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Rui Maciel
Rui Maciel Economista
17 de junho de 2024 às 10:57

Eleições Europeias: Uma viragem à direita do eleitorado português?

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As sondagens, mais uma vez, falharam (pelo menos da maneira como foram apresentadas pela Comunicação Social). Quer a Católica, Aximage e Intercampus falharam sempre de alguma maneira. Entre os erros mais comuns estão a sobrestimação do Chega, do Livre e do PAN.

A Europa continua viva em Portugal. Os partidos assumidamente pró-europeus elegeram 17 deputados em 21 (8 do PS, 7 da AD e da 2 da IL) em contraste com os partidos anti-europeus (2 Chega e 1 CDU) e com os partidos eurocríticos (1 BE). Para todos os europeístas convictos este é um ótimo resultado.

Estas eleições refletem os sentimentos dos portugueses. De acordo com dados do Eurobarómetro, 66,1% deposita confiança no Parlamento Europeu, em contraste com os 38,3% na Assembleia da República. Isso não quer dizer, no entanto, que mesmo com essa confiança isso se traduza em votos. A abstenção nas europeias continua bastante alta (63,6%) em contraste com as legislativas (33,8%), quase metade do valor.

Fazendo uma relação entre estes números, podemos dizer que esta abstenção pode dever-se exatamente ao facto de estar tudo bem na relação dos portugueses com a Europa. Por outro lado, a mais típica explicação é que os portugueses sentem que estas eleições não têm tanto impacto como as legislativas, o que para mim não faz tanto sentido, tendo em conta os dados do Eurobarómetro.

É importante antes dos resultados, falar novamente nas sondagens. As sondagens, mais uma vez, falharam (pelo menos da maneira como foram apresentadas pela Comunicação Social). Quer a Católica, Aximage e Intercampus falharam sempre de alguma maneira. Entre os erros mais comuns estão a sobrestimação do Chega, do Livre e do PAN. No caso do primeiro, julgo que as sondagens andam às aranhas porque o voto neste partido é tão volátil que não sabem o que hão de fazer. Em relação aos outros dois, as suas percentagens são tão pequenas que poderão defender-se que estão dentro dos intervalos de confiança, contudo, não capturaram principalmente a queda abrupta do PAN. Por outro lado, todas as empresas subestimaram a CDU. Aproveito novamente este facto à posteriori para voltar a relembrar, as sondagens são boas a capturar tendências. No resto, são espuma dos dias.

Nos resultados, a surpresa está na subida geral do eleitorado de direita em Portugal. A esquerda teve um resultado historicamente pobre,não observado desde 1999. Desde aí tem elegido pelo menos 3 deputados, chegando inclusive a 5 em 2009. O resultado à direita é, por outro lado histórico. A AD teve os mesmos 7 de 2019 (6 do PSD+1 do CDS), contudo subiu cerca de 300 mil votos a nível nacional. A IL teve um crescimento surpreendente, tendo 2 deputados, tal como o Chega. Se dividirmos de acordo com esta ótica, temos 9 deputados de esquerda e 12 à direita.Este é o pior resultado da esquerda portuguesa desde 1987(as primeiras europeias em Portugal), em que elegeu o mesmo número de deputados.

Este não é só um fenómeno português. Em França, embora a aliança do Partido Socialista tenha subido, o centro esquerda não chega a 15%. Na Alemanha, na qual é poder, ficou atrás inclusive da AfD (principalmente por causa dos resultados da Alemanha de leste). Os partidos do grupo dos sociais democratas europeus (o grupo político de centro esquerda do Parlamento Europeu), perderam 13 representantes (de 149 para 136), enquanto, para referência, os dos centro direita aumentaram 14 (de 174 para 188). Por fim, se somássemos os partidos pertencentes ao antigo grupo da extrema direita, estes teriam aumentado a sua representação em 18 deputados (de 115 para 133).

Este é só mais um sintoma da falha da terceira via encetada pelos partidos de centro esquerda europeus nos anos 90 e pela visão um pouco wokista (no sentido perjurativo do termo) dos partidos mais à esquerda desde aí. A literatura sobre este assunto (em livros como a "A Tirania do Mérito" ou o "O Regresso a Reims") explica como a dissociação da classe trabalhadora em relação aos partidos de esquerda e as suas respetivas viragens ao centro deixaram para trás e sem representação as partes da sociedade com menos meios económicos. Neste momento, esse descontentamento e falta de representação é aproveitada pela direita radical para criar ódio.

A Alemanha de Leste que fora governada pela ditadura comunista é agora bastião de uma direita anti-semita, racista, ea favor de coisas como deportação em massa de pessoas(onde é que já se ouviu isto, não é?). Será com o extremar das coisas, o centro-direita será a resposta dos eleitores? Para mim, ficam as dúvidas, mas de uma coisa tenho a certeza, se a esquerda continuar adormecida, mais focada em questões identitárias do que em económicas, podemos ter a certeza que o eleitorado continuará a virar à direita.

Recomendações:

Dois álbuns de música portuguesa:Subida Infinitade Capitão Fausto e Se eu Acordarde João Não e Lil Noon.

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