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Depois da reforma, onde se vive melhor?

Eduarda Alves e Inês Ramos/ Universidade Lusófona 12 de outubro de 2025 às 10:00

No bulício da capital ou no ar puro do Alentejo, há quem se mantenha ativo depois da reforma e até lance novos negócios, como João Carvalho de Sousa. Outros dedicam-se à leitura e à família, como Nazaré Correia. Quando a reforma chega, cada história define o lugar ideal para se estar.

Manuel Duarte tem 84 anos e leva-nos ao seu sítio preferido, a horta. O chapéu na cabeça para proteger a cara do sol, o casaco para se defender de dias mais frios e as botas de borracha, manchadas de lama seca, testemunham os dias passados a trabalhar no campo. Vestido com roupas práticas e resistentes, confessa o gosto por viver fora das grandes cidades. “Não há dúvida nenhuma de que isto aqui no Alentejo é outra qualidade de vida”, diz.  
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Nazaré Correia aproveita a reforma com leitura e família
Foto: Eduarda Alves
João Carvalho de Sousa mantém-se ativo após a reforma e lança novos negócios
Foto: Eduarda Alves
No campo ou na cidade, a reforma é sempre um novo começo, mas as experiências podem ser muito diferentes. Há quem opte pela tranquilidade do interior, como Manuel, outros preferem manter-se em lugares mais movimentados. É o caso de João Carvalho de Sousa, que continuou em Lisboa depois de terminar a carreira como médico. Ao contrário do que acontece numa aldeia, explica, viver numa “cidade maior, mais populosa e com mais pontos de interesse permite ocupar o tempo, desenvolver atividades e estabelecer contactos”.   Será que optar por cidades na reforma torna a vida mais acelerada e é menos saudável? Nem sempre. Para o sociólogo César Morais, o ritmo “depende da forma como a pessoa entende viver a sua vida”. Tal como é possível encontrar numa pessoa citadina “elevados níveis de stress e ansiedade”, também “é possível encontrar um agricultor profundamente stressado e angustiado, a levantar-se de madrugada e a deitar-se fora de horas, preocupado com a pereira que tem bicho”, explica.  

Entre o croché e o pasto 

Em 2023, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), quase 60% dos portugueses deixaram de trabalhar depois de se aposentarem. Maria Correia Gato era costureira e é um desses exemplos. Agora, ocupa o seu tempo a “fazer croché e a lida da casa”.  Enquanto o marido trabalhou ainda viveram em Rio de Mouro, mas há oito anos regressaram a Serpa para gozarem a reforma. Em Gáfete, vila do distrito de Portalegre, com cerca de 688 habitantes, Manuel Duarte, ao contrário de Maria Gato, divide o cuidado da horta com outras tarefas. “Tratar dos animais, cuidar do pasto, cortar, enfardar, faço isso tudo”, conta. Depois de uma vida desgastante como mecânico especializado em motores de barcos, o que o levava a viajar com frequência entre Lisboa e os Açores, reformou-se há quase 30 anos, mas nunca parou. E não se cansa da rotina que repete todos os dias, porque estar no campo, diz, “é o que mantém a mente ativa”. Manuel Duarte escolheu continuar a trabalhar mesmo depois de estar reformado, tal como acontece com cerca de 13% dos reformados portugueses, em linha com a média da União Europeia (UE), segundo dados do Eurostat. Mas no seio da UE convivem realidades muito diferentes. No caso da Estónia, mais de metade dos reformados mantém-se em atividade. Acima dos 40% posicionam-se Letónia, Lituânia, Islândia e Suécia. No extremo oposto temos a Roménia, onde menos de 2% dos reformados continua a trabalhar e só mais dois países da UE, Grécia e Espanha, se situam abaixo dos 5%.

Dedicada à família e à leitura 

Nazaré Correia visita “de longe em longe” a sua aldeia em Castelo Branco, mas afirma que o interior está “muito desertificado, não tem gerações novas”. Professora de Português reformada, reconhece que “pessoas com reformas muito pequenas, que não chegam para viver”, dificilmente suportam o custo de vida das cidades do litoral. Mas na sua opinião, “quem tem uma vida tranquila e possibilidades, prefere viver em cidades”.   Foi o que fez Nazaré. Trabalhou sempre em Lisboa e na capital ficou depois da reforma. Após décadas de ensino, a rotina da antiga professora é agora ir “buscar os netos ao colégio, às aulas de música” e “depois da música vão à natação”, acabando por estar sempre “muito ocupada”. Depois de todas as atividades, Nazaré aproveita “para dar explicações aos netos e a outros membros da família”, uma forma de se manter ativa e “atualizada”, nas suas palavras.   Na sala de estar que também é biblioteca, Nazaré Correia respira a paixão que partilha com o amor pela família: a literatura portuguesa. Quando não está ocupada com compromissos familiares, dedica-se a mergulhar nas obras dos mais diversos autores, de José Luís Peixoto a Eça de Queirós, passando por Camões e Sofia de Mello Breyner, entre muitos outros.  

(Des)vantagens da cidade e do campo 

João Carvalho de Sousa destaca como característica importante da reforma “a liberdade de tempo” que permite “resolver atempadamente aquilo que tantas vezes vamos adiando enquanto estamos a trabalhar”. O que mais preza é o facto de ter passado a ser ele a decidir “as prioridades que tantas vezes eram definidas pelas responsabilidades do trabalho”. Mas reconhece que os centros urbanos oferecem oportunidades diferentes do ar livre que se respira no campo.   O interesse pelo setor já tinha muitos anos, mas foi só depois da reforma que João criou a sua empresa de investimentos turísticos e imobiliários. Desde 2017, aposta também na reabilitação urbana. Um escape para se manter ocupado, mas também um complemento da pensão de reforma, explica. Tal como o antigo médico, quase metade dos portugueses escolhe continuar a trabalhar por razões financeiras, de acordo com um estudo do INE. Para Maria Correia Gato é o ar do campo que lhe traz tranquilidade e sempre que fala de Serpa e de como se sente feliz e realizada por lá viver, os olhos brilham. “As pessoas e o convívio que temos, é tudo diferente”, garante. Mas a dificuldade de acesso a serviços, especialmente médicos, faz com que tenha de se deslocar até Lisboa sempre que tem consultas, caso contrário estaria sempre em Serpa.   As dificuldades de acesso a serviços médicos, sociais e culturais são os principais desafios que qualquer reformado enfrenta vivendo num meio rural. O sociólogo César Morais acredita que a desertificação do interior está ligada a isso mesmo. “Muitos dos serviços sociais, por exemplo, estão concentrados nas grandes cidades, não no interior”, sublinha.  

A cidadania em questão 

Com o afastamento dos grandes centros urbanos, além da distância dos serviços culturais, existe também uma “ideia de exclusão da própria cidadania”, considera César Morais, uma vez que “as associações de participação cívica e política, estão muito concentradas em cidades de grande dimensão”.  Mas Maria Correia Gato não concorda com esta ideia. No que diz respeito aos serviços culturais, prefere “as atividades que fazem em Serpa”. Embora exista maior oferta em Lisboa, “gosto muito mais das de lá, até porque tenho lá a minha família e pessoas que foram criadas comigo. Em Lisboa perde-se o sentimento de comunidade”, afirma. E explica: “não tenho nenhuma relação com os meus vizinhos do apartamento que tenho em Rio de Mouro. Nada que se compare à relação que tenho com as pessoas de Serpa”.   A decisão sobre onde viver após a reforma condiciona o estilo de vida. A tranquilidade do campo atrai quem procura sossego, contacto com a natureza e uma comunidade mais próxima, enquanto a cidade oferece mais proximidade de serviços, transportes e uma agenda cultural preenchida. João Carvalho de Sousa prefere a imprevisibilidade da capital e uma agenda que se define dia a dia. Manuel Duarte valoriza a constância das rotinas e o ar puro do Alentejo. No campo ou na cidade, cada escolha traça uma história e não existem lugares certos ou errados para viver a reforma.  Notas: 
Nazaré Correia não quis ser identificada.
Todas as pessoas que fazem parte desta reportagem autorizaram a publicação das suas declarações e imagens.  Reportagem interconectada desenvolvida no âmbito da disciplina Jornalismo de Revista na Era Digital.
Coordenação: Carla Rodrigues Cardoso e Ana Figueiras
(MagLab | CICANT | Universidade Lusófona)
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