Secções
Entrar

Garantia do Estado nos créditos à habitação espera regulamentação para poder avançar

Lusa 10 de agosto de 2024 às 11:06

Segundo fontes do setor financeiro, este tema não tem tido desenvolvimentos e só deverá avançar depois de agosto.

A garantia pública nos créditos à habitação a jovens ainda espera a regulamentação necessária para ser posta em prática e deve, segundo o projeto de portaria a que a Lusa teve acesso, durar até final de 2026.

Pedro Catarino

No início de agosto entrou em vigora isenção do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo (IS) na compra da primeira habitaçãoprópria e permanente para os jovens até 35 anos à data da compra.

Já a medida de garantia pública para viabilizar o financiamento bancário na aquisição da primeira habitação por jovens - que consta do mesmo pacote do Governo (Construir Portugal) para facilitar o acesso à habitação - ainda não pode ser aplicada pois, apesar de o seu decreto-lei estar em vigor, precisa de regulamentação para ser posta em prática.

Segundo fontes do setor financeiro, este tema não tem tido desenvolvimentos e só deverá avançar depois de agosto. Desde logo, disseram, tem de ser acordado com o Banco de Portugal como é que a medida se integra no cumprimento pelos bancos de regras macroprudenciais (um tema para que o regulador já alertou várias vezes).

O decreto-lei da garantia pública na habitação foi publicado em 10 de julho e já aí era referido que os membros do Governo responsáveis pelas finanças, habitação e juventude têm até setembro para aprovar a regulamentação necessária.

A garantia destina-se a pessoas entre 18 e 35 anos de idade (inclusivé), residentes em Portugal, com situação regularizada nas Finanças e Segurança Social, com rendimentos até ao 8.º escalão (81.199 euros de rendimento coletável anual), e que estejam a comprar a primeira de habitação própria permanente cujo valor não exceda 450 mil euros. Os beneficiários não podem ser proprietários de prédio urbano ou fração de prédio urbano.

De acordo com o projeto de portaria a que a Lusa teve acesso, a garantia é válida para contratos assinados até 31 de dezembro de 2026 e terá o prazo de 10 anos. A medida poderá vir a ser prorrogada para além de 2026 após a avaliação do seu impacto.

O prazo de amortização do empréstimo tem de ser pelo menos superior a cinco anos e a garantia pessoal do Estado "destina-se a viabilizar que o banco financia a totalidade do valor".

Os bancos têm de aderir à garantia pública para que os seus clientes beneficiem deste instrumento. O projeto da legislação refere ainda que os bancos não podem cobrar comissões ou encargos pela garantia.

O projeto de portaria, que regulamenta o decreto-lei, indica ainda que o montante da garantia na carteira de crédito à habitação de cada banco pode ser objeto de revisão, podendo ser aumentada ou diminuída por acordo entre as partes.

Apesar de a informação ser pouco clara, tal parece indicar que cada banco terá um 'plafond' para o montante de carteira de crédito à habitação que pode ser garantido.

A garantia do Estado vai assegurar o pagamento do capital em caso de incumprimento durante os 10 primeiros anos do contrato de crédito. Caso o cliente não pague o crédito, é o Estado que "fica obrigado a reembolsar até 15% desse montante", refere o projeto de portaria.

Quando é executada a garantia, o Estado fica detentor dos direitos correspondentes que os bancos possuam e os bancos devem informar das diligências para recuperar os montantes executados pelo Estado. A parte que os bancos venham a recuperar relativa às garantias executadas deve ser devolvida ao Estado até ao valor por este pago.

Se o cliente fizer o reembolso parcial antecipado do financiamento, a garantia do Estado reduz-se proporcionalmente. Já em caso de venda da habitação pelo cliente, a garantia do Estado cessa nessa data.

A Inspeção-Geral de Finanças irá fazer auditorias aos montantes garantidos e eventuais acionamentos da garantia, ainda segundo o projeto de diploma.

Desde que esta medida foi apresentada pelo Governo, o Banco de Portugal alertou publicamente, várias vezes, que os bancos não podem aliviar o cumprimento das regras de concessão deste crédito mesmo com a garantia pública.

Segundo o governador, Mário Centeno, o Banco de Portugal é sempre favorável a medidas que ajudem a população mais jovem a aceder a habitação, mas nesta medida é preciso "cautela" pois há que assegurar tanto que os clientes conseguem pagar a dívida como a estabilidade financeira da banca.

Segundo Centeno, a garantia pública não diminui o esforço que os clientes têm de fazer e considerou ainda um risco se o montante do empréstimo concedido aumentar devido à garantia pública.

"Se o montante [do crédito] aumenta e se rendimento não aumenta significa que há maior possibilidade de as pessoas excederem o rácio do serviço da dívida" face ao rendimento, disse em junho.

Em julho, o ministro das Finanças, Miranda Sarmento, afirmou no parlamento que não existem diferendos com o Banco de Portugal sobre a garantia pública e que o processo de regulamentação decorre "sempre em auscultação com o regulador".

As regras macroprudenciais atualmente em vigor determinam que o crédito não pode ir além de 90% do valor da casa (sendo, para este feito, considerado o valor mais baixo entre o valor de aquisição e o valor da avaliação) de habitação própria e permanente. Indicam ainda que, em regra, um cliente não deve despender mais de 50% do seu rendimento na prestação da casa ao banco (a chamada taxa de esforço).

Na semana passada, o presidente executivo do Santander Totta considerou que a garantia pública é positiva, mas vai ter um impacto muito limitado e não resolve o problema da habitação.

"Acreditamos que o impacto desta medida vai ser muito limitado", disse Pedro Castro e Almeida, na conferência de imprensa apresentação dos resultados semestrais do banco.

O gestor avisou que é necessário "ajustar as expectativas", porque esta medida "não vai permitir a todos os jovens, de repente, começarem a comprar casa", mas sim apenas aqueles que têm capacidade para pagar a prestação ao banco, ou seja, cuja taxa de esforço seja abaixo do permitido pelo supervisor bancário.

"Há muitos países da Europa que adotaram medidas parecidas e o impacto foi em menos de 1% dos empréstimos feitos. [A medida] vem ajudar jovens que tenham capacidade para o serviço da dívida, mas que lhes falte os 10% iniciais para comprar casa", afirmou.

O presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em outra conferência de imprensa, elogiou a ideia da garantia pública, mas registou que é preciso clarificar detalhes.

"Como é do conhecimento geral, há conversas nesse sentido entre autoridades, e a Caixa cá estará para financiar esses imóveis para quem estiver nessas condições", disse Paulo Macedo.

Pelo Governo, o ministro das Infraestruturas e Habitação disse, na semana passada, que espera que os bancos façam a sua parte na medida da garantia bancária.

"Esperemos agora que os bancos [façam a sua parte], porque a garantia bancária que é concedida para a componente que não era possível por parte dos jovens garantir, o Governo também se substitui", afirmou Miguel Pinto Luz.

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela