Sábado – Pense por si

Governo proíbe câmaras de divulgarem mortos de coronavírus

Autarquias de Espinho, Boticas, Valpaços, Chaves e Vale de Cambra já denunciaram publicamente a mordaça aplicada à informação. Em Portugal há 435 vítimas mortais e 15.472 casos de infeção confirmados.

A Câmara Municipal de Espinho anunciou que não prescindirá do direito de informar diariamente a população sobre a evolução epidemiológica local da pandemia da covid-19, apesar das instruções em contrário por parte do Ministério da Saúde.

Esta sexta-feira, o Ministério da Saúde proibiu os delegados de saúde pública de cada município de divulgar o boletim epidemiológico para a covid-19, devendo restringir-se aos dados disponibilizados pela Direção-Geral da Saúde (DGS). As Câmaras de Espinho, Boticas, Valpaços, Chaves e Vale de Cambra já manifestaram o seu desagrado pela proibição.

Essa autarquia do distrito de Aveiro considera que os dados divulgados pela DGS se vêm revelando menos atualizados do que os dos municípios e, segundo a autarquia, até "altamente discrepantes".

Só no caso concreto de Espinho, por exemplo, a Comissão Municipal de Proteção Civil, dirigida por inerência do cargo pelo presidente da Câmara, indicava na sexta-feira à noite 48 casos de infeção por covid-19 no concelho, enquanto a DGS se ficava pelos 37.

É por isso que Joaquim Pinto Moreira, que chefia o executivo camarário e proteção civil local referiu que a "Comissão Municipal de Espinho não abdicará desse direito [de divulgação dos dados locais] e dá conta pública da sua estupefação, indo naturalmente interpelar o Ministério da Saúde e o Ministério da Administração Interna sobre este assunto".

Manifestando-se "frontalmente contra" o silêncio imposto pelo Governo, o autarca social-democrata defende que essa limitação "assume particular gravidade quando se trata de vedar informação imprescindível à própria Autoridade de Proteção Civil territorialmente competente".

Para Pinto Moreira, essa restrição constitui "um obstáculo à tomada de decisão e capacidade de antecipação de medidas de contingência como as que têm vindo a ser atempadamente implementadas, muitas delas ainda antes de indicações oficiais por parte das autoridades de saúde, apesar de mais tarde essas as reconhecerem e as adotarem" também como úteis.

"É, portanto, impensável que a Autoridade de Saúde Local se abstenha de disponibilizar a informação mais apurada que possui, remetendo as autoridades de proteção civil municipais para um boletim que diariamente é disponibilizado à população, mas que contém apenas dados parciais, altamente discrepantes com a realidade que nos era dada a conhecer e que partilhávamos diariamente", disse o presidente da Câmara.

Durante o último mês, a USP do Alto Tâmega, que junta seis municípios, tinha divulgado um total de 29 boletins epidemiológicos, assinalando a evolução diária dos casos positivos de covid-19, o número de casos suspeitos e o número de pessoas em vigilância ativa nesta região do distrito de Vila Real.

"Quero manifestar o mais profundo desagrado e completa revolta com a atitude tomada hoje pelo gabinete da ministra da Saúde, que impediu da USP (Unidade de Saúde Pública) do Alto Tâmega de continuar a divulgar o boletim epidemiológico onde todos os dias dava conta dos casos registados na região", destaca o comunicado divulgado pela autarquia de Boticas.

O texto assinado pelo presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, explica que a divulgação era um trabalho "feito em consonância com os municípios do Alto Tâmega" e que "tinha como único objetivo manter a população informada e atualizada".

O comunicado da autarquia de Boticas acusa ainda o Ministério da Saúde de estar a "fugir à verdade" e "manipular" os números que apresenta aos portugueses.

Também a Câmara de Valpaços reagiu em comunicado, manifestando um "enorme sentido de revolta".

"É de lamentar esta decisão governamental, visto a covid-19 ser uma doença altamente contagiosa e de fácil propagação", refere.

A autarquia liderada por Amílcar Almeida assinala ainda no comunicado que "nem sempre o referido relatório da Direção Geral da Saúde (DGS) retrata com rigor e veracidade o número de infetados".

Já a Câmara de Montalegre divulgou em comunicado a "imposição da Direção-Geral da Saúde", que obriga a autarquia a deixar de publicar diariamente os dados da pandemia na região.

Referindo ser "uma decisão de âmbito nacional", o município liderado por Orlando Alves acrescenta ainda que os únicos dados a divulgar serão os fornecidos pela DGS.

Numa nota informativa publicada pela Câmara de Chaves, a autarquia informa que, "por imposição da Direção Geral da Saúde (DGS), deixará de publicar o relatório epidemiológico referente ao COVID-19".

O Município liderado por Nuno Vaz "lamenta profundamente o caminho, da censura, escolhido pela Autoridade Nacional de Saúde, que impede a divulgação de informação mais detalhada e fidedigna, que contribuía diariamente para a informação atualizada da população".

Também a Câmara e os Bombeiros Voluntários de Vale de Cambra manifestaram-se hoje contra a "sonegação de informação" imposta pelo Governo quanto à covid-19, depois de na sexta-feira o Ministério da Saúde ter proibido a divulgação de dados não autorizados pela tutela.

Para o presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra, José Pinheiro, a decisão do Governo traduz-se numa "sonegação da informação que a todos prejudica", sobretudo tendo em conta que nesse concelho de quase 26.000 habitantes a autarquia já registava na sexta-feira 100 casos da covid-19 - 51 dos quais num único lar de Terceira Idade - e que a contabilidade da DGS continua a referir menos de 50 infeções há vários dias.

Numa posição tornada pública via rede social Facebook, o autarca do CDS-PP defende que o comportamento agora imposto pela tutela representa "um claro prejuízo para os concelhos que tinham uma informação correta em cada dia e assim a comunicavam aos seus munícipes".

Nessa perspetiva, José Pinheiro encara a decisão do Ministério da Saúde como "reprovável" e diz que essa vem apenas juntar-se "à dificuldade em conseguir realizar testes" de rastreio à covid-19, uma vez que, se não fosse pelo "empenho da Câmara Municipal, muitos deles não chegavam" ao território.

Nos Bombeiros Voluntários de Vale de Cambra, também o comandante Vítor Machado adota posição semelhante: "Lamentável é, provavelmente, a palavra indicada para o momento, quando um município que tudo tem feito para responder à pandemia, que gasta os seus recursos para responder e substituir quem deveria responder, e que tem tomado todas as decisões apropriadas a cada situação, agora deixa de poder ser informado da real condição do seu território".

Recordando a "subida vertiginosa" de casos da covid-19 no concelho, onde a meio da semana o número de infetados praticamente duplicou na sequência de dezenas de testes efetuados no referido lar da Fundação Luiz Bernardo de Almeida, o comandante da corporação critica a decisão da DGS de proibir os delegados locais de saúde pública de disponibilizarem dados aos presidentes de Câmara - e, por inerência do cargo, à Comissão Municipal de Proteção Civil.

Vítor Machado admite que os números recolhidos localmente "fazem soar alarme" - são mais elevados que os da tutela porque mais rapidamente atualizados -, mas defende que esses dados "também fazem com que a população adote medidas mais restringidas no seu dia-a-dia - o que é bom e tem reflexo nos possíveis contágios".

O chefe do corpo ativo dos Bombeiros Voluntários de Vale de Cambra realça, por isso, que, ao impedir a cedência de informação à câmara e à Comissão Municipal de Proteção Civil, o Governo limita toda a operação a montante da resposta hospitalar.

"Faz com que deixemos de ter uma linha orientadora de intervenção e de ter a real noção da gravidade ao nível local", argumenta Vítor Machado, apelando a que as autarquias "evidenciem junto da tutela o facto de que quem paga tem direito a ser informado".

Salvador Malheiro, o presidente da Câmara Municipal de Ovar, contestou nas redes sociais, mais uma vez, os números de casos confirmados de covid-19 no seu concelho. No Twitter, afirmou que em vez dos 379 casos confirmados anunciados pela DGS, se verificam 546 em Ovar.

546 foi o número fornecido pelo ACES, há minutos, relativo aos infectados confirmados actualmente no Município de Ovar.

Vamos ver que número apresenta a DGS amanhã....hoje apresentaram só 379.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou a morte a mais de 100 mil pessoas e infetou mais de 1,6 milhões em 193 países e territórios.

Em Portugal, segundo o balanço feito este sábado pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 470 mortos, mais 35 do que na véspera, e 15.987 casos de infeção confirmados, o que representa um aumento de 515 em relação a sexta-feira.

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