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A que sabem 10 estrelas Michelin?

Markus Almeida 20 de novembro de 2019 às 18:05

A abertura do Fifty Seconds by Martín Berasategui foi um dos acontecimentos gastronómicos de 2018. Leia a conversa com o basco que é um dos chefs com mais estrelas Michelin no mundo e esqueça o que se diz sobre restaurantes com vista.

A SÁBADO entrevistou Martín Berasategui a 21 de novembro de 2018, horas antes da gala do Guia Michelin 2019 que iria ter lugar no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa. Na altura, o basco que é um dos chefs com mais estrelas Michelin em todo o mundo disse que "receber uma estrela é como tocar com a ponta dos dedos no céu". Recuperamos esta entrevista a poucas horas da gala do Guia 2020, que vai ter lugar em Sevilha, Espanha - e a poucas horas de se se saber se o seu Fifty Seconds by Martín Berasategui, em Lisboa, vai trazer uma nova estrela Michelin para Portugal. 

Ora apareciam clientes a interromper a entrevista com Martín Berasategui para pedir ao chef basco que autografasse uma ementa ora eram amigos que faziam questão de lhe dar um abraço e desejar boa sorte para a gala do Guia Michelin de Espanha e Portugal que nessa noite ia distribuir as suas estrelas para 2019.

Estávamos no novíssimo Fifty Seconds by Martín Berasategui, no topo da torre em forma de vela onde o grupo SANA instalou o seu hotel Myriad, em Lisboa, e de cada vez que Berasategui se despedia das pessoas para voltar atenções para a entrevista, fazia-o cerrando punho e enunciando uma palavra que escutaríamos bastantes vezes nessa tarde: "Garrote! Garrote!" Qual era o significado, perguntámos.

"Quer dizer força, energia, brio, ganas, fome, é olhar para a frente, ser boa pessoa, sempre amável e sorridente, sempre a somar e multiplicar, nunca a dividir", respondeu de rajada o responsável por 16 restaurantes em Espanha, no México, Punta Cana e agora também em Portugal, e que entre eles somam 10 estrelas Michelin.

Restaurante com vista
"Os responsáveis do grupo SANA vieram ter comigo, dizendo-se admiradores da minha cozinha e trouxeram-me este projecto. Foi impossível recusar", explica Berasategui sobre o que o trouxe a Portugal. "Como poderia dizer que não à torre mais alta de Portugal, com uma vista panorâmica incrível de 360º?"

O elevador demora 50 segundos a percorrer os 120 metros que separam o rés-do-chão do hotel do restaurante (daí o nome). Quando as portas se abrem, revelam uma garrafeira com mais de 400 referências que tem a dupla função de separar a sala de refeições e a sua deslumbrante vista panorâmica da pequena recepção.

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O sommelier é o português Marc Pinto, que já trabalhara com o chef no Lasarte (três estrelas), em Barcelona. Quase toda a equipa é portuguesa, aliás. "Quando avancei com este projecto procurei cozinheiros portugueses que tivessem passado pelos meus restaurantes," aponta. A chefiar a cozinha está Filipe Carvalho, aveirense de 32 anos que também esteve no Lasarte. Maria João Gonçalves é a chef pasteleira e Inácio Loureiro o chefe de sala. 

Há dois menus de degustação (de €120 e €160) e serviço à carta. A cozinha é fine dining pura e dura – outra coisa não se esperaria de quem recebeu a primeira estrela aos 25 anos no Bodégon Alejandro, em San Sebastián, um restaurante familiar. "Deram-me a primeira estrela na casa de comida popular onde nasci e cresci. Nunca imaginei que viesse a receber uma ali. Isso fez-me sonhar como cozinheiro e mudou a minha vida", recorda. Com o Bodégon a revelar-se pequeno para as suas ambições, o jovem chefprocurou criar um espaço lhe desse outras condições para crescer. Encontrou-as em Lasarte-Oria, nos arredores de San Sebastián, num restaurante a que chamou apenas Martín Berasategui e que lhe daria as primeiras três estrelas da constelação: a primeira em 1993, no mesmo ano em que abriu, a segunda em 1995 e a terceira em 1999.

A sua assinatura, caligrafada, está presente em quase todos os restaurantes, que se não incluem o nome todo incluem as iniciais ou letras específicas. É uma forma de homenagear o pai, que tinha o mesmo nome. "Há 26 anos, desde quando estava a terminar as obras do restaurante de Lasarte-Oria, que a minha assinatura é uma homenagem ao meu pai", conta antes de pegar numa das ementas em cima da mesa e pedir uma caneta para demonstrar como a sua assinatura é em quase tudo igual à do pai, o único membro da família próxima a não testemunhar o seu sucesso.

O brilho das estrelas
A assinatura que o chef coloca nos restaurantes não se materializa apenas no nome caligrafado. Também a vemos nalguns pratos intitulados de pratos-assinatura. Destes, o mais célebre é o mil-folhas caramelizado defoie gras, maçã-verde e enguia –o amuse-bouche que "nasceu no Martín Besaragueti de Lasarte-Oria há 25 anos e meio" e que revela uma faceta supersticiosa do chef. "É um prato que me dá muita sorte!", revela sobre o pequeno cubo que se agarra com os dedos e que "tem a acidez damaçã, o doce do açúcar caramelizado e a gordura dofoie gras... Sabores que abrem a porta a outros sabores".

Sobre as estrelas, é claro: "Sempre pensei que para manter a primeira teria de trabalhar para a segunda; quando consegui a quinta já estava a pensar na sexta." Este, diz, "é o caminho de um cozinheiro inconformista como eu que acredita no sucesso do trabalho em equipa e que acha que Martín Beresategui não sou só eu – somos nós e nós é muita gente: cozinheiros, pasteleiros, empregados de mesa, produtores, pescadores etc."

Embora os responsáveis do Myriad by Sana tenham sido directos quanto à ambição de conseguir uma estrela em dois anos e duas em quatro, Berasategui é mais comedido – e político: "Vamos todos os dias dar tudo o que temos, é o único compromisso que te posso dar." Se a equipa chefiada pelo português Filipe Carvalho conseguir logo a estrela, "tanto melhor". Se não, "é porque não a merecemos". "Os profissionais do guia são eles. É preciso deixar o guia fazer o seu trabalho e nós o nosso", diz, demostrando respeito e até admiração pelo método e critérios de avaliação do produtor de pneus francês.

"Mas oxalá venha o quanto antes! É mais difícil do que se pensa..." Quando questionado sobre a reacção que teria a mais uma estrela na cerimónia que decorreria dali por umas horas no Pavilhão Carlos Lopes, disse: "Teria tantailusióncomo quando venci a primeira... Enquanto cozinheiro, receber uma estrela é como tocar com as pontas dos dedos no céu. A minha vida é um sonho. De cada vez que me toca uma estrela penso que sou a pessoa mais afortunada do mundo." Martín Berasategui chegara a Lisboa para promover o Fifty Seconds e assistir à gala Michelin. No dia da entrevista, quando acordou, tinha oito estrelas – quando se deitou, a constelação já crescera para 10 ( a chuva de estrelas tocou aos seus Oria, de Barcelona, e ao eMe Be Garrote, de San Sebastián). Para o ano há mais.


O chef basco (à direita)
Martín Berasategui tem a sua assinatura em três restaurantes no México, dois na República Dominicana (em Punta Cana), quatro em Barcelona, um em San Sebastián, um em Lasarte-Oria, três em Tenerife, um em Madrid, um em Lisboa e, diz à SÁBADO, em breve terá mais. Foi em 1985 que o chef de 58 anos conseguiu a primeira estrela Michelin, no Bodégon Alejandro, que era o restaurante dos pais. As mais recentes vieram a 21 de Novembro, da gala que se realizou em Lisboa. "É a consequência de muitos anos de trabalho em equipa de sucesso", diz.

O braço direito avereinse (à esquerda)
Filipe Carvalho, de 32 anos, é o cozinheiro em quem Martín Beresategui delegou a responsabilidade de chefiar o seu Fifty Seconds. O jovem aveirense chega à torre mais alta de Portugal depois de passar por cozinhas conceituadas como a do Lasarte, em Barcelona (três estrelas), o Vila Joya, no Algarve (duas), o Feitoria, em Lisboa, a Fortaleza do Guincho, em Sintra (ambos com uma), e o Westchester Country Club, em Nova Iorque.


Artigo publicado na edição de 27 de Dezembro de 2018 da revista SÁBADO.

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