É fundamental que se compreenda que a saúde menstrual é parte integrante da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos e que é um fator determinante para a realização dos direitos humanos das mulheres e das raparigas em toda a sua diversidade.
Sempre que me perguntam o que podemos fazer para fechar o inaceitável fosso entre homens e mulheres, para garantir igualdade de oportunidades, a equidade e não nos fazer esperar mais 134 anos pela igualdade de género - e isto na perspetiva otimista do Fórum Económico Mundial - cito uma série de investimentos em direitos e saúde sexual e reprodutiva altamente lucrativos e baseados no escrupuloso cumprimento dos direitos humanos de todas as pessoas. Não rara vez sou confrontada com estranheza pelas minhas franquezas, prioridades e recomendações, mas quase sempre encontro o reconhecimento de que investir na saúde das mulheres e na sua autonomia é o caminho para sociedades mais produtivas, mais inclusivas e mais harmoniosas. E sabemos que estes valores não abundam.
Um desses investimentos estruturantes é a saúde menstrual.
O Fundo das Nações Unidas para a População, cujo escritório em Londres tenho o privilégio de dirigir, diz-nos que todos os meses, que quase um quarto da população global de 8 mil milhões de pessoas menstrua; no entanto, a desigualdade de género, a falta de informação, a pobreza e outras formas de marginalização impedem que haja uma conversa franca, sem tabus nem estigmas, sobre a menstruação.
É fundamental que se compreenda que a saúde menstrual é parte integrante da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos e que é um fator determinante para a realização dos direitos humanos das mulheres e das raparigas em toda a sua diversidade, incluindo para a própria concretização da igualdade de género. No entanto, como milhões de pessoas não têm acesso a instalações sanitárias seguras e limpas e a materiais/produtos para gerir a menstruação (estudos do Banco Mundial revelaram que a distribuição de pensos higiénicos às raparigas conduz a uma redução significativa das infeções sexualmente transmissíveis e da vaginose bacteriana), com a prevalência de crenças e normas sociais que continuam a envolver este processo natural com estigmas, estes direitos permanecem por cumprir. E isto enquanto, todos os meses, 1,8 mil milhões de pessoas em todo o mundo menstruam. Ao longo da vida de uma pessoa que menstrua, esta pode facilmente passar entre três a oito anos a menstruar.
O início da menstruação é muitas vezes um sinal de alerta para meninas e adolescentes e pode pôr em causa os seus direitos humanos pois, em certas partes do mundo, é crença comum que a menarca é uma indicação de que as raparigas estão prontas para o casamento ou para o início da atividade sexual, deixando-as vulneráveis a violações dos seus direitos tais como o casamento infantil e violência sexual. E, em muitos países, as pessoas menstruadas são tratadas como impuras ou portadoras de má sorte: podem ser expulsas de casa durante o seu ciclo e proibidas de tocar em alimentos ou de visitar espaços religiosos, com, por vezes, consequências dramáticas para a sua saúde e bem estar.
E se este é um desafio em tempos de paz e de estabilidade, pelas razões a que já aludimos, nenhum ambiente é menos amigo do período do que uma crise humanitária. A saúde menstrual tem sido uma componente historicamente negligenciada na resposta humanitária durante conflitos e crises, pois não é considerada crítica para a sobrevivência, enquanto as mulheres e as raparigas se confrontam com a violência, a deslocação e a interrupção de serviços essenciais. O foco em alimentos, medicamentos e abrigo fez com que, durante demasiado tempo, a comunidade internacional não reconhecesse que nestes contextos há pessoas que menstruam. No entanto, não ter acesso a produtos menstruais ou a água potável e instalações sanitárias pode dar origem a condições físicas dolorosas, como infeções reprodutivas e urinárias, e provocar sentimentos de stress e vergonha. Pode também significar que as mulheres e as raparigas não saem dos seus abrigos, não indo à escola e podendo até perder o acesso à ajuda humanitária.
Um pouco por todo o mundo, o UNFPA está no terreno antes, durante e depois das crises; e durante estas para fornecer milhares de kits de dignidade contendo bens essenciais como pensos menstruais e sabão, para que as mulheres e as raparigas possam gerir a sua menstruação em segurança, mesmo quando enfrentam o pior das crises e conflitos. Os kits têm preenchido lacunas críticas de saneamento e higiene em cenários de catástrofe e podem melhorar a mobilidade das mulheres e meninas e a sua capacidade de aceder a outros serviços essenciais.
Num contexto de policrise como o que vivemos, com crises económicas, conflitos e o impacto destruidor dos fenómenos climáticos extremos, é ainda mais urgente normalizar a conversa e a realização do direito à saúde menstrual. Para isso temos que investir em alterar normas sociais, quebrar tabus e capacitar as pessoas com autonomia corporal, para criarmos um mundo que seja amigo do período, desbloqueando benefícios para todas as pessoas, não apenas para mulheres e raparigas.
Claro que isto implica uma série de ações em cadeia tais como tornar a educação menstrual acessível não só às raparigas, mas também aos rapazes e aos homens - isto é crucial para dissipar mitos, promover a compreensão e fomentar ambientes de apoio às pessoas que menstruam; a distribuição gratuita de produtos menstruais tem tido um impacto transformador não apenas no alívio da pobreza menstrual, mas também na garantia da manutenção das meninas na escola e na redução do absentismo laboral; a redução de impostos e taxas dos produtos menstruais tem produzido efeitos semelhantes e que não são negligenciáveis; temos ainda que trabalhar para alcançar a igualdade de género na saúde e desenvolver tratamentos eficazes para as condições menstruais que têm um impacto negativo nas mulheres e nas raparigas, como a síndrome pré-menstrual (SPM). Por exemplo, um estudo da McKinsey estima que a nível mundial, o tratamento eficaz da SPM tem potencial para contribuir com 115 mil milhões de dólares para a economia global. São tremendos os custos humanos e financeiros de diagnósticos tardios por falta de dados desagregados, de formação e recursos dos sistemas de saúde que deixam milhares de adolescentes e mulheres à espera, sem a informação necessária e o tratamento adequado. Os sistemas de saúde também nesta área - ou talvez especialmente nesta área - continuam a falhar às mulheres.
E sabemos como esta área de investigação e desenvolvimento tem sido negligenciada, em financiamento e em atenção - três quartos dos testes clínicos não incluem mulheres e apenas 1% do financiamento em investigação e desenvolvimento é canalizado para áreas da saúde das mulheres. Não nos podemos surpreender com a falta de progresso, podemos sim reivindicar que a saúde de metade das pessoas deste planeta mereça, pelo menos, a mesma atenção que a da outra metade.
E para ser clara, quando falamos de menstruação devemos falar de saúde menstrual e não apenas de higiene para que seja evidente que estamos a falar de direitos e não de comportamentos, de um coletivo e não apenas de pessoas individualmente consideradas. E de uma vez por todas parar de usar termos alternativos que cobrem a conversa de uma vergonha que não tem equivalente em outras realidades que não as que dizem respeito ao corpo das mulheres.
Menstruar com dignidade e em segurança é uma questão de direitos humanos e deve ser tratada como tal para que o potencial de milhões de pessoas possa ser atingido.
Investir na saúde menstrual. Compensa em direitos e é bom para a economia
A mutilação genital feminina viola direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde, à vida, à integridade física e mental e à ausência de tortura. Além disso, essa prática perpetua normas sociais nocivas, que devem ser desafiadas e erradicadas.
Em meados deste ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dizia-nos que o número de pessoas deslocadas à força rondava os 123 milhões; em 2023 cerca de 612 milhões de mulheres e raparigas viviam a menos de 50 quilómetros de pelo menos um dos 170 conflitos armados.
É fundamental que se compreenda que a saúde menstrual é parte integrante da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos e que é um fator determinante para a realização dos direitos humanos das mulheres e das raparigas em toda a sua diversidade.
Quando vemos para além dos números e nos focamos nos direitos, vemos um mundo de possibilidades, vemos um mundo em que cada pessoa realiza o seu potencial.
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