Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
28 de maio de 2025 às 08:56

Os espiões eleitos

A ação russa não vai parar apenas porque queremos que ela pare. Vai sempre tentar influenciar as nossas Democracias e Instituições. E enquanto Fidias é um veículo para espalhar a sua mensagem no Parlamento Europeu, certamente Portugal também irá ter os seus veículos.

Fidias Panayiotou, eurodeputado independente eleito pelo Chipre mas mais
conhecido por ser youtuber e uma celebridade do mundo online, decidiu aceitar um convite
russo e voar até Moscovo para a parada militar de celebração do fim da segunda guerra
mundial, o Dia da Vitória. Em plena guerra e conflito entre Ucrânia e Rússia, uma pequena
delegação do parlamento europeu recebeu e aceitou este convite, do qual este jovem
cipriota fazia parte. Nesta delegação iam também membros de partidos pró-Rússia da
Alemanha e da Eslováquia. Tudo isto ganha ainda mais importância se seguirmos os seus
passos nos últimos meses e percebermos o seu objectivo. É que esta visita é mesmo
precedida por um voto muito controverso no Parlamento Europeu, onde foi apenas um de
três eurodeputados que votaram contra uma moção que apelava ao retorno das crianças
ucranianas que foram deportadas pela Rússia durante o conflito. Tudo isto porque, na sua
opinião, essas crianças se encontravam bem. Afirmou ainda que algumas dessas crianças
poderiam mesmo preferir permanecer na Rússia.

Recuando um pouco à ascensão de Fidias, começou pelas redes sociais e invadiu
sobretudo os ecrãs dos jovens cipriotas nos últimos anos, tendo por ídolo o Elon Musk.
Chegou mesmo a efetivar contactos e a receber elogios do grande líder sul-africano. Desde
que foi eleito eurodeputado, assumiu uma postura de "transparência" para com o seu
eleitorado, e explica todas as suas decisões, votos e opiniões em vídeos dentro do edifício
do Parlamento Europeu, colocando mesmo a votação nas suas redes algumas das
decisões mais importantes do seu mandato, como foi por exemplo a de se devia registar em
algum grupo parlamentar ou não. Apesar de ele próprio ser a favor de se juntar aos verdes
europeus (que desastre seria), a votação deu mesmo como resultado com uma
esmagadora maioria ser "não-inscrito". A partir desse momento foi vocal no conflito entre a
Rússia e Ucrânia enquanto criticava a postura e a dualidade da diplomacia da União
Europeia. Partindo de críticas válidas, rapidamente se transformou no eco da
desinformação russa e um soldado de Elon Musk no ataque à União Europeia.
Recentemente tem procurado apontar um caminho novo diplomático, que envolve sentar
todos à mesa para negociar a paz, parando a exportação de armas europeias e americanas
para a defesa da Ucrânia, num discurso tão semelhante à CDU cá em Portugal. A
deslocação de Fidias e de outros eurodeputados num dia tão simbólico à Rússia não foi
diplomacia, foi um sinal e uma declaração de lealdade. Mais do que isso, é a prova de como
em todas as nossas instituições e na sociedade acabamos por ter estes agentes de
desestabilização cujo objectivo é o ataque à nossa democracia e direitos humanos. Estes
agentes são legitimados pelo voto popular, visto que Fidias conseguiu perto de 7% dos
votos no seu país, não sendo impossível capitalizar ainda mais com o seu sucesso digital.
Daqui devemos tirar 2 lições: Portugal, tal como em todos os outros assuntos, não
estará imune a estes fenómenos de popularidade digital com consequências nefastas para
a nossa Democracia. Imaginemos, portanto, um Numeiro ou Milhão desta vida, com o seu
dinheiro e plataforma digital e que decide intrometer-se na vida política do nosso país. Já
vimos isso recentemente com anúncios contra os direitos humanos no horário do
prime-time. Devemos reforçar ao máximo a literacia digital e proteger sobretudo a geração
mais nova destes discursos machistas, violentos e perigosos que todos os dias nos chegam
pelos algoritmos, muitas vezes sem o desejarmos. Em segundo, perceber que a ameaça
russa não é apenas militar e circunscrita à Ucrânia ou leste da Europa. Vimos também a
notícia desta semana que um casal espião foi apanhado no Porto a tentar estabelecer uma
vida. A ação russa não vai parar apenas porque queremos que ela pare. Vai sempre tentar
influenciar as nossas Democracias e Instituições. E enquanto Fidias é um veículo para
espalhar a sua mensagem no Parlamento Europeu, certamente Portugal também irá ter os
seus veículos. Saibamos antecipar e proteger a nossa sociedade.
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