"A pistola do meu pai tinha quinze balas. Costumava dizer: ‘catorze são para os meus inimigos, a última é para mim.’" Juan Pablo Escobar, hoje Sebastían Marroquín, fala dos últimos dias de vida do pai. Passaram vinte anos. Está em sua casa, em Buenos Aires, na Argentina, para onde se mudou poucos dias após a morte do maior narcotraficante da História. A conversa com a SÁBADO fora agendada meses antes, quando promovia o bestseller Pablo Escobar, Meu Pai (Planeta Editora). "Juancho" fala pausadamente, o rosto é claramente o do pai, mas as semelhanças ficam-se por aí: arquitecto de formação, tornou-se pacifista e vive das conferências sobre paz que dá em todo o mundo.
Até aos 17 anos, teve uma vida pouco comum. Com quatro já tinha guarda-costas e aos 11 era dono de uma colecção de dezenas de motos e carros. Os seus amigos eram os mercenários que protegiam o pai. "Companheiros de brincadeira que conhecia apenas pelas alcunhas", recorda. Fiéis a Escobar até à última bala, foi com eles que aprendeu a jogar futebol, brincou com aviões e carros telecomandados e com vídeo-jogos. Porque no Colégio de San José de La Salle, onde estudava, os pais dos colegas proibiam os filhos de lhe falarem.
"Era muito diferente dizer que se era filho de García Marquez ou o de Escobar Gaviria. Isto provocou-me uma variedade de formas de discriminação", escreveu no livro cujo único agradecimento é ao homem que aterrorizou a Colômbia durante os anos 80: "Para o meu pai, que me ensinou o caminho a não seguir".
Tinha 17 anos quando o seu pai morreu. Lembra-se da última conversa que tiveram?
As últimas palavras que ele me disse foram: "Juancho, te amo", palavras literais. Não pude assistir ao seu funeral. Tínhamos a cabeça a prémio e só visitei a sua campa catorze anos depois.
Diz que o seu pai não foi assassinado. Porquê?
O meu pai era o homem mais procurado do mundo mas jamais fora apanhado pelas autoridades. A única vez que o tiveram na mão foi quando decidiu, voluntariamente, entregar-se à Justiça. A forma que havia encontrado para esconder-se era infalível.
Mas houve conversas interceptadas nesse dia.
O meu pai jamais violava a sua regra de ouro, nunca utilizar o telemóvel. Foi assim que me educou. Associava o telefone à morte. Eu próprio o protegia ao não atender porque sabia que a chamada ia ser triangulada e o local de esconderijo descoberto. Era só um adolescente mas estava consciente de que ao ligar-me para o hotel o meu pai corria um risco enorme. A 2 de Dezembro de 1993, violou reiteradamente todas as regras de segurança que criara. Decidiu expor-se para o detectarem.
Porquê?
A sua família estava refém do Estado colombiano. Estávamos sequestrados pelo nosso próprio governo. Era a forma de nos libertar. Elegeu o seu último dia, a sua última batalha, e suicidou-se como sempre nos dissera que faria, a mim, à minha mãe e à minha irmã.
Não é essa a versão das autoridades americanas e colombianas.
As autoridades querem encobrir essa realidade porque lhes retira a vitória sobre o meu pai. O coronel Aguilar, que disse ter matado o meu pai, estava a quilómetros do local da operação. Fizeram muitos danos à organização e à estrutura do meu pai, mas não tiveram a ver com o desenlace final da história. Foi o meu pai que decidiu ser encontrado.
Nascido em 1977, Juan Pablo foi o primeiro filho de Pablo Escobar com Maria Victória, a mulher de 13 anos que o traficante conhecera quando tinha 24 e já fazia do crime a sua principal actividade. El Patrón, como era conhecido, começara a exportar cocaína para os EUA, produzida em cozinhas artesanais instaladas nos confins da selva de Caquetá, na Colômbia, e foi através de diferentes rotas para Miami que iniciou uma fortuna incalculável. O controlo fronteiriço era reduzido e o conhecimento daquela droga quase nulo.
Era a partir da Herdade Nápoles que descolavam grande parte dos aviões que faziam o transporte da droga para território norte-americano. O próprio Escobar e Gustavo Gaviria, seu primo e braço-direito no negócio, chegaram a fazer a viagem com o avião atestado de cocaína. A Herdade Nápoles foi comprada juntamente com mais nove propriedades por 2,3 milhões de dólares [hoje 7,5 milhões de euros], e Juan Pablo tinha apenas 1 ano quando lá chegou. Era perfeita para as pretensões do pai: "Um terreno enorme com rios, selva, montanha".
"Não conheci o rancho Neverland, de Michael Jackson, mas julgo que a propriedade Nápoles tinha pouco a invejar-lhe", escreveu. Havia 27 lagos artificiais, um parque jurássico com dinossauros à escala real, heliportos, pista de aviação e de motocross, cem mil árvores de fruta e um jardim zoológico com 1.200 espécies exóticas – zebras, elefantes, girafas, cisnes, cangurus, alces – que Escobar comprara nos EUA e Brasil. "Filho, este jardim zoológico é do povo. Enquanto for vivo nunca vou cobrar porque gosto que as pessoas pobres possam vir admirar este espectáculo da natureza", disse-lhe um dia.
As festas também eram frequentes e a inauguração da Herdade durou quase um mês. Na primeira noite, Pastor Lopez e a sua orquestra tocaram das 21h às 9h. E até durante a celebração houve negócio. Escobar entrou no seu jipe e foi até à pista de aviação tratar da iluminação para facilitar uma aterragem: colocou dois aros de fogo no princípio e no fim da pista e umas quantas tochas nas bermas. Não foram precisos mais de dez minutos para fazer o carregamento de droga e mudar a matrícula e bandeira do aparelho, que levantou com destino aos EUA. A festa continuou.
Com dez moradias dispersas por três mil hectares, a herdade marcou o início do império de Escobar, onde instalou também o centro de operações do Cartel de Medellín. Com 1.700 homens ao seu serviço, foi ali que muitos receberam treino militar e que ele fez os primeiros ensaios com carros-bomba, mais tarde usados em atentados terroristas.
Impiedoso com os rivais e inimigos, apelidado de Robin Hood pelos pobres de Medellin, a quem chegou a distribuir dinheiro, Escobar tornara-se um dos homens mais poderosos da Colômbia e um dos mais ricos do mundo. Tinha carros, aviões, helicópteros, barcos, jipes e até uma diligência (carruagem para transportar passageiros) original importada dos EUA.
Quando fez nove anos, Juan Pablo recebeu do pai um cofre com as cartas de amor originais que Manuelita Sáenz escreveu ao libertador Simon Bolívar. Também lhe ofereceu a sua espada, símbolo nacional, que havia sido doada ao narcotraficante por um militar a quem Escobar poupou a vida. Segundo a revista Forbes, em 1987 a sua fortuna estava avaliada em 3 mil milhões de dólares [hoje 5,6 mil milhões de euros]. "O narcotráfico deu tudo ao meu pai, mas também lhe roubou tudo. Até a vida."
Alguma vez pensou em seguir as pisadas do seu pai?
Conversei sobre as actividades do meu pai pela primeira vez quando tinha 7 ou 8 anos. Muito próximo da morte do ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla [assassinado por Escobar, em 1984]. Disse-me: ‘filho, a minha profissão é ser bandido. É o que faço’. O meu pai nunca tentou enganar-me e dizer que era um grande empresário, que estava a ser difamado, sempre disse a verdade.
Como reagiu?
Embora fosse muito pequeno, tive de aprender a lidar com essa realidade. Nessa idade, a capacidade para criticar e entender o teu pai é muito limitada.
Como era a sua rotina na herdade?
Houve momentos bons, em que pudemos desfrutar do dinheiro e da fortuna. Depois da morte do ministro Lara Bonilla praticamente não tivemos um dia de tranquilidade.
Como era Escobar, o pai?
Superprotector. Um dia chamou-me para me mostrar que drogas existiam: falou-me dos seus efeitos e consequências, e confessou que tinha experimentado todas excepto heroína. E disse-me que a marijuana era a sua droga habitual, que consumia quando não estava a trabalhar. Se tivesse curiosidade, preferia que eu experimentasse com ele.
Alguma vez experimentou?
Anos depois, já na Argentina, fumei um charro. Deu-me fome e vontade de rir. O meu pai dizia sempre: "Valente é quem nunca experimenta".
Com a escalada de violência em retaliação às ameaças de extradição de vários membros do cartel para os EUA – que incluiu atentados à bomba, homicídios e sequestros –, Escobar negociou finalmente a sua rendição com o Presidente Gaviria. "Foi o ano mais pacífico para o país e para a família. Estivemos juntos praticamente todos os fins de semana", recorda Juan a propósito da prisão El Catedral, construída pelo governo para albergar os principais membros do Cartel de Medellín. De cárcere, tinha pouco: os guardas eram os próprios sicários do narcotraficante, havia discoteca, festas com prostitutas e esquemas vários que permitiram ao cartel continuar a sua principal actividade: o tráfico.
Mas as notícias sobre mortes violentas no interior levaram as autoridades a querer transferir Pablo Escobar para outra prisão. O que nunca chegou a acontecer porque o Patrón se evadiu a meio de uma operação militar no complexo. Depois dessa noite, a família voltou à clandestinidade. Numa das muitas casas-esconderijo usadas pelo pai, acabaram cercados pela polícia. "A operação durou tanto tempo que ficámos sem mantimentos. Tínhamos milhões de dólares connosco mas não tínhamos o que comer", recorda Juan.
"Caros Cláudio, Juan Manuel, Carlos e Rodrigo, como se escreve a uma família que o meu pai magoou tanto?" Foi assim que Juan Pablo começou um email para os filhos dos políticos assassinados por Escobar, o candidato presidencial Luis Carlos Galan, e o ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla. O_encontro foi em 2009, na Colômbia. Foi a primeira vez que Juan Pablo regressou ao país de onde fugira há mais de uma década, dias depois da morte do pai. "A minha cabeça valia 1 milhão", diz, recordando uma época em que teve de negociar a sua liberdade com os rivais do pai. Premiado internacionalmente, o documentário Pecados do Meu Pai, que mostra o encontro com os filhos das vítimas de Escobar, foi o início de uma carreira de pacifista que o tem levado a vários países para falar sobre a sua experiência.
Casado com Andrea, a namorada que conheceu numa festa do colégio em 1989, exilou-se na Argentina com a mãe e irmã sem que ninguém soubesse que eram da família Escobar. Mas no dia em que deixou de usar óculos escuros para ocultar a identidade, entrou num táxi e o motorista virou-se imediatamente para trás: "Você é filho de Escobar?". O nome de família continuava a persegui-los.
Como foi encontrar-se com os filhos das vítimas de Pablo Escobar?
Ninguém está preparado, não há um manual de comportamento ou uma fórmula sobre o que deves dizer ou como te deves aproximar.
Pediu perdão?
O perdão é uma ferramenta libertadora e as pessoas com quem me encontrei foram muito generosas, com desejo de perdoar e capacidade de compreensão. É legítimo sentir ódio pela figura do meu pai mas reconheceram-me como um indivíduo e não como cúmplice das acções violentas dele, apenas como mais uma pessoa nestas circunstâncias. Não havia muito que eu pudesse fazer como filho para travar o meu pai. Se a DEA [Drug Enforcement Administration] a CIA e o FBI não o conseguiram durante 15 anos, como o poderia eu fazer?
Considera-se uma vítima do narcotráfico, como disseram os filhos de Lara Bonilla e Carlos Galan?
Nunca me vou intitular vítima por respeito às vítimas do narcotráfico na Colômbia. Em Pecados do Meu Pai, os irmãos Galan referiram-se a mim como uma vítima mas a minha resposta mantém-se: se pudesse ser considerado uma vítima, seria o última da fila.
Alguma vez teve vergonha do seu pai?
Não. Apesar de me ter manifestado contra a sua violência, como pai cumpriu, deu-me afecto. Posso sentir vergonha pelos actos de violência que cometeu, mas não pela figura do meu pai, porque fui das únicas pessoas do mundo que recebeu amor de Pablo Escobar.Para poder adicionar esta notícia deverá efectuar login.
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