Mas há algo de novo nesta promessa de alargamento a leste: pela primeira vez, a UE concedeu o estatuto de candidato a um país ativamente em guerra, a Ucrânia, e a outros dois envolvidos em conflitos congelados com interferência russa.
As últimas semanas têm sido atribuladas em Bruxelas, com o rescaldo das eleições europeias, a definição de novas prioridades estratégicas para o próximo mandato, e o arranque da presidência húngara.
Mas neste artigo, quero debruçar-me sobre um tema que temos trabalhado no International Crisis Group e que promete estar na ordem do dia no próximo ciclo político-institucional: como poderá a UE alargar as suas fronteiras em tempos de guerra, a um país em guerra e outros tantos envolvidos em conflitos congelados? O que significa este novo alargamento a leste? O que o distingue dos anteriores?
É já lugar comum dizer que o alargamento é um dos melhores instrumentos de soft power da UE para garantir a paz e segurança junto das suas fronteiras. Essa lógica esteve sempre presente nos sucessivos alargamentos, nomeadamente no Big Bang de 2004, que apoiou a transição pós-comunista para a democracia nos países da Europa Central e de Leste e contribuiu para a reconciliação do Leste com o Ocidente europeu após a queda do Muro de Berlim. O incentivo de adesão também ajudou a promover reformas democráticas nos países dos Balcãs Ocidentais e a conter a escalada de tensões e conflitos étnicos após a desintegração da ex-Jugoslávia.
Mas há algo de novo nesta promessa de alargamento a leste: pela primeira vez, a UE concedeu o estatuto de candidato a um país ativamente em guerra, a Ucrânia, e a outros dois envolvidos em conflitos congelados com interferência russa.
O elemento dos conflitos congelados não é novo na política de alargamento. O Chipre aderiu à União Europeia sem resolver a questão da reunificação da ilha com o Chipre do Norte. A Sérvia é um país candidato e não pode progredir nas negociações de adesão sem avançar na normalização das relações com o Kosovo, cuja independência não reconhece. Há mais exemplos de tensões étnicas e disputas bilaterais nos Balcãs Ocidentais. No entanto, pela primeira vez, os conflitos nos novos países candidatos envolvem um terceiro ator que não é nem país candidato, nem um estado-membro, mas sim um ator com o qual a UE agora se vê em guerra. A dimensão de ameaça existencial que a guerra representa para os europeus é também um novo game changer para a política de alargamento.
Se olharmos para os três candidatos, há muito que os distingue, nomeadamente no progresso que têm feito nas reformas exigidas pela UE. A Geórgia está em risco de paralisar o seu processo de adesão devido à adoção da polémica lei da influência externa que visa restringir a liberdade de expressão e que é totalmente contrária aos princípios da UE.
Mas o que esses países têm em comum é estarem sob ameaça e influência da Rússia nos seus territórios: a Ucrânia enfrenta ativamente a invasão e a ameaça de anexação de parte do seu território; a Geórgia tem parte do seu território sob ocupação russa desde 2008 e dois conflitos com as províncias separatistas de Abkhazia e Ossétia do Sul; e a Moldávia, com as devidas diferenças, vai gerindo um conflito de longa data com uma região separatista, a Transnístria, e recorrentes tensões com a sua região autónoma, a Gagaúzia, ambas pró-russas.
Nestas regiões, a Rússia tem interesse em dividir para reinar, usar a sua influência para perpetuar os conflitos e impedir uma maior integração nas estruturas euro-atlânticas. Este não é um dado novo. A anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, após a Revolução Euromaidan, onde milhares de pessoas protestaram nas ruas de Kiev contra a decisão do então presidente Viktor Yanukovitch de rejeitar o acordo de associação UE-Ucrânia, é um exemplo claro disso. Isto leva a crer que, cada vez mais, Moscovo vê a aproximacao à UE como uma ameaça direta, semelhante à adesão à NATO, as suas ambições na região. Quanto mais os países pós-soviéticos se aproximam da UE, mais o Kremlin procura agitar o descontentamento pró-russo na região.
A discussão torna-se assim muito mais complexa do que as velhas questões técnicas do alargamento: se os países cumprem ou não com as regras exigidas pela UE, se estão a fazer progressos suficientes nas reformas, o impacto orçamental do alargamento ou se a UE está pronta para absorver e acolher estes novos Estados-membros. Estas são questões igualmente importantes, mas ignoram o factor "Russia" e o elemento securitário desta nova expansão. Se o argumento geopolítico se tornou a palavra de ordem para o próximo alargamento, a questão da segurança estará invariavelmente associada.
Isto não significa que o fim da guerra ou dos conflitos deva ser uma pré-condição para a adesão, como se exige, por exemplo, no caso da Sérvia e do Kosovo, onde se requer a normalização das relações como pré-condição para o avanço nas negociações de adesão. Tal não seria viavel no contexto geopolítico atual de guerra e, como avisam representantes da UE – e bem – fazer depender o processo de adesão da resolução de conflitos, neste contexto concreto, seria dar poder de veto à Rússia nos assuntos internos dos países candidatos e da própria União Europeia.
Mas isso não dever dar carta branca para ignorar o elefante na sala: este alargamento e as respectivas negociações de adesão ocorrerão num contexto de guerra na Europa e numa ordem de segurança que promete instabilidade pelo menos num futuro próximo. Significa também que, em última análise, a adesão destes países depende da capacidade da UE para conter a ameaça russa no continente e da sua capacidade de garantir a segurança da Ucrânia, da Moldávia e da Geórgia, bem como da vizinhança a leste, a longo prazo. Ao abrigo do Artigo 42.7 do tratado da UE, a União oferece aos estados-membros uma garantia de defesa mútua semelhante à usufruída pelos aliados da NATO.
Tal significa ainda que dois grandes temas que vão dominar uma parte do trabalho do próximo executivo europeu – o alargamento e a autossuficiência da União Europeia no que diz respeito à seguranca e defesa – são assim indissociáveis e devem progredir a velocidades paralelas. São tempos difíceis e exigentes que se avizinham para o próximo mandato da Comissão Europeia. Um dos principais desafios será a União Europeia coseguir forjar os consensos necessarios para os enfrentar.
A diversidade étnica, demográfica e regional da Moldova reflete-se nos atos eleitorais, com populações mais russificadas, conservadoras e céticas em relação à UE de um lado, e outras mais urbanas e pró-ocidentais do outro.
Mas há algo de novo nesta promessa de alargamento a leste: pela primeira vez, a UE concedeu o estatuto de candidato a um país ativamente em guerra, a Ucrânia, e a outros dois envolvidos em conflitos congelados com interferência russa.
Que Europa teremos se Le Pen ganhar as eleições presidenciais em França em 2027? E se a Le Pen, Viktor Orbán e Giorgia Meloni se juntarem outros lideres com visões semelhantes sobre o futuro da UE?
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