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As pessoas perderam o respeito pelo silêncio. Não sabem o que fazer com ele, procuram tutoriais na Internet para o encontrar dentro da cabeça, ao mesmo tempo que fecham a janela do YouTube e correm desesperadas à procura de qualquer barulho que as faça sentirem-se menos sozinhas com elas próprias.
Quando fui ao Japão, uma das coisas que mais me marcaram foi o respeito absoluto que existe pelo silêncio. Lembro-me que, antes de viajar, o Gonçalo M. Tavares me disse uma frase que nunca mais me esqueci: “Vais adorar, é um país que já está pronto.” E eu lá fiquei com esta frase na cabeça, a ideia de um país que se adiantou um bocadinho e que foi resolvendo coisas que nós ainda nem sabíamos que eram para resolver. Parece uma frase meio estranha quando se fala de um país; mas ele tinha razão, é um país que já está pronto. Nos transportes públicos ninguém fala ao telemóvel, para não incomodar quem estiver ao lado. Em Tóquio anda-se nas ruas e consegue-se falar num volume normal, porque ninguém está aos gritos e a buzinar a cada metro quadrado, a não ser os turistas. Somos uns selvagens, aos olhos deles. Pessoas que ainda não perceberam que para falar com a pessoa que está ao lado, não se grita para a que está no fundo da rua. Mas são generosos na compreensão, porque sabem que ainda estamos em construção, que um dia também vamos perceber.
Na semana passada, enquanto passeava junto ao Miradouro de São Pedro de Alcântara – um dos sítios mais bonitos para pararmos e nos espantarmos com Lisboa – fui obrigado a esquecer-me da vista, e também do que quer que fosse que estivesse a pensar. Lembraram-se de pôr lá umas barraquinhas de madeira onde vendem produtos, e para as barraquinhas não se sentirem sozinhas, juntaram umas colunas que nos gritam música num volume estupidamente alto, que se espalha muito para lá do miradouro. Fomos arrogantes e demos cabo da vista e daquele recorte de Lisboa. Não confiámos que aqueles metros quadrados de paisagem sobreviveriam só pelo que são, e enchemo-los de barulho, cheios de medo de que as pessoas se pudessem aborrecer com os pássaros e com o que estavam a ver. A paisagem mais bonita já não chega, precisamos que nos estimulem os sentidos todos, como se tivéssemos 4 anos outra vez.
Qualquer visitante que tenha o azar de só lá passar uma vez, vai guardar na memória aquele fim de tarde, com uma luz tão bonita que quase parece que não nos está a acontecer, e música aos gritos como pano de fundo. A grande vantagem dos dias de hoje, é que se eu quiser apreciar aquela vista com um determinado som, basta-me pôr uns auscultadores e escolho a banda sonora com a qual quero gravar aquele momento. Fazer com que toda a gente que lá vá passear fique refém de uma música enquanto olha para uma vista daquelas, devia ser crime de lesa-pátria. Turistas que olham surpreendidos para aquilo tudo como se estivessem numa montanha-russa. Aproveitam e tiram uma fotografia, que essa ao menos vai calada.
Juan Cavia
As pessoas perderam o respeito pelo silêncio. Não aguentam o silêncio, e querem o silêncio, tudo ao mesmo tempo. Não sabem o que fazer com ele, procuram tutoriais na Internet para o encontrar dentro da cabeça, ao mesmo tempo que fecham a janela do YouTube e correm desesperadas à procura de qualquer barulho que as faça sentirem-se menos sozinhas com elas próprias. É que quando há silêncio, a nossa cabeça fica muito alta, e esse som pode ser insuportável. Para resolver, pagamos todos.
Dizem que só querem ir para um sítio calmo, no campo, com animais e árvores, mas mal podem esperar para chegar lá e encher aquela paisagem de sons que ocupem a cabeça e não as levem à loucura.
Sítios públicos com telemóveis a vomitarem vídeos com o som no máximo, restaurantes com televisões com o som no máximo, crianças em restaurantes a verem desenhos animados no telemóvel com o som no máximo, pessoas que falam com o som no máximo mesmo estando ao lado umas das outras, grupos de pessoas a levarem para a praia colunas e a meterem o som no máximo, aniquilando o dia a todas as outras pessoas que só queriam ouvir o mar e ler. Por todo o lado há sons que se fazem ouvir cada vez mais alto. O mundo todo a acontecer, e nós sem percebermos o que fica dele se tudo se calar nem que seja por um minuto. E já nem se faz cerimónia; para preencher o silêncio de uma pessoa, destrói-se o silêncio de todas à volta. Morre-se de medo do silêncio, porque se sabe que ele vem com uma série de perguntas às costas. Para termos silêncio, temos de fugir para um sítio onde possamos estar a sós connosco, até a tempestade passar. E fazer as pazes com isso.
O metro quadrado mais caro neste momento está nas grandes cidades, e traz com ele todos os barulhos do mundo. Mas um dia o metro quadrado de silêncio será o mais caro de todos. Quem souber deste segredo com antecedência ainda o encontra barato.
Mas ainda vai levar tempo até tudo mudar, primeiro temos de estar prontos.
Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico
É no momento entre a fotografia ser tirada e a confirmação de como ela ficou que vive o verdadeiro estado de alma de uma pessoa. Sai a máscara e instala-se uma letargia, é o corpo a fazer contas de cabeça.
Envelhecer é romântico para quem vê de fora, e duro para quem vê de dentro. Os casos de velhices felizes são miragens, por isso é que se partilha tanto quando se descobre uma história dessas, como se alguém tivesse fintado o mundo.
As pessoas perderam o respeito pelo silêncio. Não sabem o que fazer com ele, procuram tutoriais na Internet para o encontrar dentro da cabeça, ao mesmo tempo que fecham a janela do YouTube e correm desesperadas à procura de qualquer barulho que as faça sentirem-se menos sozinhas com elas próprias.
O autor está morto, pegaram no livro dele e alteraram frases e palavras de maneira a que o leitor não se sinta ofendido. Vivemos uma época em que para não ofender os leitores vivos, manipula-se a escrita dos autores mortos.
Há artistas que sofrem de uma patologia grave que faz com que só saibam falar sobre outros artistas. As conversas são encriptadas; outras profissões que estejam sentadas à mesa não conseguem – nem querem – decifrar. São combustível de ódio para quem as tem, e de profundo aborrecimento para quem as ouve.