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UGT e CGTP representam 7% do privado (e não mostram as suas finanças)

Bruno Faria Lopes 09 de dezembro de 2025 às 23:00

A central sindical que o Governo procura convencer para aprovar a reforma laboral, a UGT, não representa muito mais do que 2% dos trabalhadores do privado. CGTP tem situação financeira mais sólida, mas nenhuma central publica as contas (ou aceita dar acesso). As duas mantêm contactos informais antes da primeira greve geral conjunta em 12 anos.

No fim de 2012, em crise e com a troika no País, o Governo organizou uma conferência sobre trabalho em Lisboa, com oradores nacionais e internacionais. A dada altura, um conferencista norueguês interpelou a plateia no grande auditório da Fundação Gulbenkian: quem ali era sindicalizado? Os nórdicos levantaram a mão, mas entre a maioria de portugueses só muito poucos o fizeram – eram os dirigentes da UGT e da CGTP. O episódio, confirmado pelo então secretário de Estado que organizou o evento, Pedro Martins, ilustra o maior desafio das duas centrais sindicais que este mês fazem a primeira greve geral conjunta em 12 anos: a baixa sindicalização, com impacto na mobilização e nas contas (que não divulgam).
Protesto em Portugal contra a precariedade e o empobrecimento
Soraia Duarte, vice secretária-geral da UGT, diz que os 435 mil associados indicados no congresso de 2022 – menos 9% face a 2012 – é “o número mais recente” e que só no congresso do próximo ano haverá uma nova estatística oficial. Já a CGTP diz que representava 562,5 mil trabalhadores em 2024, uma subida de 2% em quatro anos. Estes valores significam, em tese, que as duas centrais representam 22% dos trabalhadores por conta de outrem, mas para quem estuda a área a realidade é diferente. “Os números da representatividade dos sindicatos são inflacionados”, indica à SÁBADO Marco Lisi, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova. Lisi nota que outras fontes, como a OCDE, estimam valores menores (15%). Outra fonte é o Relatório Único, a base de dados do Ministério do Trabalho construída a partir de formulários de preenchimento obrigatório por todas as empresas – uma das questões incluída é sobre os trabalhadores que pagam quotas a sindicatos. Partindo daqui, um estudo de 2023 feito por Pedro Portugal e Hugo Vilares, do Banco de Portugal, indica uma taxa de sindicalização de 10%. O universo é mais pequeno no privado: Pedro Martins refere à SÁBADO que a taxa mais recente que viu, a partir dos dados do Relatório Único, é de 7% em 2023: cerca de 267 mil pessoas, se assumirmos o valor mais recente do INE para a população empregada por conta de outrem (menos a Função Pública). As centrais disputam estes valores tão baixos – a CGTP tem referido que os mais jovens pagam diretamente as quotas aos sindicatos, sem conhecimento do empregador –, mas o inflacionamento é evidente. “Os números da representatividade podem ser inflacionados por causa dos reformados e das pessoas que deixam de pagar quotas, que continuam a ser contabilizados”, explica Marco Lisi. A presença da UGT na banca é um exemplo: os bancos têm despedido milhares de trabalhadores, mas uma parte continua filiada nos sindicatos bancários da UGT, diz o ex-secretário geral Carlos Silva (uma das razões é o acesso ao subsistema de saúde, o SAMS). A baixa representatividade levanta outro ponto à volta da central procurada para carimbar reformas como a que o Governo da AD quer. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, tenta trazer a UGT a bordo e os candidatos presidenciais Marques Mendes, Gouveia e Melo e António José Seguro fazem depender da assinatura da UGT a viabilização da reforma em Belém. Mas o peso da UGT no total de sindicalizados no privado estará em cerca de um terço, estima Pedro Martins, agora professor na Nova SBE, especializado em economia laboral. “Estamos a dar quase um poder de veto numa reforma das leis laborais no privado a uma central que representa pouco mais de 2% do privado”, observa.
"Os números da representatividade dos sindicatos estão inflacionados"
marco lisi, faculdade de ciências sociais e humanas, universidade nova de lisboa
A taxa de sindicalização não resume a influência real das centrais, que estão na Concertação Social. Os acordos laborais entre um sindicato e uma associação empresarial – estas, tipicamente, também têm baixa representatividade – são estendidos a todas as empresas e trabalhadores do setor, através das portarias de extensão. Uma das mais baixas taxas de sindicalização na Europa ocidental convive com uma das mais altas coberturas por acordos coletivos.

Contas não divulgadas

As quotas dos sindicalizados são pagas aos sindicatos, que transferem verbas para as respetivas centrais - a baixa sindicalização representa outro desafio, o financeiro. Perceber a extensão deste desafio é, contudo, difícil. Nem a UGT, nem a CGTP publicam nos sites os relatórios e contas, apesar de beneficiarem de subvenções públicas e de terem acesso (pelo seu estatuto na formação profissional) a fundos comunitários. Consultas a duas grandes bases de dados empresariais também não geraram resultados. A SÁBADO pediu as contas de 2020 e de 2024 às centrais. Soraia Duarte, vice-secretária-geral da UGT, indicou que esta é uma questão a decidir pelo secretário-geral e a central acabou por não enviar os relatórios, nem os grandes números agregados pedidos pela SÁBADO (receita, despesa, etc.). A CGTP não respondeu ao pedido, mas indicou que “a gestão interna dos recursos pauta-se pelo rigor e pela transparência”, sendo as contas “certificadas por Revisor Oficial de Contas (…)” merecedoras de “voto unânime” das entidades escrutinadoras: conselho fiscal e sindicatos presentes no Plenário. Em 2020, o Observador mostrou uma situação distinta nas duas centrais. A CGTP resistiu aos prejuízos da crise nos anos da troika. O imobiliário é um dos pontos fortes e foi reavaliado em 2013 e em 2018, com incrementos de 4 milhões de euros em cada reavaliação. A SÁBADO perguntou se, com a valorização do mercado imobiliário, houve mais reavaliações desde 2018, mas não teve resposta. Em 2019, o Expresso noticiou que os sindicatos afetos à CGTP tinham vendido 10 milhões de euros em património nas zonas nobres de Lisboa – para turismo e habitação – juntando sindicatos num mesmo edifício. A sede da central no Chiado, com vista para o Tejo, continua no balanço, apesar do assédio de investidores.

UGT: a fatura de um caso

O aperto da crise levou a CGTP a conter os custos laborais, segundo o Observador, com dois aumentos anuais de 10 euros por trabalhador em cinco anos. A central não detalhou à SÁBADO a sua política salarial mais recente, indicando apenas que “entre o ano 2020 e 2025, foram praticados aumentos de  salário e diversas cláusulas de expressão pecuniária, no quadro das negociações com os trabalhadores”. Dos 40 trabalhadores, só um está a prazo, “[n]uma atividade específica de [um] projeto financiado pelo Fundo Social Europeu”, com “data de termo prevista durante o período da sua execução”. Já a UGT tem uma situação mais delicada, fruto não só da erosão da sindicalização, mas também de um escândalo. Em 2025, a UGT continua a pagar duas dívidas relacionadas com o caso das verbas do Fundo Social Europeu, da década de 90. O aumento das taxas de juro em 2022 gerou “uma fase mais difícil”, admite Soraia Duarte, mas a pressão, entretanto, desceu. A primeira dívida é a que contraiu na Caixa Geral de Depósitos em 1996, com aval do Estado, para  devolver 3 milhões de euros de verbas comunitárias no contexto de um processo por fraude. Os dirigentes da UGT foram ilibados na Justiça em 2007, mas a dívida à Caixa ficou, em prestações mensais até 2043. “Estamos a cumprir o acordo”, diz Soraia Duarte. A dívida é hoje de €1,67 milhões. Outra dívida é ao BCP, usada para comprar a sede atual - a anterior, hipotecada ao antigo BES, foi entregue ao banco no meio da obrigação de devolver as verbas a Bruxelas, segundo o Observador. A dívida ao BCP está em 3,218 milhões de euros. Nos custos laborais, a central tem cumprido o acordo de rendimentos formalizado na concertação: 5% em 2022, 4,8% em 2023 e 5% em 2024. A UGT refere que os 29 funcionários estão no quadro. As subvenções públicas – benefício decorrente do estatuto de parceiro social – e os fundos comunitários são receitas relevantes para as centrais. Em 2024, por exemplo, a CGTP recebeu 828,4 mil euros em subvenções e a UGT cerca de 742,8 mil euros, segundo a Inspeção-Geral de Finanças. Cada central – reconhecida como parceiro em políticas de emprego – tem um programa de emprego em curso entre 2025 e 2027 financiado pelo Fundo Social Europeu+: a UGT encaixará 1,24 milhões e a CGTP 2,56 milhões. A CGTP é muito influenciada pelo PCP, o partido de onde emana a maior parte dos seus dirigentes, incluindo o atual secretário-geral, Tiago Oliveira (que está no comité central do PCP). Marco Lisi refere que na longa liderança de Carvalho da Silva, entre 1987 e 2012, a central conseguiu cavar alguma autonomia face ao PCP. “Depois da sua saída, as orientações da CGTP têm convergido com as do PCP”, indica o professor da FCSH. Correntes internas distintas - como a católica e a do Bloco de Esquerda - têm hoje um peso  diminuto. O alinhamento é uma simbiose por necessidade. “As duas instituições estão muito enfraquecidas e é normal que haja maior alinhamento do que antes”, explica Lisi. Se a CGTP é a arma do PCP nas ruas, o PCP apoia com logística e militantes. Na UGT, o equilíbrio interno traduz a origem da central, fundada em 1978 contra o domínio sindical do PCP. Pessoas do PS e do PSD – este através dos Trabalhadores Sociais Democratas ou TSD – vão dividindo a regra e esquadro os cargos dirigentes: o atual secretário-geral, Mário Mourão, é do PS, mas a presidente da central é Lucinda Dâmaso, do PSD. Os socialistas estão em maioria, “mas nunca fizeram gáudio disso nem destruiriam por dentro a central”, explica o ex-secretário-geral Carlos Silva, que liderou a tendência socialista. Decisões como uma rara greve geral conjunta são tomadas por unanimidade - se for preciso, o consenso é trabalhado para apresentar ao exterior uma frente unida. Apesar do clima adversarial entre as centrais, greves como esta geram contactos informais. “Na de 2013 tive-os com o Arménio Carlos e o mesmo aconteceu no passado”, conta o sindicalista. O posicionamento da UGT, e a influência mediática de que goza como parceiro social, faz com que seja convocada pelos governos do PSD e do PS para negociar acordos (que a CGTP em regra não aceita). Também aí, os contactos começam por ser informais. “O Passos Coelho chamou-me [em 2012] para dizer que tinha de haver uma reforma e trocámos impressões”, recorda Carlos Silva. A UGT, na altura liderada por João Proença, assinou a custo a reforma que flexibilizou a lei laboral num momento de crise. Na reforma que a AD quer, ninguém chamou a UGT de antemão – nem a ministra do Trabalho, Maria Palma Ramalho, nem o primeiro-ministro. A greve geral tem como centro as medidas no anteprojeto de reforma – mas também, da parte da UGT, o resultado dessa conduta do Governo.
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