Sábado – Pense por si

Margarida Davim
Margarida Davim Jornalista
07 de março de 2023 às 20:00

O que é a verdade?

Capa da Sábado Edição 5 a 11 de agosto
Leia a revista
Em versão ePaper
Ler agora
Edição de 5 a 11 de agosto

Fazer jornalismo significa por vezes não escrever. Essa é uma das decisões mais difíceis de tomar, mas é em muitas ocasiões a única verdadeiramente jornalística. Porque é a que permite separar o rumor da notícia, o fait divers incendiário da informação relevante.

O que é a verdade? Esta pergunta tão filosófica não é abstrata para quem faz jornalismo. Todos os dias o jornalista se depara com ela e as opções que toma, para lhe responder, têm o efeito de criar uma verdade que pode até moldar a própria realidade.

A primeira coisa que o jornalista deve saber é que o lugar de onde olha para o mundo importa. Não há lugares neutros. E qualquer um que já tenha feito jornalismo sabe que a primeira parte de escrever um texto é escolher um ângulo.

O ângulo aproxima ou afasta, lança sombras e luzes. Mas escolher um ângulo não é escolher um lado. O jornalismo é uma prática: tem técnicas e regras, sem quais se poderão fazer textos e contar histórias, mas nunca fazer jornalismo.

Depois de escolhermos a partir de que lugar olhamos para uma história, começamos a encontrar nos vários relatos as peças do puzzle que iremos montar.

E é aí que, muitas vezes, começa um dos trabalhos mais difíceis: o de escolher o que cabe e ficará na peça e o que não serve e não tem espaço.

Fazer jornalismo significa por vezes não escrever. Essa é uma das decisões mais difíceis de tomar, mas é em muitas ocasiões a única verdadeiramente jornalística. Porque é a que permite separar o rumor da notícia, o fait divers incendiário da informação relevante.

Falta-nos demasiadas vezes tempo e distância para fazer essa avaliação. E acabamos enredados numa reprodução (aparentemente) inócua de opiniões e acontecimentos a que um colega, com uma graça certeira e cruel, chama "jornalismo-dactilografismo".

Caímos nessa armadilha e é trágico. Porque a comunicação é que é instantânea. O jornalismo não. Precisa de tempo. E quando não o fazemos com tempo perdemos relevância, porque não vamos além do que circula livremente pelas redes sociais, sem que ninguém saiba (como o jornalista) como pescar à linha o que interessa e submeter às regras da edição o que, assim, deixará de ser mera comunicação e passará a ser informação.

O jornalismo afirmou-se reclamando ser o quarto poder, mas talvez essa não seja a melhor forma de o definir. O jornalismo é um direito. E é também o canário numa mina: quando uma democracia definha, é o primeiro a morrer.

É por isso que os problemas que afectam o jornalismo não são coisas de jornalistas. São um assunto que interessa a toda a sociedade. Só um jornalismo sério, plural, capaz de analisar e descodificar a realidade produz cidadãos e informados e escolhas esclarecidas. Não existe democracia sem jornalismo. E, sim, isso faz com que as escolhas que condicionam as próprias condições do jornalismo também sejam políticas.

Mais crónicas do autor
26 de dezembro de 2023 às 20:00

Desfazer o presépio

Enquanto alguns acenam com os riscos imaginários de uma invasão cultural (em Portugal, os estrangeiros são 7,5% da população), há quem lucre com o desespero de quem procura uma vida melhor.

19 de dezembro de 2023 às 20:00

Para que servem os jornalistas?

Quando alguma coisa ganha a atenção do público, isso tem um efeito. Até os mais poderosos preferem perpetrar as suas prepotências longe de olhares reprovadores.

12 de dezembro de 2023 às 20:00

O que é o centro? E por que está a desaparecer?

O centro, quando lhe queremos chamar um nome feio, passa a centrão e quase toda a gente sabe que se refere então a uma amálgama pouco recomendável de interesses inconfessáveis, mas facilmente adivinháveis, dos que têm poder e dinheiro.

06 de dezembro de 2023 às 20:00

Um conto de Natal sueco

Elon Musk, o empresário que tudo pode, não quer ceder a 120 mecânicos e aceitar a lei e a prática do reino onde se inventou a social-democracia.

29 de novembro de 2023 às 20:00

Os 20% que ameaçam a democracia

A falta de interesse pelo que nos rodeia é um sinal alarmante. Quem não se espanta, não se interroga, não procura, fica mais longe do humano.

Mostrar mais crónicas

As 10 lições de Zaluzhny (I)

O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.