Sábado – Pense por si

João Carlos Barradas
João Carlos Barradas
04 de outubro de 2025 às 10:00

A guerra híbrida e a degeneração interna

Por incúria, má-fé, incompetência ou irresponsabilidade institucional o estado português dá o flanco e é assim que se caminha para a desgraça em todas as guerras.

Putin descarta qualquer responsabilidade nos recorrentes incidentes com drones em países da NATO, mas as suas provocações militares dissimuladas são apenas uma das frentes na guerra híbrida que explora conflitos políticos no campo inimigo.  

Violações do espaço aéreo da Estónia por caças MiG-31, incursões de drones na Polónia, múltiplos incidentes com aparelhos de origem não-identificada em aeroportos e instalações militares da Dinamarca e Alemanha ou sabotagens de cabos submarinos testam a eficácia dos sistemas de defesa da NATO e a sua determinação política. 

Os incêndios e explosões suspeitas em empresas ou infraestruturas europeias ligadas a fornecimentos militares à Ucrânia – tidas como equivalentes a ataques similares de Kiiv na Rússia com apoio operacional da NATO – passaram, tal como ciberataques, a ser também encarados como actos de guerra híbrida.  

Esta combinação de espionagem, sabotagem e propaganda ideológica associa-se a acções de confronto bélico como as que estão em curso na Ucrânia e/ou à eventual preparação de ofensivas militares.   

Uma operação de guerra híbrida é frequentemente concebida para possibilitar o desmentido de responsabilidade.  

Vladimir Putin, por exemplo, assim o fez esta semana, ao negar envolvimento nos incidentes com drones. 

«São, quase de certeza, actos de residentes locais», aventou. 

Gracejou, ainda, ao afirmar não pensar em lançar drones sobre a França e a Dinamarca.  

Ironizou, declarando não ter sequer drones capazes de alcançar Lisboa e nem muito menos alvos na capital portuguesa.   

Incursões e incidentes no espaço aéreo europeu alarmarem os aliados europeus ante a sua incapacidade defensiva contra ataques de drones e acentuaram dúvidas quanto ao real empenhamento de Washington em caso de escalada de conflito. 

Para Moscovo, contudo, a eventual luz verde de Trump à Ucrânia para uso de mísseis de longo alcance norte-americanos contra a Rússia e a possibilidade da União Europeia expropriar 200?mil milhões de euros do banco central da Rússia, congelados desde 2022 na empresa belga de transações, administração e custódia de activos financeiros «Euroclear», são, conjunturalmente, motivos mais do que suficientes para intensificar a guerra híbrida ante o impasse militar na Ucrânia.  

Muito mais persistente é, todavia, a campanha de Moscovo de subversão ideológica que visa minar a confiança e/ou adesão de determinados 

grupos da população a princípios constitucionais democráticos, propagandeando valores alternativos. 

Aposta-se aqui em propaganda de pendor autoritário, recorre-se à manipulação da contestação libertária de instituições representativas e ao estado de direito, mobilizam-se as fúrias dos universos de integrismo religioso, racista, xenófobo. 

O ódio e a animosidade                     

Evoca-se com frequência a definição clássica de Carl von Clausewitz de que a guerra é «acto de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade». 

Esquece-se, todavia, que o general prussiano destacava na sua teorização, com a experiência das guerras dos séculos XVIII e XIX, o papel essencial da mobilização ideológica do povo contra o inimigo.  

Contingências e arte militar subordinada à razão política regem, igualmente, o «acto de violência» que é a guerra, constituindo, assim, «uma trindade em que se encontra primeiro que tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade que é preciso considerar como um cego impulso natural». 

Levar às últimas consequências estes princípios definidos por Clausewitz é algo a não ignorar quando se envereda por estratégias de guerra assimétrica. 

O regime autocrático de Moscovo, assente na censura e controlo da emissão e circulação de informação, joga, precisamente, na subversão ideológica dos sistemas democráticos, por definição, sujeitos à livre expressão de vontades políticas e interesses contraditórios.   

Divulgar informação falsa, ampliar e/ou deturpar notícias e eventos que possam resultar em prejuízo do inimigo, são o dia-a-dia na guerra ideológica, mas para regimes democráticos o verdadeiro problema reside nas suas próprias incongruências, disfunções e, sobretudo, no aviltamento por incúria, má-fé, incompetência ou irresponsabilidade institucional dos princípios do estado de direito. 

 O flanco português                     

Em Portugal fracassos de estratégias de desenvolvimento sustentável e de diminuição das desigualdades sociais têm levado a impasses de consequências políticas potencialmente perigosas para o próprio regime democrático. 

No cadastro da última semana podem assinalar-se, à laia de exemplo, a revelação de um lapso nos procedimentos do Ministério dos Negócios Estrangeiros que permitiu a escala, em Abril, nos Açores, de três caças F-35 norte-americanos adquiridos por Israel.  

O desacerto entre Ministérios da Defesa e Negócios Estrangeiros levou à violação do embargo em vigor à venda de armas e passagem pelo território nacional de material militar para Israel. 

Será, pois, caso de incúria ou incompetência. 

Do obscuro mundo da justiça veio à luz, por sua vez, coisa bem pior. 

O Ministério Público arquivou um processo-crime «a 20 de Março do ano passado, após cerca de três anos de uma investigação que terá devassado a vida financeira, fiscal e pessoal de Ivo Rosa», segundo a CNN. 

Denúncia anónima ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal e à Polícia Judiciária suscitou o inquérito ao juiz, em 2021, «por suspeita da prática de, entre outros crimes, corrupção, peculato e branqueamento de capitais», revelou o jornalista António José Vilela na sequência de investigações similares desenvolvidas anteriormente na revista SÁBADO.   

Sem nunca chegar ao conhecimento do suspeito, que estava então a finalizar a decisão da instrução da «Operação Marquês», os autos acabaram arquivados?a 24 de Julho de 2024, na ausência de «qualquer sorte de credibilidade» da denúncia. 

O inquérito ainda nem sequer foi destruído apesar de ter terminado a 16 de Fevereiro deste ano o prazo de «eliminação de inquéritos» conforme determinado por lei. 

Aguardam-se explicações. 

Já no Tribunal Constitucional há a assinalar, depois da renúncia a 24 de Setembro do vice-presidente Gonçalo Almeida Ribeiro, idêntica decisão por parte do juiz conselheiro?José Teles Pereira que também ultrapassara os nove anos de mandato. 

Na Assembleia da República não há de momento acordo político para uma maioria de dois terços eleger três juízes do Tribunal Constitucional – a juíza Joana Fernandes Costa também aguarda substituição – que fica assim reduzido a onze membros. 

Disfunção política em vésperas de eleições autárquicas priva o estado de direito de um Tribunal Constitucional a funcionar com o pleno do colégio de juízes. 

Por incúria, má-fé, incompetência ou irresponsabilidade institucional o estado português dá o flanco e é assim que se caminha para a desgraça em todas as guerras.  

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