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Rússia quer mudar regras de uso de armas nucleares

Débora Calheiros Lourenço 03 de setembro de 2024 às 07:00

Ministro russo diz que trabalhos estão "num grau avançado", mas não é claro quais serão as alterações, motivadas pela guerra na Ucrânia.

A Rússia não descarta fazer mudanças às regras que determinam o uso de armas nucleares. Vladimir Putin já referiu que a chamada doutrina nuclear é "um instrumento vivo" que pode mudar, e no domingo dia 1 de agosto, o ministro dos Negócios Estrangeiros confirmou que os trabalhos estão em curso: "Está num grau avançado, e há uma intenção clara de fazer correções", confirmou Sergei Ryabkov, e essas alterações estão "relacionadas com a escalada em curso dos adversários ocidentais" relativamente à ofensiva na Ucrânia. 

Sputnik/Aleksey Babushkin/Kremlin via REUTERS

A atual doutrina militar russa foi definida pelo presidente Vladimir Putin em junho de 2020, ainda antes do início da guerra na Ucrânia. Num documento de seis páginas, é estabelecido que "a Federação Russa reserva-se o direito de utilizar armas nucleares em resposta ao uso de armas nucleares e outros tipos de armas de destruição em massa contra ela ou os seus aliados, bem como no caso de agressão contra a Federação Russa usando armas convencionais, quando a própria existência do estado tiver sido colocada sob ameaça".  

Um dos grandes problemas do documento é que não define explicitamente quais são as situações em que a existência do estado russo está "sob ameaça", o que permitiu a Putin aludir à utilização de armas nucleares para impedir a resposta ocidental ao envio de tropas para a Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Este parece ser o culminar de uma discussão pública sobre a necessidade de alterar a doutrina militar, que decorreu durante cerca de um ano e que se intensificou depois de o presidente francês Emmanuel Macron ter levantado a possibilidade, posteriormente descartada pelos parceiros da NATO, de enviar tropas para a Ucrânia. 

O cientista político russo Sergei Karaganov, que foi conselheiro dos presidentes Boris Yeltsin e Vladimir Putin, partilhou que a Rússia deverá querer reduzir o limite para a utilização de armas nucleares, de forma a "conter, assustar e acalmar os opositores", tendo como principal alvo os países que fornecem apoio militar à Ucrânia.  

Em junho de 2023, Sergei Karaganov já tinha alertado que "após 75 anos de relativa paz, as pessoas esqueceram os horrores da guerra e até pararam de temer armas nucleares, esse é um medo que precisa de ser reavivado". Durante o Fórum Económico de São Petersburgo, realizado a 7 de junho, Putin defendeu que a Rússia não precisava de utilizar armas nucleares para garantir a sua vitória, mas garantiu que a doutrina nuclear é um "instrumento vivo" que pode ser alterado. 

O cientista político considera fundamental que os inimigos da Rússia estejam conscientes de que Moscovo está preparada para um ataque nuclear preventivo e limitado, se fosse necessário. Contudo, crê que apenas um "louco" na Casa Branca responderia a um ataque nuclear lançado pela Rússia na Europa, uma vez que isso desencadearia um ataque nuclear aos Estados Unidos. 

Também Nikolai Sokov, ex-diplomata russo especialista no controlo de armas, defendeu uma atualização da doutrina de armamento para que o Ocidente "não se esqueça da existência de armas nucleares" e que seja "muito, muito cuidadoso". Ainda assim o especialista referiu que a Rússia não deverá anunciar publicamente o teor das mudanças que vai realizar.  

Diminuir os critérios para a utilização de armas nucleares pode criar tensões com países normalmente mais alinhados com a Rússia, como é o caso da China, Índia ou do Brasil, mas manter a nova doutrina em segredo pode ser o suficiente para espalhar a dúvida pelo Ocidente. Apesar de não ser possível prever quais os próximos passos da Rússia, a realidade é que já foram posicionados mísseis nucleares táticos na Bielorrússia, onde também estão a ser realizados exercícios para praticar o lançamento dos mesmos.  

O risco de uma guerra nuclear é o que tem dissuadido os Estados Unidos e os seus aliados da NATO de enviarem tropas para o Ucrânia, no entanto o apoio militar tem vindo a aumentar através do fornecimento de tanques, mísseis de longo alcance e caças F-16. 

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