Sábado – Pense por si

Eurico Reis
Eurico Reis Juiz Desembargador Jubilado
19 de outubro de 2025 às 10:09

Eis que eles, implantes de soberba, já confessam o que realmente querem (parte I)

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E essa gente está carregada de ódio, rancor e desejos de vingança, e não esquecem nem perdoam o medo e a humilhação que aqueles seus familiares (e, em alguns casos, eles próprios, apesar de serem, nessa altura, ainda muito jovens).

Adiante clarificarei quem são os “eles”, mas, antes disso, quero deixar claro que uso propositadamente palavras quase a cair em desuso, a saber, “impantes” e “soberba”, e faço-o porque essas pessoas, apesar de apresentarem uns aparentes laivos de modernidade são do mais reaccionário que se pode conceber.

Aliás, são eles e elas, mas como, repito, essas pessoas são muito tradicionalistas e abominam que sejam usadas as palavras “cidadãos e cidadãs” e outras expressões mencionando os dois sexos (ou géneros) dos seres humanos, vale para elas a velha regra de que, havendo num dado grupo pessoas do sexo feminino e masculino, esse grupo é referenciado pelo género masculino.

Portanto, “eles”.

De igual modo, importa sublinhar que essa gente nem sequer é moderna, mas sim pós-moderna, porque o historicamente designado “pensamento moderno” assentava em juízos, raciocínios e argumentos racionais e em valores civilizacionais, éticos e sociais, alicerçados no cristianismo e no iluminismo racionalista, que estão consagrados em documentos tão essenciais e relevantes como o são a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, anexa ao Tratado de Lisboa (actualmente designado por Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

Ao invés, o pós-modernismo assenta num relativismo ético e moral, na verdade niilista, que justifica e permite todas as perversões daqueles valores civilizacionais que constituem a base fundamental estruturante da Cultura Ocidental e do modo de vida europeu.

E, realmente, é nesse mundo cínico, amoral e anti-ético, que estamos a ser obrigados a viver, um mundo no qual vale tudo (mentir, distorcer os factos e usar todos os meios, incluindo os mais ignóbeis, desumanos e criminosos) para alcançar os objectivos que essas pessoas se propõem atingir, desconsiderando completamente os sofrimentos e outros danos provocados por essa sua miserável e desprezível conduta.

Consultando os dicionários, é possível apurar que “impante” significa “cheio, inchado, o que mostra orgulho ou arrogância” e “soberba” corresponde a “pretensão de superioridade sobre as outras pessoas, altivez e autoconfiança exagerada”.

E é esse o estado de espírito e o comportamento típico “deles”, ou seja, dos familiares próximos e dos descendentes das pessoas que integravam os movimentos políticos reaccionários e fascistas que foram derrotados nos dias 25 de abril e 28 de setembro de 1974 e no dia 11 de março de 1975, e que agora se arrogam do papel de vencedores no dia 25 de novembro de 1975.

E essa gente está carregada de ódio, rancor e desejos de vingança, e não esquecem nem perdoam o medo e a humilhação que aqueles seus familiares (e, em alguns casos, eles próprios, apesar de serem, nessa altura, ainda muito jovens).

Daí que, ao arrepio da verdade histórica e falsificando-a, queiram menorizar tudo o que aconteceu entre 1974 e 1976, incluindo as eleições para a Assembleia Constituinte, que tiveram ligar a 25 de abril de 1975 – as eleições mais livres e universais e até as mais participadas que alguma vez tiveram lugar em Portugal, desde que, após a Revolução de 1820, que nos trouxe, pela primeira vez na nossa história, a Monarquia Constitucional, começaram a existir eleições no nosso país -, para dar aos acontecimentos ocorridos no dia 25 de novembro de 1975 uma dimensão social, política e até cultural que os mesmos nunca tiveram, nem alguma vez irão ter apesar de todos os esforços e do empenhamento desses vencidos que querem convencer-nos que são vencedores, quando manifestamente (e de modo indesmentível) não o são.

E de tal forma não são vencedores que ainda hoje não se atrevem – ou, pelo menos, não se atrevem a fazê-lo em voz alta - a considerar como actos justificados e justificáveis essa tentativa de golpe de estado perpetrada a 11 de março de 1975 pelos à data chamados spinolistas (militares e civis) e, de igual modo, os incontáveis crimes cometidos pela organização terrorista que se identificava como Exército de Libertação de Portugal/Movimento Democrático de Libertação de Portugal (ELP/MDLP).

Mas já se atrevem a confessar outras coisas, muito em concreto, que o “Sistema” que André Ventura ataca e todos os dias põe em causa, é o sistema democrático nascido com os acontecimentos ocorridos a 25 de abril de 1974 - em suma, o sistema democrático que se encontra consagrado na Constituição da República de 1976 -, que o comunismo é igual ao fascismo, que o Bloco de Esquerda é igual ao Chega, que a comunicação social portuguesa segue/obedece aos pontos de vista do Bloco de Esquerda, que, segundo eles e

elas, é uma organização política que “todos odeiam” (e depois fazem piadolas sem graça a propósito da “política de trazer por gaza” e da “flotilha que foi a pique”, que demonstram uma desumanidade sem limites e uma intolerável falta de empatia para com os outros e com o seu sofrimento), que é preciso mudar a Constituição – e muito especialmente, que, como Salazar fez depois da estrondosa campanha eleitoral de Humberto Delgado (que, apesar de tal nunca ter sido reconhecido pelo Estado Novo, foi realmente vitoriosa), não deve ser o Povo a eleger o Presidente da República – e, finalmente, qual cereja no topo do bolo, que o estilo de vida europeu é económica e financeiramente inviável.

É obra.

Vamos por partes.

Para as pessoas minimamente atentas ao que se passa à sua volta, era há já muito tempo claro e muito óbvio que André Ventura não gosta da Democracia e do Estado de Direito – nem dos direitos humanos universais -, mas isso ser reconhecido publicamente por um conhecido ideólogo dessa área política, constitui um inegável salto lógico e político da maior importância.

Apesar do indesmentível revés autárquico, que não confirmou, bem pelo contrário, o fim do bipartidarismo em Portugal que foi amplamente anunciado após a eleição dos deputados à Assembleia da República, o Chega de André Ventura e os seus diversos correligionários pensam realmente que a sua tomada do poder está para breve e já se comportam como “donos disto tudo” (ou, para já, donos dos organismos do Estado).

Pode ser que, como nos ensina a sabedoria popular, “eles estejam a ir com demasiada sede ao pote”. Vai ser interessante (terrível e perigoso, mas interessante) ver como se irá comportar o Chega nas três Câmaras Municipais cujas presidências conquistou, muito particularmente na de Albufeira.

Vamos estar cá para ver, esperando eu que não nos iremos deixar embalar pela vitimização que esses eleitos pelo Chega vão assumir quando tudo começar a falhar, porque vai falhar mesmo (“eu só não faço e aconteço porque os outros não me deixam”).

Só um reparo: porque será que tão pouco se discute (e tanto se ignora e/ou se esconde) que o número de Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia presididas por cidadãos e cidadãs independentes é largamente superior às detidas pela CDU (PC e PEV) e pelo CDS/PP e muito mais ainda aquelas em que o Chega obteve a maioria?

Com todo o cuidado que decorre da circunstância de eu não conhecer os programas eleitorais dessas listas de independentes, arrisco afirmar – porque essa é a minha convicção profunda – que é, de longe, preferível para a sustentabilidade e a consolidação da Democracia e do Estado de Direito e para a salvaguarda do exercício efectivo dos direitos humanos universais, votar nessas listas de independentes do que fazê-lo, numa atitude irresponsável e perigosa, nos nomes propostos pelo Chega.

Mas, insisto, por que razão se obscurece tanto esse resultado eleitoral crescentemente favorável aos candidatos e candidatas que se apresentam a escrutínio livres da tutela dos directórios partidários? Vale a pena meditar sobre o assunto.

Tal como vale a pena meditar, com maior fôlego acerca da questão da invocada necessidade de proceder a uma revisão constitucional e também a da eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal como acontece actualmente, ou passar a ser por um Colégio Eleitoral como passou a ser feito durante a ditadura do Estado Novo após o descalabro para o regime de então que significou a candidatura de Humberto Delgado.

E, de igual modo, urge discutir se o estilo de vida europeu é realmente - ou não - económica e financeiramente inviável.

E, uma vez mais, é necessário proceder a esse debate com a maior seriedade e profundidade. O que significa que não irei alinhar argumentos aqui e agora.

Ainda assim, não posso deixar de recordar que, actualmente, aparece dinheiro, quase como por magia, para tantas coisas e actividades que são alheias e adversas a esse estilo de vida europeu, que só muito remotamente se assemelha ao denominado “american way of life”.

Restam os ataques ferozes ao Bloco de Esquerda e a Mariana Mortágua, e que, muito curiosamente, deixam de fora o Livre e Rui Tavares, que, sendo diferentes, como soí dizer-se, “navegam pelas mesmas águas” que os dois inicialmente mencionados, sendo que, o que é profundamente irónico, aqueles que atacam o Bloco e a sua dirigente máxima, ultimamente tecem os maiores elogios e são tão extraordinariamente laudatórios para com o PC e os seus candidatos.

Já referi que, em minha opinião, as campanhas dirigidas contra Mariana Mortágua mais não são do que inequívocos actos de misoginia e homofobia, e quem as difunde colabora com o que de mais cobarde, vil e ignóbil existe na sociedade portuguesa.

E, para além disso, essas campanhas, profissionalmente orquestradas e servidas por meios invejáveis, demonstram, o que aqui reafirmo com a maior veemência, uma desumanidade sem limites e uma intolerável falta de empatia para com os outros e com o seu sofrimento.

O que é visceralmente anti-cristão, por muito que essa gente se afirme ser cristã e até católica.

Para os mais esquecidos e para os que não sabem e nunca o souberam, relembro estes versículos da Bíblia: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste” (Mateus, 25:40).

Mas não pode ser só isso. A ferocidade é deveras intensa, febril e desproporcionada.

E é aqui que é indispensável voltar aos tempos de PREC (Processo Revolucionário Em Curso) e ao 25 de novembro de 1975, mas também às origens do Bloco de Esquerda.

Como dizem os franceses, a suivre …

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