Sábado – Pense por si

Tão pequena e quer matar touros

Paula Freitas 08 de maio de 2016 às 09:00

Começou a treinar aos 11 anos, às escondidas dos pais. Há um ano mudou-se para Badajoz. É a única novilheira portuguesa

Durante aqueles 15 minutos, todos os movimentos contam. Tem de acertar no novilho – que pode pesar 300 quilos – ou corre o risco de acabar o dia no hospital. Paula Santos tem apenas 16 anos e enfrenta touros pequenos há cinco. A única novilheira portuguesa mudou-se para Espanha, só vê a família ao fim-de-semana, e treina de segunda a sexta-feira, das 16h às 19h, para fazer aquilo que não é permitido em Portugal: ser matadora de novilhos. "A Paula tem uma intuição nata. Aprende as coisas rapidamente. Esta profissão é mais para homens, por isso as mulheres têm que marcar a diferença. Já apareceram várias matadoras espanholas e só uma, a Cristina Sanches, conseguiu vingar. A Paula, ao pé destes miúdos, mostra uma grande evolução de dia para dia", diz à SÁBADO o treinador Luís Procuna, de 32 anos. O português, matador de touros formado em Espanha, explica o que é preciso para se ser toureiro: "Tem de se nascer para isto, ter uma força de vontade do tamanho do mundo." Depois de quatro anos a lidar novilhos (crias até três anos) na Moita, Paula deixou Portugal e foi para a Escola Tauromáquica de Badajoz. Motivo? "Quero chegar a toureiro, mesmo lá acima, ao topo", explica. Estreou-se como profissional – aquilo a que chamam novilheira praticante, depois de ser amadora – na praça de Esparragalejo (província de Badajoz) no dia 3 de Abril. Usou pela primeira vez o traje de luzes cor-de-rosa, bordado a ouro (que pode custar entre 3 mil e 6 mil euros) – como manda a tradição. Correu bem. Não houve acidentes nem mazelas e Paula Santos recebeu muitos olés dos espectadores. Os mais fortes foram os dos amigos, dos quatro treinadores e da irmã que ocupavam 50 lugares na praça de Touros. A SÁBADO encontrou-a semanas antes no Pavilhão Municipal da Moita, onde se preparava. Foi ali que, aos 11 anos, descobriu a paixão pela tauromaquia. Ninguém na família pega touros, mas são fãs de tourada. Paula experimentou treinar na praça com pitons (equipamento que imita os chifres do touro), por brincadeira e a convite de um colega de turma. "Gostei e não larguei mais", conta. A mãe não aprovou o novo hobby, com medo de que se magoasse. Mas Paula não desistiu e continuou a ir aos treinos às escondidas. Teve a ajuda da irmã gémea, Ana, que também se inscreveu nas aulas. Desculpa utilizada? Depois das aulas diziam que iam passear com uns amigos ou ao cinema. Só que ao fim de dois dias decidiram contar a verdade. "A minha mãe dizia-me que eu era maluca e que ia acabar por me fartar", diz Paula. Hoje, vê as coisas de outra forma e tenta acompanhá- -la sempre que possível. "Ela adora e já não quer que eu pare." Uma bezerra fez a irmã desistir A primeira vez que toureou uma vaca pequenina foi há cinco anos, na quinta do amigo cavaleiro Carlos Alves. Lembra-se de sentir uma mistura de "adrenalina e medo". Conta que quase todos os dias fica com nódoas negras nas pernas e nas costas durante os treinos, mas não se importa. "Já levei muita porrada. Fico amassada, com algumas nódoas negras, mas até agora não tive nada grave." Ninguém acreditava que Paula aguentasse muito tempo a tourear, mas ela nunca ponderou desistir. "Esses comentários davam-me mais força porque queria mostrar que esta profissão também é para as mulheres", diz. Muitos dos amigos que estavam nos treinos com Paula foram desistindo. Até a irmã desistiu. Não foi capaz de enfrentar uma bezerrinha. Teve medo e não quis continuar. Agora, Ana quer tirar um curso de fotografia para registar as touradas de Paula. Um dos momentos que ficou por fotografar foi a primeira vez que Paula matou um novilho. Foi em Jerez de los Caballeros, Badajoz, quando era ainda novilheira amadora. Antes de entrar na arena, no dia 7 de Maio de 2015, beijou a fotografia da santinha dos toureiros – La Macarena – e pôs o colar dourado oferecido pelo amigo Rafael. São rituais que nunca podem falhar. Toureou 15 minutos. O novilho estava a sacudir muito a cabeça, lembra. Teve de baixar a mão e dar-lhe espaço. "Correu muito bem, tinha faena [passos de preparação para matar o touro] para cortar duas orelhas, mas falhou-me a espada e não consegui matar à primeira." As orelhas do touro são um prémio para quem consegue matar com um ou dois golpes. Paula não conseguiu. Ficou com a ovação do público. Controlar a mente Apesar da pressão, a novilheira sente-se mais nervosa nas apresentações na Moita, onde todos a conhecem. Já o medo de ser colhida pelo touro está presente seja em que lugar for. "Depois dos primeiros passos, sinto-me mais confiante." O segredo para controlar a mente é "entregar-me de corpo e alma e esquecer-me do corpo", diz. "Há um momento em que desligo do mundo e concentro-me naquilo que tenho de fazer." A interacção com a plateia é uma das partes essenciais. Por isso grita para o público. "Quero que reajam, que batam palmas." E quanto mais olés ouve, mais olés quer. Quando era pequena, Paulita – como lhe chamam os amigos – não sonhava ser toureira. Agora, não consegue imaginar outra coisa. Já chumbou três vezes. Está no 8º ano. "Não sou lá muito boa aluna", admite. Vai pedir transferência para uma escola espanhola no próximo ano lectivo e pensa tirar um curso superior, mas ainda não sabe em que área.Artigo publicado na edição n.º 625, de 21 de Abril de 2016.

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