Médicos, professores e ativistas pelos direitos humanos têm questionado as questões éticas referentes à medida e alertam para o aumento da "discriminação, sofrimento e medo” entre migrantes.
A Suécia quer que os funcionários públicos sejam obrigados a denunciar pessoas sem documentos às autoridades. A proposta, conhecida como "lei do delator", remonta a 2022 mas está cada vez mais próxima de se tornar uma realidade e médicos, assistentes sociais e outros funcionários públicos têm alertado para a necessidade da proteção dos direitos humanos.
Em 2022, um acordo entre quatro partidos de direita, onde esta proposta se encontrava, abriu caminho para um governo de coligação entre três partidos de centro-direita que contam ainda com o apoio parlamentar do partido nacionalista e conservador Democratas Suecos (DS).
O DS pretende tornar o país num dos mais hostis da Europa no que toca à imigração e tem trabalhado para tornar a proposta em lei. Já foi estabelecida uma comissão, instruída pelo governo, para apresentar uma proposta de redação da lei que deverá apresentar as suas conclusões até ao final de novembro.
Se a lei for imposta cerca de um milhão de trabalhadores podem ser forçados a denunciar qualquer contacto com pessoas indocumentadas, pelo que vários defensores dos direitos humanos e associações profissionais já se posicionaram contra. Consideram que este tipo de medidas pode ter efeitos colaterais, criando hesitações em colocar as crianças no sistema de ensino ou de lhes dar acesso a cuidados de saúde.
A Associação Médica Sueca já se posicionou contra a lei. A sua presidente, Sofia Rydgren Stale, por exemplo, afirmou que se tornou médica "para ajudar as pessoas, não para monitorizá-las e denunciá-las". A associação acredita que as denúncias são contrárias às regras e princípios de ética profissional que são exigidas aos médicos e que os pacientes não podem ser discriminados, além disso existe a preocupação de que "muitas pessoas não procurem atendimento médico por medo de serem denunciadas".
Em maio o conselho de ética profissional fundado por dois sindicatos de professores também levantou dúvidas: "Se a proposta se tornar uma realidade pode levar à existência de problemas éticos tão sérios para os professores que a nossa conclusão é que a desobediência civil pode ser a única saída razoável".
A ideia é também contestada por mais de 90% dos bibliotecários, segundo Anna Troberg, porta-voz do sindicato: "Muitos dizem preferir perder os seus empregos do que denunciar os necessitados. Se o governo sueco avançar com esta lei, os bibliotecários vão manter-se do lado certo da história. Em última análise, esta é uma questão de confiança, humanidade e democracia".
Michele LeVoy, da Plataforma para a Cooperação Internacional sobre Migrantes Indocumentados, considera que "esta é uma proposta completamente desumana": "As pessoas vão ficar aterrorizadas. Em todos os lugares onde as obrigações de denunciar pessoas sem documentos foram aplicadas, o resultado foi mais discriminação, sofrimento e medo", garante.
Para a porta-voz esta é uma medida que faz parte de uma tendência crescente na Europa de criminalizar a solidariedade para com as pessoas indocumentadas. Também o governo finlandês está a considerar expandir a obrigatoriedade de denunciar pessoas indocumentadas e na Alemanha vários assistentes sociais têm lutado contra essas obrigações nas últimas duas décadas.
Em vários países europeus, como é o caso do Reino Unido, têm sido tomadas medidas na última década para limitar o acesso ao trabalho, benefícios sociais, contas bancárias ou até cartas de condução, dificultando o acesso legal à residência, reforça Michele LeVoy.
Jacob Lind, investigador em migração internacional na Universidade de Malmo, considerou que esta medida não vai limitar o número de migrantes indocumentados no país, mas sim deixar esta comunidade "mais na miséria": "A sociedade terá ainda menos contacto com as pessoas que estão nessa situação, aumentando ainda mais a sua vulnerabilidade e tornando-as ainda mais exploráveis".
O governo sueco já garantiu que a comissão está a avaliar se o dever de fornecer informações entra em conflito com os valores profissionais, nomeadamente na área da saúde. A ministra da migração Maria Malmer Stenergard já garantiu que "para que a regulamentação seja legalmente sólida e não resulte em consequências irracionais para os indivíduos, cercas situações podem precisar de ser isentas".
A ministra defende que os relatórios de denúncia têm um papel fundamental no apoio à imigração legal ao permitir que o estado deporte com mais eficiência os indivíduos a quem não foi concedido o direito ao asilo: "Infelizmente, muitos permanecem no país e tornam-se uma parte crescente da sociedade paralela. Em tais situações, o dever de fornecer informações ajuda a manter as decisões do governo e não corrói a confiança, muito pelo contrário".
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Num mundo incerto e em permanente mudança, onde a globalização e a tecnologia redefinem o modo de conceber e fazer justiça, as associações e sindicatos de magistrados são mais do que estruturas representativas. São essenciais à vitalidade da democracia.
Só espero que, tal como aconteceu em 2019, os portugueses e as portuguesas punam severamente aqueles e aquelas que, cinicamente e com um total desrespeito pela dor e o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares dos falecidos, assumem essas atitudes indignas e repulsivas.