O oficial de justiça, concentrado na elaboração da ata, mordia o lábio para não rir enquanto registava os factos.
Era uma quarta-feira soalheira quando o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa testemunhou uma das audiências prévias mais peculiares da sua história. A Sala 3, habitualmente palco de tentativas de conciliação, estava prestes a transformar-se num cenário digno de uma comédia romântica à portuguesa.
O Juiz António Ferreira, conhecido pela sua seriedade inabalável, ajustou a beca preta e preparou-se para mais um dia de trabalho. Mal sabia ele que este processo iria testar não só a sua capacidade de manter a compostura, mas também a sua resistência ao riso.
"Declaro aberta a audiência prévia", anunciou o juiz, olhando por cima dos seus óculos de meia-lua para os presentes. "María Hernández contra João Santos, tentativa de conciliação referente a alegações de representação linguística fraudulenta."
Na pequena sala de audiências, apenas os intervenientes necessários estavam presentes: a autora, o réu, os respetivos mandatários e o oficial de justiça, que se preparava para elaborar a ata.
María, uma jovem espanhola de Madrid com olhos cor de avelã e um sorriso contagiante, levantou-se após autorização do tribunal. O seu sotaque melodioso encheu a sala quando começou a expor o seu caso:
"Meritíssimo, tudo começou num jantar em casa da Rita e do Miguel. Eram amigos em comum, e fizeram questão de me apresentar ao réu, sabendo que eu era espanhola e estava há pouco tempo em Lisboa."
João, um português de gema com um sorriso matreiro, pediu a palavra através do seu advogado: "Com a devida vénia, Meritíssimo, quando me disseram que havia uma convidada espanhola, achei que era a oportunidade perfeita para praticar o meu... hum... espanhol."
O juiz manteve a compostura profissional: "Senhor Doutor, pode esclarecer a posição do seu constituinte quanto à... peculiar interpretação da língua espanhola?"
O advogado de João, tentando manter a seriedade, começou: "Com a devida vénia, Meritíssimo. O meu constituinte baseia a sua interpretação linguística num conhecimento transmitido pela sua avó Carminda, que..."
João, não resistindo, completou: "Que sempre me disse: 'Joãozinho, para falares espanhol é só meteres los is antes de tudo'. E durante aquele jantar, apliquei esta sabedoria ancestral pedindo 'los vinho tinto' e oferecendo 'los arroz de pato' à autora."
A advogada de María, escondendo um sorriso, continuou: "Com a devida vénia, durante todo o jantar, o réu insistiu em comunicar com a minha constituinte através desta peculiar metodologia linguística. Pediu 'los sal', ofereceu 'los sobremesa', e chegou mesmo a perguntar se ela queria 'los café' no final."
O oficial de justiça, concentrado na elaboração da ata, mordia o lábio para não rir enquanto registava os factos.
"E qual foi a reação dos outros presentes?" inquiriu o juiz, mantendo a postura formal exigida pela magistratura.
"Meritíssimo, se me permite", interveio María após sinal da sua advogada. "Os nossos amigos não conseguiam parar de rir. E eu... bem, achei que era 'los engraçado'. Acabei por me oferecer para lhe ensinar espanhol verdadeiro depois do jantar."
"Las aulas", acrescentou João, após autorização do tribunal, "tornaram-se em mais jantares, que se transformaram em almoços, que acabaram em 'los amor'..."
"Senhor Doutor, agradeço que mantenha o seu constituinte focado nos factos relevantes e consciente de que o espanhol é uma língua distinta, com a sua própria gramática e vocabulário ", advertiu o juiz, embora com um brilho divertido no olhar.
A advogada de María prosseguiu: "Meritíssimo, a nossa pretensão é meramente educacional. Requeremos que o réu frequente aulas de espanhol certificadas."
O mandatário de João levantou-se: "Com a devida vénia, o meu constituinte já se inscreveu no Instituto Cervantes, demonstrando a sua boa-fé na resolução do litígio."
O juiz, após ouvir ambas as partes, pronunciou-se: "Face à manifesta boa-fé do réu e à natureza singular do caso, proponho uma conciliação nos seguintes termos: o réu compromete-se a frequentar as aulas de espanhol e a abster-se de adicionar 'los is' a palavras portuguesas, salvo em contexto estritamente privado e humorístico."
María e João trocaram olhares cúmplices, enquanto os seus advogados confirmavam a aceitação dos termos.
"Fica assim homologada por sentença a transação nos termos acordados", declarou o juiz. "Está encerrada a audiência."
Enquanto recolhiam os documentos, ainda se ouviu João sussurrar para María se ela queria voltar ao restaurante da Rita e do Miguel para comerem "los bacalhau à Brás" para celebrar o acordo.
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, este processo ficou conhecido entre os funcionários como "O Caso do Los Amor", e dizem as más línguas que o próprio juiz, nos momentos mais formais, se esforça para não sorrir quando passa pela casa da Rita e do Miguel, onde tudo começou.
O juiz ouviu com atenção, mas a cadeira traía-o: inclinava-se sempre ligeiramente para a direita, como se forçasse todas as decisões para um dos lados.
Na prática, discutia-se uma máquina de lavar roupa. A filha, Leonor, seis anos, vivia com a mãe, via o pai de quinze em quinze dias e às quartas-feiras à tarde. O pai pedia alteração ao regime para incluir uma noite adicional por semana. A mãe aceitava a alteração, com uma condição: que a roupa voltasse lavada.
A estante continuava no apartamento que partilharam durante anos. Ela saíra há oito meses, depois de uma separação silenciosa, feita de rotinas que deixaram de se sincronizar. Ele ficara. Nenhum dos dois mencionara a estante nos dias da divisão prática. Nem na devolução das chaves. Nem na última mensagem trocada.
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