A Constituição aprovada a 2 de abril de 1976 constitui, como, aliás, todas as suas congéneres, um pacto social. O texto da Lei Fundamental é produto das tensões entre as forças político-sociais que se afirmaram no período de dois anos que mediou entre a Revolução de Abril e o término dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Ainda se sentia no ar a comoção face aos resultados eleitorais quando a Iniciativa Liberal alimentou a combustão com a promessa de dar início a um processo de revisão constitucional. Esta será, na história da democracia portuguesa, a primeira revisão constitucional cuja aprovação não depende do acordo entre os dois partidos do centro tradicional – PS e PSD. Com efeito, dispõe a Constituição de 1976 que as alterações ao respetivo texto devem ser aprovadas por maioria de 2/3 dos deputados em funções, detida, depois de domingo, pelo PSD, Chega e IL.
A Constituição aprovada a 2 de abril de 1976 constitui, como, aliás, todas as suas congéneres, um pacto social. O texto da Lei Fundamental é produto das tensões entre as forças político-sociais que se afirmaram no período de dois anos que mediou entre a Revolução de Abril e o término dos trabalhos da Assembleia Constituinte. Consiste, por isso, num projeto de sociedade formado a partir das concessões mútuas dos movimentos e ideologias no terreno durante o longo abril. Nela é reconhecida a propriedade privada ao lado do direito de autogestão e de constituição de cooperativas e da propriedade pública. É consagrado um amplo catálogo de direitos civis e políticos, de pendor liberal, mas também um ambicioso catálogo de direitos económicos, sociais e culturais. Reconhece-se aos partidos políticos a função de organizar e expressar a vontade popular, mas também se assume a missão de realizar a democracia económica, social e cultural, por via da implementação de mecanismos de democracia participativa. Por todo o texto constitucional há, portanto, vestígios e fragmentos de uma pluralidade de mundivisões e projetos de organização social. A Constituição, enquanto todo unitário, é o produto das confluências e antinomias entre essas diversas conceções.
Desta forma, a Constituição é mais do que um instrumento jurídico de valor paramétrico superior – é um documento histórico; um projeto utópico; um artefacto do espírito nacional. O que não significa, sublinhe-se, que esta ou qualquer outra constituição mereça ser sacralizada. Aliás, não faltam exemplos do quão pernicioso pode ser o fetichismo constitucional. Basta considerar o exemplo dos EUA, cuja Constituição, com mais de 200 anos, continua a ser canonizada. Não deixa de causar perplexidade observar as cambalhotas intelectuais em que se envolvem os americanos para conseguir extrair de um texto oitocentista respostas para problemas do séc. XXI. Para qualquer sociedade que conheça os tumultos da História, é evidente que nenhum texto deve vincular, ad eternum, as gerações presentes às opções das gerações passadas.
Todavia, é importante reconhecer a específica natureza da Lei Fundamental. Não se trata de um mero diploma normativo, mas antes do símbolo do tipo de sociedade que um dia pretendemos construir, perpassado, como não pode deixar de ser, pela história dos conflitos sociais e políticos que permitiram chegar ao pacto vertido em texto.
É a esta luz que deve ser considerado o processo de revisão constitucional anunciado pela IL. Podemos ter uma ideia das propostas que serão avançadas pelos partidos a partir dos projetos apresentados em 2022, no quadro do processo de revisão então aberto pelo Chega. Os projetos submetidos pelos partidos que agora constituem a maioria de direita (PSD, IL e Chega) representam
uma alteração substancial ao texto fundamental, não se limitando a meros arranjos estéticos. Com efeito, as alterações propostas, em particular pela IL e pelo Chega, implicam, em certa medida, uma subversão do projeto de sociedade e do pacto social vertidos na Constituição de 1976. Nos termos acima expedidos, não há nada de intrinsecamente errado com isso; os textos constitucionais não são pétreos. No entanto, convém alguma clarividência sobre o que esta revisão constitucional (ao contrário da maioria das anteriores) representa: uma alteração profunda do projeto de sociedade que os portugueses escolheram para si, bem como a recusa de uma certa história da luta social que construiu o Portugal que hoje conhecemos.
A obsessão quase frenética dos partidos à direita com a eliminação da referência ao "caminho para uma sociedade socialista" do preâmbulo da Constituição denota, a dois tempos, o menosprezo e a recusa da história "de baixo", dos movimentos sociopolíticos que deram origem à democracia portuguesa. Conforme notado acima, a Constituição também é um documento histórico, sobretudo no que concerne o preâmbulo, que não produz efeitos jurídico-vinculativos. A tal referência nunca obstou (desde o momento de aprovação da Lei Fundamental) ao reconhecimento da propriedade e da iniciativa económica privadas. Constitui, por isso, como sempre constituiu, um elemento simbólico e histórico, que não justifica a fixação particular da Iniciativa Liberal, a não ser que o objetivo dessa fixação seja operar um apagamento da história da nossa democracia e refundar o regime.
Quanto às alterações materiais ao texto constitucional, tanto o projeto da IL como o projeto do Chega assumem uma particularidade interessante: ambas visam viabilizar medidas que os partidos vêm defendendo mesmo sabendo serem inconstitucionais. Pense-se, desde logo, na proposta de alteração dos preceitos que qualificam o sistema nacional de saúde e a rede de ensino como serviços públicos universais. A Constituição sempre reconheceu tanto os serviços de saúde como os estabelecimentos de ensino dos setores privado e social. O que está em causa, por isso, é eliminar o caráter universal dos serviços públicos. Ademais, considere-se a proposta de eliminação da referência à função de redução das desigualdades sociais dos impostos sobre o rendimento. Por fim, recordem-se as propostas de introdução no texto constitucional da castração química e da prisão perpétua.
A revisão constitucional anunciada não deve, portanto, ser encarada com leviandade. Pode ser este o momento em que, por fim, o projeto de Abril dá o seu último suspiro.
A Constituição aprovada a 2 de abril de 1976 constitui, como, aliás, todas as suas congéneres, um pacto social. O texto da Lei Fundamental é produto das tensões entre as forças político-sociais que se afirmaram no período de dois anos que mediou entre a Revolução de Abril e o término dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
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