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Fui despedido por telefone ou email. E agora?

Sofia Parissi 06 de fevereiro de 2025 às 07:00

Apesar da normalização do teletrabalho, a lei portuguesa não foi atualizada. Antes de qualquer email, é "eticamente correto" fazer uma conversa prévia.

Não faltam notícias acerca de despedimentos "à distância": o administrador da ULS Algarve João Ferreira denunciou ter sido despedido por email na véspera de completar um ano na unidade; e em janeiro, a SÁBADO noticiou despedimentos via telefone feitos no Bloco de Esquerda, de cinco recém-mães. A 21 de janeiro, uma das antigas trabalhadoras do Bloco confirmou a notícia da SÁBADO na rede social X e afirmou ter sido despedida ao telefone. "Eu sou a trabalhadora com uma filha de nove meses despedida pelo Bloco de Esquerda em 2022. Fui despedida por telefone enquanto estava a trabalhar na sede nacional", onde se encontravam outros dirigentes a trabalhar presencialmente.  

A ética 

"Qualquer despedimento que seja feito só por telefone ou por email é ilícito, não está enquadrado pela lei portuguesa", diz à SÁBADO o advogado Jorge Silva Marques. "Tem de ser aberto um procedimento disciplinar, instruído através de uma nota de culpa, que deve ser enviada por correio registado. Quando é entregue presencialmente, o trabalhador tem de acusar receção da nota. Tem um formalismo próprio".

O primeiro contacto pode ser feito via email ou telefone, mas o especialista alerta que se os procedimentos legais não forem cumpridos, "não tem validade jurídica, é apenas uma abordagem para informar que será feita qualquer coisa".

A advogada e consultora de direitos parentais Marta Esteves acredita que a legislação laboral necessita de atualizações, especialmente devido à normalização do teletrabalho. "Após a pandemia, houve mais regulamentação do teletrabalho, mas toda a restante legislação laboral não está adaptada para o atual mercado de trabalho e foi pensada para os chamados empregos para a vida toda". A especialista refere que quando a comunicação é feita de forma eticamente correta, "existe sempre uma conversa eventualmente presencial e prévia, antes de se dar início a qualquer procedimento para terminar um contrato".

Isto deve-se não só à "questão psicológica", mas também para que o "trabalhador não seja apanhado de surpresa, com uma carta no correio ou com um email". A advogada reforça ainda que a "entidade empregadora tem a obrigatoriedade de promover contactos presenciais a cada dois meses" quando o empregador se encontra em regime de teletrabalho. 

No caso de se tratar de um caso de despedimento de um gestor público, como o caso do administrador da ULS Algarve, o empregador passa a ser a administração pública e, nesse caso, a advogada Sofia Matos explica que não existem prazos para a comunicação. "É um contrato com o Estado, de gestor público. A lei não obriga a aviso prévio neste caso". 

O problema da comunicação ser feita por email prende-se então com o "campo da moral mais do que com o campo da legalidade". Sofia Matos faz notar que é "perfeitamente possível fazer a comunicação da demissão de um gestor público através de email", sendo que "a lei não obriga a outros requisitos e trata-se apenas de uma forma de comunicação". E acrescenta: "[Neste caso], havia urgência na comunicação porque se passasse mais um dia seria obrigatório que fosse paga uma indemnização (...)", conforme diz o artigo 26º do Estatuto do Gestor Público. 

Quais são os passos a cumprir em caso de despedimento?

No caso de contratos em regime do setor privado, os procedimentos legais necessários para avançar com o despedimento são diferentes. Marta Esteves explica à SÁBADO: "Tem sempre de haver sempre uma comunicação escrita. Se estivermos a falar de contratos de trabalho a prazo, tem que haver uma comunicação escrita, com um determinado prazo de antecedência, para comunicar a não renovação do contrato quando são contratos a termo certo, ou a não continuidade do contrato quando são a termo incerto".

Por outro lado, "quando estamos a falar de contratos de trabalho efetivos só pode haver despedimentos quando houver uma justa causa para o efeito, seja uma justa causa subjetiva", por exemplo, se o trabalhador "fez algo tão grave que não permite a continuação do contrato", ou "quando falamos das justas causas objetivas, que é caso de despedimento por extinção do ponto de trabalho, despedimento coletivo ou despedimento por inadaptação".

No entanto, a advogada refere que em qualquer uma das situações os prazos e os procedimentos tem de ser cumpridos. Se não forem, podem ser considerados ilícitos. "Tem que haver uma comunicação prévia. No caso do despedimento subjetivo, é a nota de culpa, e no caso da extinção do posto ou despedimento coletivo tem que haver uma primeira comunicação a avisar que vão avançar com este despedimento". Além disso, "o trabalhador tem sempre que ter oportunidade para responder a essa comunicação". 

Se estivermos a falar de trabalhadores em licença parental, em situações de puerpério ou grávidas, a especialista refere que o procedimento é diferente: "Quando estamos a falar de trabalhadores grávidas, em licença parental ou a amamentar, antes de haver esta comunicação à própria trabalhadora, tem de haver uma comunicação prévia à CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego)". "Só depois de um parecer favorável é que a entidade empregadora pode enviar a decisão final", acrescenta.

E por último, existem situações em que o pedido de indemnização à entidade empregadora pode ser válido. "Seja porque o motivo de despedimento não é válido, ou nas situações em que o procedimento não é cumprido, a consequência é que o despedimento é considerado ilícito". Além disso, também podem ser tidos em conta danos psicológicos, devido à forma como o procedimento foi feito. "O dano psicólogo é um dano quantificável e pode ser objeto de ressarcimento pela via judicial", explica Marta Esteves.

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