Secções
Entrar

Eco-ansiedade existe e já há profissionais dedicados à questão em Portugal

02 de outubro de 2021 às 11:12

A eco-ansiedade já se faz sentir no país, e traz um desafio aos psicólogos, que a consideram "uma reação adequada, porque corresponde a uma ameaça real".

Há quem lide com as alterações climáticas negando ou menorizando o problema, mas quem faz delas forma de vida, por profissão ou por ativismo, pode sofrer de eco-ansiedade e já há em Portugal profissionais dedicados à questão.

"Crianças nascidas hoje enfrentam alterações climáticas – peritos da ONU", "Efeitos do aquecimento global podem perdurar séculos ou milénios – IPCC", "Temperaturas subirão na Europa a ritmo superior à média mundial", "Relatório avisa que tempo para salvar o planeta está a esgotar-se", são algumas das notícias publicadas pela Lusa no último mês.

Também as projeções da Climate Central apontam um cenário preocupante sobre o impacto da subida do nível das águas do mar a partir de 2030.

Olhando para o território português, saltam à vista estuários do Tejo e do Mondego, mas a zona mais vulnerável é a de Aveiro.

Mais acima, zonas como Esmoriz, Espinho, Matosinhos, incluindo o porto de Leixões, Ofir e Viana do Castelo também inspiram cuidados.

Notícias como esta podem gerar vários tipos de respostas emocionais, que vão desde a negação ao medo e ao pânico, mas o ideal é transformar as respostas negativas em impulsos para a ação, explicou à Lusa a psicóloga Teresa Pereira,

Em entrevista à agência Lusa, o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar afiançou que, "em breve será necessário retirar pessoas da orla costeira do Norte".

O especialista afirma que o maior problema da costa portuguesa é a falta de areia, fruto do défice sedimentar causado, em grande parte, pelas barragens que impedem que os sedimentos cheguem à costa.

Essa é uma posição com que o engenheiro Carlos Coelho, da Universidade de Aveiro, e a geógrafa Ana Monteiro, da Universidade do Porto, concordam, mas acrescentam que o aumento da gravidade das tempestades é um fator importante nos riscos que a costa portuguesa enfrenta.

Todos estes dados preocupam, e há quem seja mais afetado pela informação, como "os jovens, ativistas climáticos, eventualmente cientistas climáticos", explica à Lusa Teresa Pereira, psicóloga na plataforma Ecopsi.

A especialista está, neste momento, a fazer um doutoramento em Psicologia e Alterações Climáticas, na Universidade do Minho, em que estuda o impacto das questões ambientais na saúde mental de jovens entre os 16 e os 24 anos.

O projeto junta "um grupo de profissionais que se inspiraram no trabalho já desenvolvido pela Climate Psychology Aliance, de Inglaterra, e que estão a trabalhar ao nível da promoção da saúde mental e bem-estar psicológico em cenário de crise climática".

Atua em Portugal há cerca de um ano, e tem sido procurado, "sobretudo, por ativistas climáticos, que são as pessoas mais expostas e que lidam mais diretamente com a questão".

A eco-ansiedade já se faz sentir no país, e traz um desafio aos psicólogos, que a consideram "uma reação adequada, porque corresponde a uma ameaça real e, portanto, é diferente da ansiedade psicológica, em que a resposta está aumentada e é desproporcional face ao risco".

"No dia-a-dia, com relativa facilidade conseguimos dar conforto e encorajamento a uma pessoa que passa por um processo de ansiedade, é fácil dar segurança a um problema de menor dimensão. As alterações climáticas são um problema imenso, e torna-se mais difícil dar segurança e sentido de controlo às pessoas. Pode realmente levar a sentimentos de desesperança, inação. No fundo, que tornam bastante difícil a capacidade da pessoa para lidar com o problema", explica.

A psicóloga ressalva que a eco-ansiedade "não é um diagnóstico clínico, porque, se falarmos nisso, estamos a, de certa forma, estigmatizar a população e a desresponsabilizar a sociedade sobre um fenómeno real e uma responsabilidade de todos".

Ainda assim, destaca que "por não ser um diagnóstico, não quer dizer que não seja importante e real, e a ser vivenciado pelas pessoas".

Os mecanismos para lidar com este problema passam por "tentar mobilizar sentimentos positivos que ajudem a lidar com o problema, a esperança no futuro, resiliência, algum empoderamento da pessoa, e que se consegue fazer por promoção da ação".

"Uma coisa que se faz muito é incentivar as pessoas a agir. Seja no coletivo ou no ativismo da vida diária, incorporar na vida algumas ações que possam contribuir para se sentir mais envolvida com o tema. Também é muito importante o autocuidado: gerir a exposição à informação, como ela é integrada".

É ainda aconselhada "a conexão com a natureza e com grupos -- não só procurar pessoas com as mesmas preocupações, mas também no sentido de procurar algum conforto emocional e partilha das emoções", conclui.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela