Quando vemos para além dos números e nos focamos nos direitos, vemos um mundo de possibilidades, vemos um mundo em que cada pessoa realiza o seu potencial.
E hoje? Vamos falar de direitos e escolhas?
Deixem-me trazer para as vossas conversas e preocupações algum do dia a dia do Fundo das Nações Unidas para a População.
Podemos começar com o diagnóstico.
Entre 2000 e 2020, a mortalidade materna caiu cerca de 34%. Entre 1990 e 2021, o número de mulheres com acesso a métodos contraceptivos modernos duplicou. Desde o ano 2000 o número de partos nas raparigas entre os 15 e os 19 anos diminuiu um terço. Hoje há pelo menos 162 países que aprovaram leis sobre violência doméstica, enquanto que há 20 anos eram uns mero 45.
Contudo, a mortalidade materna mantém-se como uma crise global: a cada dois minutos uma mulher morre de causas preveníveis ligadas à gravidez, parto e pós parto, totalizando quase 300.000 mortes por ano. Mais de 250 milhões de mulheres querem planear a sua fertilidade e gravidezes e não têm acesso a contracepção moderna. E uma mulher em cada três sofre uma qualquer forma de violência ao longo da sua vida.
A boa notícia? Neste pós dia internacional das mulheres? É que o progresso é possível e que com o investimento certo e as políticas públicas adequadas, podemos inverter esta realidade e construir um mundo com mais dignidade para estas mulheres e meninas.
Há 30 anos o mundo reuniu-se no Cairo, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, e, por consenso, colocou as pessoas no centro do processo de desenvolvimento, operacionalizou e reconheceu a importância da realização dos direitos reprodutivos, reafirmou o direito ao planeamento familiar, a necessidade de dar voz às meninas, a eliminação da mutilação genital feminina, a ligação virtuosa entre população e desenvolvimento.
E são inegáveis os avanços registados, que devem ser celebrados porque, em simultâneo ajudam a desconstruir mitos e mostram que investir na igualdade de género, no empoderamento das mulheres, no seu direito de realizar a sua fertilidade desejada são investimentos produtivos e transformadores.
Nada empodera uma mulher e uma sociedade como investir na sua saúde sexual e reprodutiva e nos seus direitos. Poder escolher se quer constituir uma família e, escolhendo fazê-lo, poder decidir quantas crianças quer ter e o espaçamento entre cada gravidez é um pré-requisito para uma sociedade que aproveita o potencial de todas as pessoas que a constituem. Posto de outra forma, uma pessoa que não controla o que acontece no seu corpo, com o seu corpo, controla muito pouco da sua vida.
E às mulheres é-lhes negada essa autonomia corporal, são lhe erguidos obstáculos por ação e omissão que fazem com que a igualdade pareça uma miragem ou um ponto no horizonte que, teimosamente, se afasta à medida que para ele caminhamos.
Mais de 130 anos, diz o Fórum Económico Mundial, vai demorar a igualdade de género a ser atingida se não acelerarmos o progresso.
Graças a um esforço incansável e concertado, fomos desmantelando sistemas, normas e valores patriarcais e hoje a maternidade é uma experiência mais segura, as mulheres têm um maior controlo da sua fertilidade e resgatamos e protegemos milhões de mulheres e meninas de violências e práticas nocivas.
Contudo a promessa de autonomia corporal continua longínqua para milhões de mulheres e raparigas em situação de vulnerabilidade, em especial as que vivem em contextos de crises (humanitárias, climáticas, económicas) e foram excluídas do progresso.
Normas sociais profundamente enraizadas, incluindo todas as formas de discriminação, mantêm as condições nas quais mulheres e raparigas portadoras de deficiência, pertencentes a minorias étnicas ou raciais, ou membros da comunidade LGBTQIA+ estão impedidas de realizar a sua saúde e direitos sexuais e reprodutivos.
As mulheres e raparigas apanhadas em situações complexas de conflitos e desastres naturais estão expostas a um maior risco de disrupção dos serviços de planeamento familiar, mais vulneráveis à violência com base no género, casamentos forçados e precoces e mortalidade materna.
E apesar de sabermos o que tem que ser feito e de como esse investimento resulta, assistimos a tentativas concertadas, simplistas e populistas de concentrar a mulher na sua dimensão reprodutiva ao mesmo que bloqueiam discussões importantes sobre saúde menstrual, sobre fertilidade desejada versus fertilidade realizada, sobre autonomia corporal, sobre o direito de escolha. Mesmo conversas aparentemente benignas sobre políticas populacionais encerram a possibilidade de uma iminente violação da autonomia e dos direitos reprodutivos das mulheres, se não estiverem fortemente alicerçadas em direitos. Já afirmei vezes incontáveis, a fixação em números, em ótimos populacionais e a ligação demasiado simplista entre população e alterações climáticas fazem com que o problema percebido e a solução identificada tenham sempre a forma do corpo de uma mulher.
Quando vemos para além dos números e nos focamos nos direitos, vemos um mundo de possibilidades, vemos um mundo em que cada pessoa realiza o seu potencial.
É essa a mensagem do dia internacional das mulheres, um mundo de possibilidades.
A mutilação genital feminina viola direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde, à vida, à integridade física e mental e à ausência de tortura. Além disso, essa prática perpetua normas sociais nocivas, que devem ser desafiadas e erradicadas.
Em meados deste ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dizia-nos que o número de pessoas deslocadas à força rondava os 123 milhões; em 2023 cerca de 612 milhões de mulheres e raparigas viviam a menos de 50 quilómetros de pelo menos um dos 170 conflitos armados.
É fundamental que se compreenda que a saúde menstrual é parte integrante da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos e que é um fator determinante para a realização dos direitos humanos das mulheres e das raparigas em toda a sua diversidade.
Quando vemos para além dos números e nos focamos nos direitos, vemos um mundo de possibilidades, vemos um mundo em que cada pessoa realiza o seu potencial.
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