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Reunião do Movimento dos Capitães em Óbidos há 50 anos integrou Marinha e Força Aérea

Lusa 26 de novembro de 2023 às 11:55
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A 1 de dezembro de 1973 o Movimento dos Capitães realizou a segunda grande reunião, com 180 oficiais, que decidiram incluir a Marinha e a Força Aérea na conspiração contra o regime.

A 1 de dezembro de 1973 o Movimento dos Capitães realizou a segunda grande reunião, em Óbidos, com 180 oficiais, que decidiram incluir a Marinha e a Força Aérea na conspiração contra o regime nascida no Exército.

Miguel Baltazar/Jornal de Negócios

"A primeira reunião tinha sido em 09 de setembro em Alcáçovas. Depois a segunda grande reunião, chamo-lhe grande nem tanto pelas decisões tomadas, mas pela participação. Em Alcáçovas tinham participado 136, em Óbidos à volta de 180 oficiais. Tudo na clandestinidade, é evidente", recordou o coronel Vasco Lourenço, em entrevista à agência Lusa.

A reunião de Óbidos segue-se a uma outra, na qual participaram cerca de 40 elementos, em São Pedro do Estoril, onde Vasco Lourenço vivia, e na qual se discutiu a agenda que estaria em cima da mesa.

"Era necessário assumir algumas decisões: a primeira era a constituição de uma comissão coordenadora. A comissão coordenadora que tinha saído de Alcáçovas e que foi sempre encarada como provisória tinha acabado de ter uns problemas, tinha sido dissolvida já no mês de outubro e, portanto, foi logo aí decidido organizar uma reunião para escolher uma nova comissão coordenadora", contou.

Diferentes opiniões sobre o caminho a seguir levaram à dissolução da comissão criada no Alentejo e que era constituída por meia dúzia de elementos.

"Aparece um elemento a defender que como o Governo nos ia dar razão relativamente aos decretos-lei de natureza corporativa que tinham levado às primeiras mobilizações e à constituição do movimento, a partir dali devíamos dar um cheque em branco ao Governo. Eu opus-me a isso, juntamente com mais alguns companheiros. Há a rutura, ficamos sem comissão coordenadora e decidimos fazer uma reunião para escolher uma nova comissão", relatou Vasco Lourenço, que preside à Associação 25 de Abril.

Socorrendo-se do pequeno livro em que foram impressos os apontamentos dessa reunião, e que agora é reeditado, Vasco Lourenço enumerou cada um dos nomes escolhidos para uma nova comissão coordenadora, mais alargada, composta por 23 elementos, em representação de cada arma do Exército.

"Depois, o primeiro ponto era definir o caminho que íamos seguir, íamos já optar por fazer um golpe militar para derrubar o Governo ou íamos ainda, na caminhada que sabíamos que ia acabar por dar a isso, optar por continuar a luta que estávamos a fazer? E depois surgiu uma terceira hipótese um bocadinho utópica e académica, que era obrigar o Governo a fazer eleições livres, devidamente controladas pelo Exército. Essa acabou por não ter nenhum peso", lembrou.

Até à reunião de Óbidos, o movimento circunscrevia-se ao Exército, embora participassem já nas reuniões, como observadores, elementos da Armada e da Força Aérea.

Tomada a decisão de integrar aqueles dois ramos das Forças Armadas, discutiu-se a liderança da ação em si: "É uma coisa que os militares gostam muito, que é ter uma espécie de um chefe, de um general -- como é que é?, quando avançarmos vamos ou não convidar generais para chefiarem o movimento? Era um outro ponto que foi discutido. Fomos para Óbidos, tomamos essas decisões, é uma reunião muito importante. Teve à volta de 180 participantes em representação de quatrocentos e tal que estavam nas unidades, porque cada um deles levava os votos que representava a sua unidade".

Vasco Lourenço ficou na comissão coordenadora em representação da Infantaria, juntamente com Vítor Alves e Marques Júnior, Otelo Saraiva de Carvalho ficou pela Artilharia, com Sousa e Castro e Ferreira da Silva. Salgueiro Maia imortalizaria a participação da Cavalaria no golpe militar de 25 de Abril de 1974. Muitos outros oficiais tomaram lugar na comissão para determinar as ações do movimento e assumir tarefas ou missões.

"A certa altura, foram feitas duas propostas para incluir dois coronéis e nós rejeitámos e dissemos - Não, coronéis ainda é cedo mete-los na comissão coordenadora. E, portanto, foram os coronéis o Vasco Gonçalves e o Marcelino Matos apresentados pela engenharia e pela administração militar, que não ficaram na comissão precisamente por isso", disse.

Em Óbidos, lançaram-se os nomes de dois generais para os convidar a aderir ao movimento e ficarem a chefiar. "Em primeiro lugar, o Costa Gomes e, em segundo lugar, o [António] Spínola, numa proporção de oito votos para o Costa Gomes e um voto para o Spínola. O Costa Gomes tinha muito mais adesão do que o Spínola. Os paraquedistas ainda sugeriram o nome do Kaúlza de Arriaga, mas isso foi rapidamente ultrapassado e esquecido. Ficou decidido alargar à Armada e à Força Aérea. Foram as grandes decisões", resumiu Vasco Lourenço, ao recordar os acontecimentos 50 anos depois.

A hipótese de forçar eleições teve "meia dúzia de votos", uma vez que, segundo o presidente da Associação 25 de Abril, "ninguém acreditava" nisso. A "grande discussão" travou-se, então, entre "fazer um golpe militar" ou continuar as reivindicações e ir criando condições para o golpe militar.

"Saímos dali decididos", afirmou Vasco Lourenço, que mantém na memória a posição daqueles que, mobilizados para a guerra colonial, não queriam perder mais tempo no avanço de um plano de ação para derrubar o regime, ainda que a estrutura operacional não estivesse completamente formada, mas acreditando que à saída de uma unidade, lançando panfletos, as outras a seguiriam.

Vasco Lourenço, tal como outros, defendia que as unidades deveriam organizar-se por forma a atuarem todas ao mesmo tempo. "À hora H saem todas. Assim descoordenado não dá", disse.

No dia 01 de dezembro, os militares saíram de Óbidos com a estrutura coordenadora nomeada, reunindo dias depois na Costa da Caparica (05 dezembro) para a pôr a funcionar. O resultado foi conhecido no dia 25 de Abril de 1974, quando as unidades envolvidas envolvidas no golpe saíram à mesma hora para a rua, pondo fim a mais de 40 anos de ditadura do chamado Estado Novo.

AH // ZO

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