Sábado – Pense por si

Tiago Silva
Tiago Silva Advogado
15 de novembro de 2024 às 10:58

O descalabro do FC do Porto na Luz e o estado da nação portista

É que, pior do que perder um jogo contra o nosso maior rival, sobretudo por aqueles números, foi a forma como se perdeu e isso os adeptos não perdoam, nem esquecem.

1. Fui assistir desconfiado ao jogo do FC do Porto no estádio do nosso maior rival pois, não obstante o nosso histórico naquele estádio convidar a estados de alma muito positivos, as fragilidades colectivas patenteadas por este FC do Porto nos jogos de maior exigência faziam-me temer o pior.

E quando digo isto nem me refiro propriamente aos resultados do FC do Porto nesses jogos, dado que alguns deles nem foram negativos, mas aos sinais que a equipa dava dentro do campo.

Os jogos em Aveiro (final da Supertaça), Alvalade, Bodo Glimt, Man Utd e Hoffenheim no Dragão e Lazio em Roma tiveram em comum a expressão que o FC do Porto, fruto de dinâmicas colectivas que estão longe de corresponder às exigências de um patamar competitivo de nível elevado, sobretudo em processo defensivo, é muito permeável a equipas com mais qualidade individual e colectiva.

Após o jogo na Noruega, e já depois de termos sido autenticamente atropelados em Alvalade onde o FC do Porto praticamente não conseguiu competir com o Sporting, escrevi:

"Depois de assistir em directo ao pesadelo, procurei, mais tarde, rever o jogo com outra tranquilidade por forma a procurar decifrar as razões do descalabro colectivo e o que vi deixou-me ainda mais preocupado.

(...)

Não, o FC do Porto não perdeu, e bem, pelo facto de o clube ser tido como favorito a conquistar a Liga Europa ou por assumir essa ambição mas por ter sido manifestamente incompetente dentro do campo e por más opções técnicas fora dele." (artigo na Revista Sábado de 06 de Setembro).

Depois disso tivemos o jogo com o Man Utd – onde o FC do Porto aos vinte minutos de jogo, fruto de "velhos" erros cometidos no processo defensivo, já se encontrava a perder por 0-2, acabando por operar uma reviravolta digna de registo que acabou por não segurar mesmo a jogar contra 10 porque nos descontos, e à semelhança do que sucedeu no jogo contra a Lazio, voltou a defender mal uma bola parada dado que a marcação individual nesses lances não tem em conta a bola, sendo apenas dirigida a impedir que o jogador adversário chegue em condições à mesma - e o Hoffenheim, ambos no Dragão, sendo que a primeira parte contra a modesta equipa alemã foi bastante pobre, voltando a ficar expostas as debilidades do FC do Porto no famigerado processo defensivo que só não penalizaram a equipa por mero acaso dado que os alemães desperdiçaram na primeira parte 3 grandes oportunidade de golo.

No final desse jogo voltei a escrever que "há uma máxima no futebol que nos diz que quando se joga mal, está-se sempre mais próximo de perder. Hoje, felizmente não sucedeu."

O jogo de maior exigência que se seguiu foi em Roma contra a Lazio onde o FC do Porto voltou a sofrer dois golos devido a erros defensivos e revelou, novamente, pouca agressividade sem bola e uma dificuldade, já antes manifestada, em encurtar os espaços para o adversário.

Em comentário a esse jogo, disse ao jornal Record que o FC do Porto não merecia sair derrotado de Roma mas que a derrota ficava a dever-se a erros e culpa própria", tendo ainda acrescentado que "a equipa tinha de ser mais agressiva sem bola e mais coordenada posicionalmente sob o ponto de vista defensivo".

Seguiu-se o jogo na Luz e o que temia aconteceu da pior forma, com o FC do Porto a sair humilhado da casa do nosso eterno rival.

O FC do Porto na Luz, para além de ter revelado muitas dificuldades a sair a jogar fruto da pressão exercida pelo Benfica, não foi organizado, nem competente, voltando a cometer inúmeros erros posicionais pouco admissíveis a este nível (veja-se, a título de exemplo, o segundo e terceiro golos do Benfica, em que a bola entrou sempre no enorme espaço entre o lateral e o central do lado esquerdo), teve pouco critério e qualidade com bola e revelou-se sempre demasiado amorfa e macia nos duelos, raramente conquistando as segundas bolas dado o distanciamento dos jogadores face à bola.

O resultado acabou, infelizmente, por reflectir o naufrágio do FC do Porto em campo e provocou um autêntico terramoto nas nossas hostes.

É que, pior do que perder um jogo contra o nosso maior rival, sobretudo por aqueles números, foi a forma como se perdeu – sendo manifestamente incompetentes e não transpondo para dentro de campo as marcas distintivas que caracterizam o ADN do FC do Porto – e isso os adeptos não perdoam, nem esquecem.

Se é verdade que os adeptos do FC do Porto são muito exigentes, por vezes até demasiado exigentes, não é menos verdade que também sabem lamber as feridas de uma derrota e relegar a mesma quando reconhecem que a equipa foi audaz, competente, abnegada e solidária, tendo deixado o que tinha e o que não tinha dentro do campo.  

Quando isso não sucede, como foi o caso do último jogo, e o resultado acaba por ser vexatório fruto da ausência desses princípios e valores de uma equipa à Porto, o Tribunal do Dragão é implacável com os seus, não sendo fácil restaurar a relação de confiança.

2. Na segunda feira afirmei na CMTV que Vítor Bruno estava, por tudo isto, ferido de morte dado o divórcio latente entre os adeptos e a equipa técnica.

Esta afirmação forte mas verdadeira, levou a que vários adeptos portistas se sentissem indignados por um apoiante confesso da actual Direção ter sido tão cáustico perante o treinador escolhido pela mesma para liderar o novo projecto desportivo do FC do Porto.

Ora, perante isto, cumpre-me aclarar que o facto de me rever totalmente no trabalho desenvolvido pela Direcção do FC do Porto não significa que tenha de ser acrítico ou que essa qualidade me deva ser imposta só porque tenho palco mediático para expressar o meu pensamento livre.

A Direcção do FC do Porto tem toda a legitimidade em defender e apoiar o treinador do FC do Porto, o que é, até, compreendido por todos, assim como eu tenho o direito em expressar o meu juízo acerca do seu trabalho e o meu desagrado relativamente ao mesmo.

Durante muitos anos fui objecto desse tipo de comentários e reações vindos de pessoas afectas à anterior Direção que não sabiam conviver com a crítica, pelo que também neste campo devemos mudar definitivamente a página.

Foi, precisamente, essa falta de massa crítica que esteve na base do estado a que o FC do Porto chegou.

O apoio e o espírito crítico não são nem devem ser tidos como incompatíveis, pois unidade não é unanimismo nem cinismo.

E, contrariamente ao que alguns apregoam, não é a unidade que nos leva ao sucesso, é a competência do trabalho dentro e fora de campo.

Dependesse o sucesso da equipa da tal unidade e de estarmos todos mudos e quedos perante este quadro inaceitável e íamos todos em redor do Estádio do Dragão acender umas velas, dar as mãos e cantar o kumbaya. 

3. Às horas a que escrevo o FC do Porto comunicou à CMVM que concretizou a operação financeira que permitirá ao clube reestruturar a sua dívida e baixar os custos associados à mesma.

Esta era uma operação premente e fundamental para o futuro do clube pois permitir-lhe-á respirar melhor e ver-se livre do autentico garrote financeiro a que estava submetido em virtude da gestão irresponsável e caótica que o clube havia sido votado.

Esta havia sido também uma forte promessa eleitoral de André Villas Boas, que na campanha havia garantido que estava já a negociar este financiamento a uma taxa de cerca de 5%, o que na altura mereceu comentários jocosos por parte de membros destacados da lista opositora que faziam crer que tal era inexequível, quiça por estarem habituados a emprestar dinheiro ao clube a troco de taxas de juro na ordem dos 10%.

Pois bem, a taxa de juro associada a este financiamento a 25 anos de 115.000.000,00 Euros foi de... 5,62%.

Bem sei que no FC do Porto ninguém festeja o enorme sucesso de operações financeiras ou a dimensão de taxas de juro pois o Museu do clube "alimenta-se" de títulos e troféus mas julgo que hoje em dia já todos têm consciência que são os bons actos de gestão que permitem dotar o clube de condições para ir de encontro ao nosso destino que é vencer e alcançar o sucesso desportivo.

Parabéns, por isso, à Direção do FC do Porto que deu mais um passo firme rumo à recuperação do clube e cumpriu mais uma promessa eleitoral.

Está-se a trabalhar muito e bem fora de campo; siga-se esse exemplo dentro dele.

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