Sábado – Pense por si

Miguel Costa Matos
Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
09 de setembro de 2025 às 07:41

O que é bom não é novo, o que é novo não é bom

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Edição de 2 a 8 de setembro

A redução do número de estudantes a entrar para o ensino superior é, por isso, uma tragédia que importa solucionar.

Há ministros que fazem reformas. E há ministros que desfazem o que estava a ser feito. Nos últimos anos, muito se fez para que ensino superior não seja um “privilégio”, como afirmou o Ministro da Educação. Afinal, este é um direito consagrado constitucionalmente, naturalmente condicionado ao aproveitamento académico. É um caminho de conhecimento e de elevação cultural e cívica dos alunos, de quem lá investiga, mas também do conjunto da sociedade. Cedamos, porém, ao utilitarismo dos tempos: o ensino superior é uma necessidade do país e das suas empresas, que precisam de médicos, engenheiros, professores, economistas, entre outras profissões. Hoje, com a taxa de desemprego próxima do seu mínimo, a procura por pessoal qualificado chegou a setores onde há bem pouco tempo não se encontrava trabalho. A redução do número de estudantes a entrar para o ensino superior é, por isso, uma tragédia que importa solucionar.

 Não fosse o terrível acidente no elevador da Glória (deixo aqui os meus sentimentos aos familiares e amigos dos que faleceram e um sincero reconhecimento às forças de segurança e proteção civil), esta última semana teria sido em grande para Fernando Alexandre. Não é preciso nos entretermos com a novela da Universidade do Porto. Só o “sr. Escuta” saberá o que foi ou não dito nas chamadas telefónicas. Parece claro o despropósito da reação do Ministro à notícia e pouco prudentes as suas diligências no sentido de tentar obter vagas supranumerárias. Muito mais relevante foi a aprovação em Conselho de Ministros da nova proposta de lei de Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior ou os anúncios de terça-feira, à pala de um estudo sobre o nosso modelo de ação social.

Sobre o governo de instituições universitárias, a grande reforma do sr. Ministro pariu um rato. Afinal, tanto no Conselho Geral como na eleição do Reitor, cada corpo (docentes e investigadores, estudantes, pessoal técnico e antigos estudantes) valerá entre 10 e 50%, numa decisão que caberá a uma assembleia de transição. É um sacudir de água do capote que não deixa o Governo menos molhado. Afinal, esta assembleia de transição é composta na sua metade por professores e, além destes, por mais personalidades externas do que estudantes ou pessoal técnico. Logicamente, ela tenderá a beneficiar no cálculo eleitoral esses dois grupos maiores, ilustrando bem uma versão tacanha do ensino superior dominado por docentes ou por figuras externas que vêm salvar “a honra do convento”. Isto, claro, se não vier a suceder o pior que é beneficiar o grupo que, localmente, seja mais instrumentalizável e clientelar. A cobardia do Ministro vai atirar as instituições para um pé-de-guerra que era dispensável e é lamentável.

Também no mesmo Conselho de Ministros foram aprovados 42,5 milhões de euros para celebrar acordos com municípios para alargar a oferta de vagas de educação pré-escolar. O que parece uma boa notícia para as 12.500 famílias a quem falta uma vaga revela uma gestão desastrosa da parte de Fernando Alexandre. Em abril, o Ministério anunciava apoios para o setor privado e social abrirem mais de 200 salas de pré-escolar. Todavia, os concursos só avançaram mesmo em julho. O setor privado apenas correspondeu com 1200 vagas e quatro salas. O concurso para setor social, que se havia queixado de falta de contacto da parte do Ministério, teve de ser prolongado por duas semanas e ainda não se conhecem os seus resultados. Foi assim que, a menos de 2 semanas do início do ano letivo, o Governo, sem qualquer negociação prévia, enviou protocolos aos municípios para abrirem eles salas de pré-escolar. Resta saber como é que o iluminado Professor da Universidade do Minho acha que as autarquias conseguirão cumprir com a contratação pública dos “monoblocos” ou o ajuste de outros contratos, como limpeza ou refeições, neste curto espaço de tempo. Ou, então, simplesmente, porque não se lembrou desta solução antes.

Se estas novidades do Conselho de Ministros passaram despercebidas, e seguramente muito longe de escrutinadas criticamente, o mesmo não se pode dizer do aumento das propinas e do fim da acumulação da sua devolução com o IRS Jovem, como até agora sempre ocorrera. É uma má notícia para os jovens, que se tornam assim nas primeiras vítimas de um Orçamento sem margem. A devolução das propinas valia entre 2 e 5 mil euros, para licenciados e mestres respetivamente. Segundo o Doutor Finanças, este benefício é mais favorável do que o IRS Jovem para salários até 1.680 e 2.482€, consoante o grau que o jovem tenha concluído.

O aumento da propina não é um problema para as famílias pelos 13€ que subirão no próximo ano. Como uma bola de neve, estes aumentos de propina vão-se acumular ano após ano, até que o seu valor seja incomportável para muitas famílias. Já nos mestrados, o Governo optou por voltar a deixar as universidades cobrarem o que quiserem. Anunciar isto no dia em que se apresenta um estudo sobre ação social no ensino superior é uma piada de mau gosto. Fazê-lo ao mesmo tempo que se deixa, impunemente, incumprir a Lei n.º 8/2025, de 5 de fevereiro, que alargava à classe média o apoio ao alojamento é igualmente paradigmático da fragilidade das nossas instituições.

Também aqui o caminho da AD esfuma-se, como areia entre os dedos. O grande estudo da ação social conclui sobretudo (para não dizer apenas) pelo alargamento das bolsas automáticas que a Juventude Socialista aprovou em Orçamentos do Estado desde 2020. Como já havíamos visto na floresta, na água, na economia ou na modernização do Estado, as “grandes reformas” revelam-se minúsculas alterações ao que já existia e já estava a ser feito. Estes novos pacotes servem para esconder o resto: os retrocessos e os impasses de um Governo que está a travar o progresso do país. Já dizia o ditado: com Montenegro, o que é bom não é novo e o que é novo não é bom. Talvez não haja melhor exemplo disso do que no triste e fracassado Ministério de Fernando Alexandre.

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