Sábado – Pense por si

Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
07 de março de 2025 às 07:00

Psicopatia no feminino

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Edição de 26 de agosto a 1 de setembro

A investigação sugere que fatores ambientais, tais como abuso na infância, experiências de vitimação e trauma, estão particularmente associados ao desenvolvimento de traços psicopáticos.

Quando pensamos em pessoas com psicopatia, é invariável que a maioria de nós seja remetida para uma imagem de um homem. Os livros, os filmes e, de mogo geral, os media reforçam a ideia, irrefragável, da figura psicopata masculina. Em função deste fenómeno, há uma tendência para ignorar, ou melhor, não pensar, que este construto pode estar presente em mulheres. E ainda que reconheçamos que a sua incidência é inferior na população feminina, a verdade é que está presente e se expressa, em muitos aspetos, de forma distinta da psicopatia em homens.

Como já houve a oportunidade de explanar no passado, quando abordámos apsicopatia de alto rendimento, definimo-la como uma perturbação pautada por traços interpessoais, afetivos e comportamentais específicos e tendencialmente antissociais, isto é, marcada por uma tendência para a manipulação, frieza e calosidade emocional, ausência de empatia e remorsos, impulsividade e agressividade.

No caso das mulheres, a investigação sugere que fatores ambientais, tais como abuso na infância, experiências de vitimação e trauma, estão particularmente associados ao desenvolvimento de traços psicopáticos. Assim, uma exposição contínua a experiências traumáticas e adversas leva, num primeiro momento, a uma inibição afetiva e, posteriormente, a acumulação destas vivências pode levar à dissociação do ponto de vista afetivo e cognitivo. Se tal ocorre precocemente, a pessoa, ao longo da vida, começa a manifestar afeto limitado e pouca conexão emocional com os outros, aspetos centrais da psicopatia.

Reconhecemos que os principais traços da psicopatia são maioritariamente contrários aos esperados pelos papéis de género femininos tradicionais (e caracterizados, tendencialmente, por traços como a humildade, generosidade e emocionalidade), o que não ocorre, necessariamente, no caso dos homens, cujos papéis de género tradicionais remetem para características como a dominância. Como tal, a existência de traços psicopáticos em mulheres costuma ser mais "estranhada" pelas pessoas em seu redor do que quando ocorre em homens.

No que concerne às diferenças entre géneros, há ainda que esclarecer que o próprio contexto onde estes traços se expressam tendem a ser divergir entre si: enquanto homens com psicopatia têm uma tendência para a exploração e manipulação do outro em contextos sociais diversos (espaços sociais, local de trabalho, contexto militar ou político), as mulheres com esta perturbação habitualmente exibem estas características na esfera familiar ou relacional. Ademais, nas mulheres, os traços de superficialidade, grandiosidade, frieza emocional e

ausência de empatia estão particularmente enfatizados e elas tendem a ser mais irresponsáveis, enquanto progenitoras e a ser fisicamente agressivas em relação aos/às parceiros/as e crianças. Por fim, quando comparadas com os homens com psicopatia, as mulheres com esta perturbação tendem a demonstrar menos problemas de desinibição e impulsividade comportamental, tornando esta perturbação, com efeito, potencialmente difícil de identificar.

Efetivamente, a psicopatia é uma perturbação com o potencial de causar dano social, tornando a intervenção um importante objetivo a ter em mente. Ainda que, tradicionalmente, reinasse a crença de que a psicopatia não é curável, investigação mais recente tem defendido que esta perturbação pode ser intervencionada com sucesso. Como tal, esta terá mais sucesso na redução de comportamentos nocivos e agressivos quando é bem estruturada e caracterizada por:

1. Um foco nos casos de maior risco de agressividade e reincidência criminal.

2. Uma tentativa de minimizar as "necessidades criminogénicas", isto é, que procure minimizar os fatores de risco para o crime ou agressão (como as atitudes positivas em relação ao crime, o abuso de substâncias e a impulsividade).

3. Uma abordagem que maximize o envolvimento das pessoas no próprio processo de intervenção.

A implementação destes programas, facilitados por profissionais empáticos, motivados, respeitadores e formados para trabalhar com estas populações, tem uma probabilidade considerável de reduzir o risco de reincidência, o que é, certamente, imperativo.

A psicopatia não é uma perturbação estritamente masculina e as mulheres não estão imunes de a terem ou de serem também elas agressoras, ainda que se reconheça a sua menor prevalência. A identificação e intervenção da psicopatia são fundamentais para salvaguardar a paz e harmonia social, particularmente quando consideramos as implicações que esta perturbação tem ao nível do bem-estar e saúde, física e psicológica, dos mais próximos de quem dela padece. Procure ajuda. Não está sozinho/a.

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