Abdicar do direito a votar – e, portanto, de manifestar a opinião própria acerca do estado do país – parece-me um comportamento muito impróprio.
Por causa do dia da sua publicação, estive quase para não escrever este texto.
Este Domingo é dia de votação para a eleição dos órgãos autárquicos do país e, sendo proibidas todas as formas de propaganda eleitoral, não queria que este escrito pudesse ser entendido como uma violação dessa proibição.
É que a vida já me ensinou que a sabedoria popular está carregada de razão quando afirma que “Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.
Porém, ouvi a mensagem do Senhor Presidente da República apelando ao voto e cheguei à conclusão que é minha obrigação pessoal, enquanto cidadão, juntar-me a esse apelo.
E, para me inspirar, ouvi uma canção recente (de 2022) de Chico Buarque, um cantautor brasileiro que eu adoro há décadas - enfim, chamar cantautor a este verdadeiro Homem do Renascimento, sinceramente, é muitíssimo pouco. Mas adiante.
Essa canção tem por título “Que tal um samba?” e os primeiros versos rezam assim (e cito só estes):
“Um samba.
Que tal um samba?
Puxar um samba, que tal?”.
Portanto, tomando como mote estas palavras tão simples, eu pergunto:
Votar. Que tal votar? Ir votar, porque não?
Confesso que, por tudo o que passei ao longo da minha vida, me custa muito – mas mesmo muito - aceitar níveis de abstenção tão elevados como os que estão a acontecer em Portugal. Não é que eu não perceba as razões que levam tantos portugueses e portuguesas a não votar, mas, muito sinceramente, a abstenção é a pior das escolhas entre aquelas que se oferecem aos eleitores e às eleitoras.
Enfim, para os que têm essa escolha, porque as limitações ao direito a votar são demasiadas para o meu gosto. Mas, como diz o Povo, isso são outros quinhentos, sendo que este assunto merece uma abordagem mais extensa do que aquela que aqui hoje quero fazer.
Voltando ao assunto, são muitas as minhas razões para votar.
E sempre votei, desde o dia em que o fiz pela primeira, nessa data maravilhosa que foi o 25 de abril de 1975, o dia da eleição da Assembleia Constituinte.
Essa foi a eleição mais livre e democrática que Portugal alguma vez teve nos quase 900 anos de história do país como Estado independente (que se irão completar em 2043).
Pela primeira vez, puderam votar todos os portugueses e portuguesas com mais de 18 anos de idade, independentemente do seu sexo (ou género, se preferirem), da sua situação social e do grau de ensino que frequentaram ou não frequentaram – ou seja, também aos analfabetos e às analfabetas, que eram e são cidadãos e cidadãs de pleno direito, como todos e todas os e as demais, foi reconhecido o direito a votar e a ser eleito. E o mesmo aconteceu – e continua a acontecer – com as mulheres que, até ao dia 25 de abril de 1974, sempre foram consideradas pessoas menores sob o ponto de vista legal, social e económico.
Sempre, isto é, quer durante o período do Estado Novo e o da Monarquia Constitucional, inaugurada com a Revolução de 1820, o que não é surpreendente, mas, de igual modo, o que, à partida, não seria expectável (ou melhor, não deveria sê-lo), tal ocorreu durante a 1ª República, que, nessa matéria, foi completamente desastrosa, incumprindo as promessas de liberdade e igualdade que havia feito antes de 5 de outubro de 1910.
O que significa que essa igualdade no direito ao voto e no direito a ser eleito que a todos e a todas (homens e mulheres, ricos e pobres, analfabetos e letrados) foi reconhecido com o 25 de Abril (de 1974) e que, posteriormente, teve plena consagração na Constituição da República Portuguesa de 1976, aprovada a 2 de abril de 1976, não foi uma benesse concedida a súbditos, mas sim uma conquista alcançada por cidadãos e cidadãs.
Uma conquista alicerçada em décadas de luta, sofrimento e da morte de incontáveis gerações de portugueses e portuguesas.
E toda essa gente merece o nosso respeito. E merece que não deixemos perder, por inércia ou por qualquer outra razão, algo que foi tão arduamente conquistado.
Repare-se que votar numa lista não é a única opção possível.
Efectivamente, é possível votar em branco ou assumir um voto nulo, que são maneiras válidas, livres e democráticas de exprimir um descontentamento com os candidatos e candidatas que se apresentam a sufrágio.
Abdicar do direito a votar – e, portanto, de manifestar a opinião própria acerca do estado do país – é que, lamento afirmá-lo, me parece um comportamento muito impróprio.
Claro que existem outras formas legítimas e legais de participação cívica na vida da Comunidade, mas perder uma oportunidade de escolher quem vai ocupar os cargos do Estado, sinceramente, é verdadeiramente um desperdício.
Até porque não é certo e seguro que o direito de voto existirá sempre.
Na verdade, na esmagadora maioria dos países do Mundo, eleições livres e democráticas é uma coisa que puramente não existe – sendo que não refiro exemplos concretos exactamente por causa das eleições que vão ter lugar em Portugal neste dia 12 de outubro.
Ainda assim, posso recordar que existem outros casos em que pessoas ou organizações políticas que acederam ao poder através de eleições livres e mais ou menos democráticas, logo a seguir, extinguiram esse direito.
E não é preciso remontar às décadas de 1920 e 1930 na Europa.
Como já referi num anterior destes meus escritos (“Os despojos de Abril” - texto n.º 18), em 25 de janeiro de 2006, no âmbito do projecto de reconhecimento internacional do Estado Palestiniano, foram realizadas eleições em Gaza, na Cijordânia e em Jerusalém Oriental, com vista a eleger os 132 membros do Conselho Legislativo da Palestina (CLP), órgão legislativo da Autoridade Nacional Palestina (ANP), criada pelos Acordos de Oslo de 1993, eleições essas, que foram consideradas pelos observadores internacionais "competitivas e genuinamente democráticas" - e foram mesmo -, e nas quais o Hamas alcançou a vitória, conquistando 74 assentos no CLP, tendo o Fatah eleito apenas 45 deputados.
E nunca mais houve eleições.
E situações semelhantes aconteceram um pouco por todo o lado (novamente, não refiro exemplos por hoje ser o dia que é).
Em suma, que tal ir votar?
Especialmente porque a participação nesta votação se justifica ainda mais por estar em causa a composição dos órgãos autárquicos do país. Hoje vamos escolher o presidente ou a presidente da nossa Câmara Municipal, os membros da Assembleia Municipal do nosso Município e os membros da Assembleia da nossa freguesia, logo, o presidente ou a presidente da nossa Junta de Freguesia.
Será que queremos mesmo deixar só nas mãos de outros a escolha dessas pessoas?
Eu vou votar. Eu vou fazer a minha escolha.
Por favor, façam o mesmo. É para vosso bem. É para o bem de todos.
Campanhas dirigidas contra Mariana Mortágua mais não são do que inequívocos actos de misoginia e homofobia, e quem as difunde colabora com o que de mais cobarde, vil e ignóbil existe na sociedade portuguesa.
A sordidez da vida política tem-se acentuado de uma forma tão ignominiosa que não consigo deixar de tomar posição acerca dessa baixeza que se está a tornar “o novo normal” dos terríveis tempos que estamos a viver.
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