Sábado – Pense por si

Mónica Ferro
Mónica Ferro Diretora do escritório de Londres do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA)
25 de novembro de 2024 às 07:00

16 dias de activismo pelo fim da violência contra as mulheres. Sim, ainda é fundamental

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Edição de 5 a 11 de agosto

Em meados deste ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dizia-nos que o número de pessoas deslocadas à força rondava os 123 milhões;  em 2023 cerca de 612 milhões de mulheres e raparigas viviam a menos de 50 quilómetros de pelo menos um dos 170 conflitos armados.

A 25 de Novembro assinala-se o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres dando início a 16 dias de activismo pelo fim da mesma e culminando no dia 10 de Dezembro com a celebração do dia internacional dos direitos humanos. A ligação é fácil de entender, os direitos das mulheres são direitos humanos e a violência contra as mulheres é a violação mais persistente e universal desses direitos. Não conhece fronteiras, estatuto sócio económico ou outra pertença. E não podemos normalizá-la, tolerá-la, justificá-la e tampouco ignorá-la.

Ao longo destes 16 dias ouvirão muitas mensagens, dezenas de dados e estórias que trarão a violência contra as mulheres até vós de uma forma que vos mostrará a gravidade e persistência do problema e também as várias formas de lhe pôr fim.

Eu peço-vos, em nome do Fundo das Nações Unidas para a População, que pensem também na violência contra as mulheres em situações de crise.

E podemos começar com alguns dados.

Em meados deste ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dizia-nos que o número de pessoas deslocadas à força rondava os 123 milhões;  em 2023 cerca de 612 milhões de mulheres e raparigas viviam a menos de 50 quilómetros de pelo menos um dos 170 conflitos armados, um aumento de 41% desde 2015; uma em cada cinco refugiadas ou mulheres deslocadas em situação de crise humanitária está em risco de ser vítima de violência sexual; de acordo com a OCHA 70% das mulheres são vítimas de violência baseada no género em contextos humanitários - o dobro da taxa de contextos não humanitários; até outubro deste ano, a comunidade internacional terá disponibilizado menos de 20% dos fundos necessários para combater a violência baseada no género; em 2023, 6 milhões de pessoas receberam proteção contra a violência em contextos humanitários com o apoio do UNFPA. O UNFPA também criou 1.000 espaços seguros onde as mulheres e as raparigas podem aceder a serviços de proteção. E uma nova análise de dados divulgada pelo UNFPA e pelo Centro de Monitorização das Deslocações Internas mostra que metade de todas as novas deslocações provocadas por catástrofes naturais em 2023 - ou seja, 13,1 milhões de um total de 26,4 milhões de deslocações - eram mulheres e raparigas, incluindo as que foram deslocadas várias vezes.

No Haiti, cerca de 94% das mulheres e raparigas correm o risco de sofrer violência baseada no género, e quase três quartos (72%) dos incidentes de violência baseada no género são de natureza sexual, cometidos principalmente por membros de gangues. A violência sexual na República Democrática do Congo registou uma escalada acentuada em 2024, com mais de 61 000 casos registados nos primeiros seis meses deste ano - mais 11% em comparação com o mesmo período de 2023. Tendo em consideração a subnotificação da violência de género, o número real de casos é provavelmente muito superior. No Sudão, também se registou um aumento impressionante de 288% no número de sobreviventes de violência com base no género que procuraram serviços de apoio nos primeiros sete meses de 2024 - e estas são apenas as sobreviventes que se apresentaram.

Estes dados servem para pintar uma imagem muito próxima da realidade de milhões de pessoas. E também para chegar a algumas conclusões.

As mulheres e raparigas desenraizadas por conflitos, crises e instabilidade política ou económica enfrentam um risco acrescido de violência baseada no género.

Sabemos que para essas mulheres e raparigas em fuga e à procura de segurança, a ameaça de violência aumenta quando se deslocam. A deslocação aumenta a sua vulnerabilidade a agressões sexuais e físicas, violações, casamentos forçados e infantis, e a múltiplas formas de exploração e abuso sexual.

Viajando muitas vezes sozinhas ou com crianças, as suas viagens são perigosas e as condições de vida precárias: quando existem, os alojamentos são geralmente temporários, sobrelotados e, muitas vezes, inseguros.

Sem as suas redes de segurança, a exploração e o abuso sexual aumentam e muitas mulheres recorrem a estragégias de sobrevivência que as colocam em maior risco; muitas são forçadas a trocar sexo por comida, dinheiro ou uma passagem segura.

Numa altura em que as necessidades das mulheres e das raparigas são mais prementes, o acesso aos serviços diminui.

Como já dissemos, a deslocação abala as estruturas de saúde e de proteção, rompe os sistemas de apoio comunitário e separa as famílias, deixando mulheres e raparigas em risco ou sujeitas a violência. O risco dessa violência representa muitas vezes uma barreira intransponível no acesso aos serviços básicos de sobrevivência, incluindo alimentação, abrigo e cuidados de saúde. O seu impacto na saúde física e mental das sobreviventes é incomensurável e duradouro.

No entanto, a violência baseada no género é um crime muito pouco denunciado e pouco investigado, perpetuado por uma percepcionada impunidade dos agressores. Este facto promove um ambiente de medo e estigma, dificultando o processo de cura das sobreviventes e negando o seu direito de acesso à justiça.

Apesar dos efeitos graves e, por vezes, fatais da violência de género, esta ainda não é considerada uma prioridade suficientemente urgente em tempos de crise.

Os serviços essenciais para as sobreviventes - incluindo cuidados médicos de emergência, apoio psicossocial e abrigos seguros - devem ser financiados e colocados no centro de todas as respostas humanitárias. O financiamento para a violência baseada no género é quase sempre o menos realizado nos planos humanitários.

As mulheres e raparigas devem ser envolvidas na linha da frente das respostas,  no desenho e implementação das mesmas e garantido que são informadas sobre as medidas de prevenção, proteção e resposta de que necessitam.

Não obstante todo o trabalho que fazemos para prevenir, mitigar e responder à violência contra mulheres e raparigas, e do apoio essencial que prestamos – aquilo que gostamos de chamar as sementes da resiliência –,  para pôr fim a esta violência é preciso uma acção coordenada, compromissos internacionais robustos e bem financiados, dados desagregados e a afirmação firme de que a violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos de todas as pessoas.

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