos um evento no qual a única fonte de receita é obtida através de patrocinadores. Os custos aumentaram bastante e tem sido difícil conseguir equilibrar a balança. Não estando oficialmente garantida a continuidade, acreditamos que vamos conseguir em 2026, e pela 17ª vez, trazer os melhores surfistas do mundo a Peniche.

Nestes anos, qual foi a história mais curiosa que já lhe aconteceu na organização de provas de surf?

Em 2009, um dia antes do evento começar e com todas as estruturas montadas e com tudo pronto para arrancar, entrou uma tempestade grande em Peniche que nos destruiu quase totalmente as estruturas. Foi uma luta contra o tempo para conseguir retomar a prova logo dois dias depois do sucedido.

Desde 2018 que é diretor-geral da Liga Mundial de Surf para a Europa, África e Médio Oriente. Isso implica o quê? Tem de andar sempre a viajar entre vários países para assegurar que nada falha nas várias provas?

Implica ter uma visão mais abrangente. Portugal é visto lá fora como um case study de sucesso naquilo que foi a transformação da imagem de um país algo envelhecido num destino renovado, com uma oferta gastronómica e cultural que não nos envergonha face a outros países. Desta forma, quando estou em Espanha, França, Israel ou Marrocos tento sempre reunir com as autoridades locais e contar a nossa história. Viajo bastante, mas é algo que faz parte do meu ADN, sempre viajei bastante e, como diz o ditado, "quem corre por gosto não cansa".

Também entrou em provas de surf. Como é que tem visto a evolução do surf em Portugal?

Não tem nada a ver. É outro mundo. No meu tempo, os eventos não tinham mais que duas tendas e um palanque de juízes. Ainda assim, a experiência competitiva ajudou-me bastante na minha experiência profissional. Sempre soube que era isto que queria fazer. Lembro-me de estar em campeonatos em França e já dar opiniões aos organizadores sobre como poderíamos ter eventos melhores tanto para surfistas como para o público e para as marcas.

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