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Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
20 de setembro de 2024 às 07:44

Portugal ou Eucaliptal?

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Edição de 5 a 11 de agosto

Precisamente por esta dicotomia, o debate público foi criando um tabu em torno deste tema, pois os benefícios económicos eram demasiado grandes, ao ponto ofuscarem a importância da devastação dos solos, perda de biodiversidade e qualidade de vida das populações.

No meio do caos climático que surge por todo o mundo, Portugal enfrenta, mais uma vez, uma tragédia devido aos incêndios devastadores que assombraram o país na última semana. A paisagem verde dominada por eucaliptos um pouco de norte a sul, foi substituída por chamas e labaredas cor-de-laranja, trazendo consigo desespero, destruição e o sofrimento das populações.

O eucalipto é um velho arqui-inimigo das florestas portuguesas, não pela espécie em si, mas pela maneira como esta tem sido gerida. Foi trazido da Austrália para Portugal durante o século XIX e por aí foi ficando e ganhando progressivamente espaço na floresta nacional. Carateriza-se por ser altamente inflamável, de rápido crescimento e fácil propagação, sendo por isso altamente atrativo para a indústria da celulose, que tem lucrado com a sua proliferação ano após ano.

Os cidadãos portugueses começaram a revoltar-se no final dos anos 80, para travar a propagação desta árvore que temiam que se tornasse a principal monocultura portuguesa. A corrida ao "ouro verde" prometia trazer a aceleração que a economia nacional precisava, pelas suas aplicações várias e alta rentabilidade. No entanto, consigo traria também a possibilidade de incêndios e o empobrecimento dos solos e das populações circundantes, e era esse o maior medo dos revoltosos. Precisamente por esta dicotomia, o debate público foi criando um tabu em torno deste tema, pois os benefícios económicos eram demasiado grandes, ao ponto ofuscarem a importância da devastação dos solos, perda de biodiversidade e qualidade de vida das populações.

Anos volvidos, as profecias da população transmontana revelar-se-iam autêntico conhecimento popular. De facto, o eucalipto passou a ser um dos principais responsáveis pelo alastrar dos incêndios florestais e substituiu outras tantas culturas que caraterizavam a paisagem portuguesa, tornando-se em 2015 a principal espécie arbórea em território nacional, ocupando 26,2% da área florestal.

As empresas da celulose tornaram-se das mais poderosas na economia portuguesa e Portugal conseguiu tornar-se um dos países do mundo com mais área de eucaliptos no seu território. Os interesses capitalistas e a procura por ganhos financeiros de curto prazo dominaram a floresta portuguesa, sobrepondo-se a todos os outros interesses ambientais e sociais que compõem a tríade do desenvolvimento sustentável. E esta indústria tornou-se uma porta giratória, permitindo que políticos de diferentes governos atendessem aos interesses económicos para garantir novos cargos após a carreira política. Desta forma, o eucalipto, ou gasoline tree, como lhe chamam os australianos, mesmo sendo a árvore mais afetada pela área ardida permanece impune.

As medidas do anterior governo para responder à tragédia de Pedrógão Grande em 2017 não foram suficientes para reverter esta situação e as novas medidas do Conselho de Ministros Extraordinário desta semana não ousam endereçar o problema da espécie tabu, continuando cúmplices da destruição social e ambiental que esta tem vindo a causar.

O jardim à beira-mar plantado, de seu nome Portugal, talvez devesse ser chamado de Eucaliptal, para refletir a predominância da espécie e honrar a indústria que cegamente tem protegido. E se, até agora, a classe política não foi capaz de resolver os problemas que esta espécie propagou, talvez só mesmo o poder popular o consiga fazer novamente.

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