Sábado – Pense por si

Eurico Reis
Eurico Reis Juiz Desembargador Jubilado
23 de novembro de 2025 às 08:10

Os despojos de Abril - eu sou um dos derrotados do 25 de novembro. E não tenho vergonha disso (parte II)

Nunca na minha vida votei no PCP (ou nas coligações através das quais esse partido se apresenta a eleições) e não me passa pela cabeça que alguma vez o venha a fazer.

Logo, é, portanto, certo e seguro que não irei votar em António Filipe.

O que não significa que eu não o considere uma pessoa séria e isso é algo que não pode ser afirmado quanto a alguns outros candidatos ao cargo de Presidente da República que se apresentam ao sufrágio que se vai concretizar no próximo dia 18 de janeiro. Acontece simplesmente que não concordo com o essencial das suas ideias e das propostas que apresenta ao país (e que são as ideias e as propostas do PCP).

Não obstante, considero muito importante a resposta que ele deu no debate que manteve com Marques Mendes quando este último o interpelou acerca do 25 de novembro de 1975, afirmando que que o PCP foi um dos derrotados desse dia. E a resposta foi, recordo, “o PCP manteve-se no governo após essa data e aqueles que agora tanto se empenham emcomemorar o 25 de Novembro são aqueles que, então, queriam ilegalizar o PCP”.

E isso é mesmo uma verdade indiscutível.

Claro que, se essas pessoas tivessem pertencido ao grupo dos vencedores, não teria sido o PCP o único partido a ser ilegalizado, pois outros (os de esquerda radical, vulgo esquerdistas) também o seriam, e, muito provavelmente, muita gente seria presa única e simplesmente por ser militante ou simpatizante dessas organizações políticas ilegalizadas.

Ou seja, aqueles que actualmente tanto se empenham em reescrever a História e tanto idolatram o 25 de novembro de 1975, procurando diminuir a importância e o significadodo 25 de abril de 1974, fazem igualmente parte do grupo dos derrotados desse 25 de Novembro. Ou mais exactamente, são os herdeiros pessoais e políticos desse grupo de pessoas cuja participação nesse golpe militar foi, aliás, mínima ou nula.

E, embora outros tenham igualmente beneficiado dessa vitória, os verdadeiros vencedores foram, no campo militar, o chamado Grupo dos Nove e os seus aliados, nos quais se destacava António Ramalho Eanes, e, no campo civil, Mário Soares e o Partido Socialista.

Por outro lado, alguém que deveria ser também lembrado, por ser inegavelmente uma peça chave nos acontecimentos que se desenrolaram nos dias 25 e 26 de novembro de1975, quiçá uma das mais relevantes, é o então Presidente da República Francisco da Costa Gomes.

Sem ele, não sei o que poderia ter acontecido nesses dias conturbados. Mas sei que não teria sido coisa boa.

Porém, e não apenas para os arrivistas que agora tanto se empenham em glorificar um 25 de Novembro que em boa verdade não existiu nos moldes que eles querem redesenhar, é como se Francisco da Costa Gomes nunca tivesse existido.

Vindo deles, esse apagamento não me surpreende. O que me causa algum espanto (mas, realmente, não é um espanto muito grande) é que os outros vencedores desses dois dias que mudaram Portugal – porque Francisco da Costa Gomes foi um dos vencedores desses acontecimentos – colaborem no apagamento dessa figura histórica muito peculiar.

E, isso sim, é muito significativo.

Há realmente muito que está por contar acerca do 25 de Novembro.

E, muito particularmente, ainda um dia se irá saber qual o papel que o PCP teve no bem pouco lógico levantamento militar dos paraquedistas que desencadeou a resposta dirigida por António Ramalho Eanes, e no posterior recuo desses militares revoltosos, aparentemente tão inexplicável e ilógico como aquele inicial avanço. Saber oficialmente, esclareço, porque algumas pessoas já se manifestaram publicamenteacerca dessa participação do PCP nessas movimentações (sublevação inicial e posterior recuo) dos paraquedistas.

Certo e seguro é que esses acontecimentos, que puseram fim ao PREC (processo revolucionário em curso), serviram lindamente para eliminar politicamente (mas não fisicamente) os militares identificados com o PCP e com os partidos e organizações ditas esquerdistas, muito particularmente Otelo Saraiva de Carvalho e os dirigentes do COPCON e da 5ª Divisão, circunstância que diminuiu significativamente a influência dessas organizações de extrema-esquerda na tomada de decisões respeitantes àgovernação de Portugal.

Militares esses e organizações essas que não desencadearam qualquer golpe e se limitaram a assistir ao que se estava a desenrolar perante os seus olhos (por exemplo,Otelo Saraiva de Carvalho esteve incomunicável durante a maior parte desse tempo, o que paralisou totalmente as unidades pertencentes ao COPCON por ele encabeçado).

Claro que a influência do PCP também diminuiu fortemente, mas não tenho dúvidas quea eliminação política dos militares ligados aos esquerdistas (que serem foram considerados pelo PCP como um “inimigo principal”), foi um motivo de agrado para os dirigentes desse partido.

Em todo o caso, o que esses acontecimentos e bem assim tudo o que se passou no período do PREC (que apenas durou entre 11 de março e 25 de novembro de 1975 e durante o qual foram realizados feitos magníficos de que pouco se fala actualmente), inequivocamente demonstram é que as pessoas que fazem parte dessa Esquerda que hoje em dia voltou a perder peso institucional (o Bloco de Esquerda é o legítimo herdeiro dessa área política que Otelo Saraiva de Carvalho representou na primeira vez que se candidatou à Presidência da República), não estavam preparadas para governar.

Lamentavelmente, continuam a não estar.

Temos ainda muito para aprender e o pior de tudo é que temos de o fazer num momento em que os inimigos da Democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos têm um apoio popular que essa Esquerda derrotada no 25 de Novembro agora não tem.

O que, por muito que muitos afirmem o contrário, não é, de todo, bom para o país e paraos portugueses e as portuguesas.

Eurico Reis

Juiz Desembargador Jubilado

Presidente da Direcção da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória(NAM)

Vice-presidente da Direcção da Liga Portuguesa dos Direitos Humanos - Civitas (LPDH-C)

Ex-presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA)

Mais crónicas do autor
16 de novembro de 2025 às 08:11

Eu sou um dos derrotados do 25 de novembro. E não tenho vergonha disso (Parte I)

António Ramalho Eanes, general e Presidente da República, com a sua assinalável sabedoria e enorme bom-senso, disse que essa é uma data que deve ser assinalada e recordada, mas não comemorada.

09 de novembro de 2025 às 08:28

Dia internacional contra o fascismo e o anti-semitismo

Os actuais charlatões, que agora até já se atrevem a afirmar que Portugal precisa de “três Salazares”, têm antecessores e antecedentes muito antigos.

02 de novembro de 2025 às 10:23

Sim, Ventura e o Chega têm mesmo de cumprir a lei porque Portugal não é uma Chegolândia

Ora acontece que, infelizmente, as instituições do Estado, ao seu mais alto nível, são as primeiras a prevaricar.

26 de outubro de 2025 às 10:49

Eis que eles, impantes de soberba, já confessam o que realmente querem (parte II)

André Ventura disse finalmente aquilo que há tanto tempo ansiava: “Não era preciso um Salazar, eram precisos três para pôr o país em ordem”. Resta saber se esse salazarista conhece a fábula da rã que queria ser grande como um boi.

Mostrar mais crónicas