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Marta Mucznik
Marta Mucznik Analista de Assuntos Europeus no International Crisis Group
23 de outubro de 2024 às 09:16

A Moldova votou, e agora?

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Edição de 5 a 11 de agosto

A diversidade étnica, demográfica e regional da Moldova reflete-se nos atos eleitorais, com populações mais russificadas, conservadoras e céticas em relação à UE de um lado, e outras mais urbanas e pró-ocidentais do outro.

A Moldova foi a votos neste domingo para eleger um Presidente e aprovar um referendo  nacional sobre a adesão à União Europeia, momentos de grande expectativa em Bruxelas.

Maia Sandu, uma das políticas mais respeitadas pelo Ocidente na região, chegou ao poder em 2020 com uma agenda clara: combater a corrupção, consolidar a democracia e reorientar o país para o Ocidente, colocando-o na rota da União Europeia – um objetivo impulsionado pela invasão russa à Ucrânia, que acelerou o processo de candidatura. No início do seu mandato, Maia Sandu manteve uma abordagem pragmática e cautelosa em relação à Rússia, gerindo com pinças a posição estratégica moldava entre o leste e o ocidente europeu. Mas, como avisa o Economist, a guerra na Ucrânia funcionou como um separador de águas: contrariamente a outros países e governos na região, Maia Sandu apoiou a Ucrânia desde o início, juntou-se às sanções contra a Rússia, acolheu milhares de refugiados ucranianos e demonstrou inequivocamente o compromisso do país com a UE.

Desde então, a União Europeia também tem demonstrado um apoio sem precedentes ao país, aprovando avultadas somas de assistência financeira e material para apoiar o governo de Sandu na condução das reformas necessárias para cumprir com as regras da UE, especialmente no que diz respeito ao Estado de Direito, ao combate à desinformação e à interferência externa.

Maia Sandu liderou as eleições presidenciais com cerca de 42,45% dos votos, mas ainda terá de enfrentar uma segunda volta contra o principal partido da oposição pró-Rússia. O seu plano de colocar o país firmemente na rota do Ocidente vingou, embora com um ténue "sim" no referendo sobre a adesão à UE e com grande apoio da diáspora moldava.

Mas os resultados das eleições suscitam preocupações para quem, em Bruxelas, vê a adesão da Moldova à UE como uma questão existencial para a dissuasão da influência russa naquela região do mundo, num contexto de guerra na Europa.

Por um lado, porque pese embora o "sim" tenha vencido, a corrida às urnas e a contagem de votos revelaram uma profunda divisão na opinião pública moldava e uma polarização significativa em relação ao projeto de aderir à UE – além de uma hesitação sobre a futura direção geopolítica do país, uma tendência já observada noutros países da região.

Em segundo lugar, a confirmarem-se as estimativas das autoridades moldavas, os resultados também demonstram a eficácia da 'guerra híbrida' conduzida por forças externas, que recorreram a uma complexa rede de apoio para comprar votos, disseminar notícias falsas sobre a UE e financiar protestos e agitadores anti-UE. Segundo declarações de Maia Sandu estima-se que forças externas tentaram comprar cerca de 300.000 votos.

Em terceiro lugar, revelaram a dificuldade da União Europeia em combater a máquina de desinformação russa e disseminar a sua mensagem para além da elite pró-europeia e pró-ocidental de Chisinau — sobre o que é, de facto, a UE e quais os benefícios da adesão da Moldova para o cidadão comum moldavo.

Para além de um eleitorado dividido, como avisamos num relatório do Crisis Group, publicado recentemente, tensões entre Chisinau e a província separatista da Transnístria, que conta com o apoio russo e a presença de tropas russas no seu território, bem como a região autónoma pró-russa da Gagaúzia, prometem agitar as águas sempre que se dá um passo em direção à UE.

Independentemente dos resultados eleitorais da segunda ronda, antecipa-se um cenário tenso na corrida às eleições parlamentares no próximo ano, pois a Presidente Maia Sandu, se ganhar a segunda volta, precisará, sem dúvida, de uma maioria parlamentar para concretizar o seu objetivo de aproximação ao Ocidente.

No próximo domingo, terão lugar outras eleições igualmente aguardadas pela bolha de Bruxelas, mas desta vez na Geórgia. O partido no poder, Georgian Dream, que parece liderar as sondagens mais recentes, logo após ter recebido o estatuto de candidato, adotou a polémica lei da interferência externa e, mais recentemente a "lei anti-LGBTQI", ambas contrárias aos critérios de adesão e às metas que Tbilisi se comprometeu a cumprir ao receber o estatuto de candidato.

Maia Sandu conseguiu vencer desta vez, mas, à semelhança da Geórgia, partidos pró-russos podem estar à distância de um próximo ato eleitoral para regressarem ao poder. Tanto a Geórgia como a Moldova têm uma diversidade étnica, demográfica e regional que se reflete nos atos eleitorais, com populações mais russificadas, conservadoras e céticas em relação à UE de um lado, e outras mais urbanas e pró-ocidentais do outro. Uma parte da população também prefere manter uma posição de pragmatismo entre os dois polos, sem ter de tomar partido.

É neste cenário que este alargamento deve ser encarado: num contexto de polarização e de confronto de narrativas entre o Ocidente e a Rússia. Sem procurar influenciar os atos eleitorais, Bruxelas terá de repensar a sua estratégia para a adesão destes países à UE, de forma a refletir a realidade no terreno, intensificando o combate à desinformação e melhorando a comunicação — especialmente nas zonas rurais — sobre os benefícios da adesão à UE. Deve também aproveitar o incentivo da adesão para promover a coesão nacional, resistindo à tentação de aprofundar divisões.

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