Sábado – Pense por si

"Ressurrection": a nova série que prova que Dexter não sabe morrer

Três anos depois de "New Blood", Michael C. Hall volta ao papel do famoso serial killer. A nova série, disponível na SkyShowtime, prolonga a vida do protagonista. Mas valerá a pena?

Capa da Sábado Edição 16 a 22 de setembro
Leia a revista
Em versão ePaper
Ler agora
Edição de 16 a 22 de setembro
'Ressurrection': a nova série que prova que Dexter não sabe morrer
Tiago Neto 17 de setembro de 2025 às 18:00
Dexter Morgan regressa em 'Resurrection' na SkyShowtime, após os eventos de 'New Blood'
Dexter Morgan regressa em "Resurrection" na SkyShowtime, após os eventos de "New Blood" SkyShowtime

Há personagens que nunca morrem verdadeiramente — ou porque regressam à memória coletiva ou porque a sua sombra insiste em caminhar ao nosso lado. Dexter Morgan é um desses casos. Conhecemo-lo no distante ano de 2006, numa criação de James Manos Jr.: o estranho, introvertido e dedicado analista forense que, rapidamente, percebemos transformar-se no implacável justiceiro noturno de Miami.

Aposta forte da Showtime americana - numa altura em que a grelha da plataforma de streaming nos dava também Erva (2005-2012), Californication (2007-2014) e Os Tudors (2007-2010) -, foi surpresa que pareceu colar-se ao público como a roupa num dia quente da cidade que lhe serviu de cenário. A história tinha tanto de brutal como de confortável, uma receita apetecível para os apetites dos espectadores do início da década de 2000. Afinal, uma figura que se encarrega de transformar assassinos, traficantes e violadores em vítimas é, no mínimo, tónico de curiosidade.

Na base está uma psicopatia convertida em prol do bem comum. Dexter Morgan (brilhantemente desempenhado por Michael C. Hall, então já com uma nomeação aos prémios Emmy por Sete Palmos de Terra), que testemunhou o assassinato da mãe enquanto criança e que foi adotado pelo polícia que o salvou, percebeu cedo que tinha um pendor violento adormecido. O pai, Harry Morgan (James Remar), é quem o protege e ensina a matar sem deixar rasto, um "código" que Morgan cita ao longo de quase toda a série original, que o mantém são e lhe traz clareza. Está descrita a receita do quase sucesso dos 96 episódios. Ou quase porque, como em todas as produções que se alongam, nem tudo funcionou.

Em 2021, entrámos numa nova era. O saudosismo engoliu Hollywood e, entre remakes, prequelas, sequelas e todas as outras formas de reciclagem de ideias, nasceu Dexter: New Blood, reboot da série, desta feita por mão de Clyde Phillips (produtor executivo e supervisor criativo da anterior). O medo e a dúvida eram palpáveis, ainda que o elenco justificasse a atenção, e a história acabou por coser dignamente com o passado, um cometa raro quando comparado com outras experiências - é impossível esquecer os ofensivos remakes de O Justiceiro (2008-2009), MacGyver (2016-2021) ou Magnum P.I. (2018-2024).

Dexter: New Blood conseguiu, contudo, sobreviver à expetativa de público e crítica e, temporada após temporada, cimentou-se como um bom exemplo daquilo que pode ser feito quando o produto importa (o mesmo não pode ser dito sobre True Detective, mas foquemo-nos no que importa - e na plataforma em questão). A série, de apenas dez episódios, atingiu o nervo de quem precisava do regresso de Morgan a qualquer custo e de quem queria perceber qual a direção criativa dos novos rumos. Resultado final: uma missão bem-sucedida na criação de burburinho para espremer e torcer toda a criatividade possível. The show must go on foi o lema, mesmo que para isso fosse preciso matar o protagonista. Ou será que não morreu?

Angel Batista (David Zayas) também regressa a este universo
Angel Batista (David Zayas) também regressa a este universo SkyShowtime

Como o povo é quem mais ordena, e a guerra de plataformas não o é sem sangue, suor e lágrimas, eis que em 2024 o mesmo Clyde Phillips acelerou a fundo para liderar o projeto Dexter: Original Sin. Um pecado nada original na epopeia televisiva, que procurou dar ao público um vislumbre de como Morgan se havia tornado um assassino em série, via prequela.

Acontece que neste pequeno hiato sem Dexter Morgan, de 2022 a 2024, a Showtime falhou em compreender que o pecado original não era a falta de ideias, mas a gula de gerar um projeto que não se suportava a si próprio. Dez episódios, narrados por Hall, mas encabeçados por Patrick Gibson, acabaram como uma dormência temporária, ponte para o que estaria para vir em 2025.

Realocado o talento dos guionistas para um novo projeto, depois do cancelamento da segunda temporada de Original Sin, nasceu Dexter: Resurrection, disponível desde dia 12 deste mês de setembro na SkyShowtime. Michael C. Hall regressa assim ao lugar que parecia perdido no final de New Blood e, com isso, surge a pergunta: o que resta de um homem que já se despediu do mundo?

Esta temporada responde com um pulso sombrio e por vezes febril: resta a obsessão, a necessidade, a inescapável dualidade de viver com um monstro dentro de si e... a criatividade de quem escreve a história para trazer Morgan da segunda morte anunciada. Ignorando o insulto à inteligência do público, o show seguiu mesmo, e é possível tirar proveito disso.

Em Nova Iorque, Dexter enfrenta novos inimigos mas leva consigo a identidade obscura
Em Nova Iorque, Dexter enfrenta novos inimigos mas leva consigo a identidade obscura SkyShowtime

Dexter sobreviveu, afinal, ao disparo do filho Harrison (Jack Alcott), numa cena que parecia ter selado o destino de ambos, e acordou para um vazio que lhe é insuportável: o desaparecimento do miúdo. O enredo transfere-se para Nova Iorque, metrópole que espelha o caos interior do protagonista, feita de multidões anónimas, becos escuros e possibilidades infinitas de fuga. É nesse labirinto urbano que Dexter procura sinais de Harrison, ao mesmo tempo que enfrenta novos inimigos, fantasmas antigos e a sua própria incapacidade de deixar de matar.

Falemos de algo concreto. A Beating Heart… e Camera Shy, os dois primeiros episódios, funcionam como um despertar lento, um regresso que é, ao mesmo tempo, físico e espiritual. No arranque, Dexter emerge de um coma de dez semanas, sobrevivente improvável ao disparo do filho. O corpo vacila, mas é a mente que mais treme; alucinações trazem de volta figuras do passado, como Harry Morgan ou o Trinity Killer (John Lithgow, um dos grandes antagonistas da série original), lembrando-o de que as suas feridas nunca cicatrizaram. Mais do que simples fantasmas, são ecos daquilo que o define — a culpa, o instinto, o código que insiste em manter.

A ausência de Harrison pesa como uma condenação. O filho fugiu logo após o disparo, desapareceu de Iron Lake e não deixou rasto. É a procura que lança Morgan em direção a Nova Iorque, cenário de ruas apinhadas e becos clandestinos, onde a multidão parece servir-lhe o anonimato necessário.

O segundo episódio amplia este quadro. Harrison é mostrado na cidade, sustenta uma normalidade frágil. Trabalha num hotel e procura um quotidiano que se esfarela a partir das memórias que carrega. Ao mesmo tempo, surge uma nova ameaça: um assassino em série que ataca motoristas de rideshare, um piscar de olho ao que Dexter chama o seu passageiro sombrio, isto é, o seu lado obscuro. Para investigar, infiltra-se nesse universo, aceitando trabalho como motorista e regressando, inevitavelmente, ao ciclo de caça que parecia ter deixado para trás.

Depois do disparo contra Dexter, Harrison acaba em em Nova Iorque na nova temporada
Depois do disparo contra Dexter, Harrison acaba em em Nova Iorque na nova temporada SkyShowtime

Entre os fios narrativos, surgem reencontros que prometem tensão acrescida. Angel Batista (David Zayas) reaparece como braço da lei, trazendo consigo perguntas que ficaram por responder. Nova Iorque, por sua vez, torna-se não apenas palco, mas metáfora: cidade em que o passado e o presente colidem, uma semelhança inegável com a história que conhecemos de Miami.

Ao lado de Hall e Alcott surge James Remar, o genuíno Harry Morgan, que aqui regressa ao papel de pai de Dexter. Em contraste, a atrizUma Thurman, cuja presença como Charley impõe novas camadas de ambiguidade ao enredo, é uma das grandes novidades, bem como Peter Dinklage (Game of Thrones), que confere gravidade a uma narrativa que equilibra a violência física com o duelo psicológico.

Clyde Phillips também regressa mas à liderança criativa, garantindo que a série reencontra o fio que a tornou singular: o choque entre banalidade quotidiana e vertigem do macabro, desta feita sem pecados ou prequelas ou atropelos.

Se a série original explorava o dilema ético de um assassino em série que só eliminava criminosos, e New Blood ensaiava um fecho catártico, Resurrection prefere abrir novas feridas. A relação com Harrison, sempre em suspenso, torna-se motor de uma narrativa de sobrevivência, mas também de negação. Dexter não procura apenas o filho, procura a possibilidade de acreditar que ainda é pai, que ainda pode ser humano, adicionando-lhe camadas cuja existência havíamos destapado apenas levemente.

Por isso, Dexter: Resurrection não é apenas a continuação de uma história, mas a encarnação daquilo que o próprio título anuncia. É a ressurreição de alguém que nunca foi capaz de desaparecer, quer da série, quer da cabeça de quem acompanhou os primeiros passos da epopeia. E neste retorno, de 11 episódios, há algo de quase mítico, como se o público precisasse de manter acesa a chama do homem que, por mais terrível que seja, continua a ser também um reflexo da nossa própria humanidade.

Artigos Relacionados
A Newsletter Na Revista no seu e-mail
Conheça em primeira mão os destaques da revista que irá sair em banca. (Enviada semanalmente)