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Batalha pela aquisição da Warner Bros. reacende tensões entre streaming, poder económico e influência política

A disputa entre Netflix e Paramount envolve financiamento ligado ao genro de Donald Trump e reforça o escrutínio político sobre a maior operação mediática da década.

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Edição de 9 a 15 de dezembro
Batalha pela aquisição da Warner Bros. reacende tensões entre streaming, poder económico e influência política
Tiago Neto 10 de dezembro de 2025 às 07:00
Em resposta à oferta da Netflix, a Paramount avançou para a compra da Warner, abrindo uma guerra comercial
Em resposta à oferta da Netflix, a Paramount avançou para a compra da Warner, abrindo uma guerra comercial Fernando Gutierrez-Juarez/Picture-Alliance/DPA/AP

Na passada sexta-feira, 5 de dezembro, a Netflix anunciou um acordo para adquirir a divisão de estúdios e streaming da Warner Bros. Discovery (WBD), um negócio que contempla os estúdios de cinema e televisão da Warner, bem como os ativos HBO/HBO Max e um extenso catálogo de ficção que inclui Harry Potter, Game of Thrones e propriedades do universo da DC Studios. A transação foi avaliada em cerca de 82,7 mil milhões de dólares (aproximadamente 70,7 mil milhões de euros).  A operação consolidaria a posição dominante da Netflix e deixaria o mercado internacional do streaming praticamente concentrado em dois grandes players: Netflix e Disney.

A proposta motivou, no domingo, dia 8, uma reação de Donald Trump. Durante um evento na capital, Washington, o presidente norte-americano declarou que o acordo “pode ser um problema” devido à dimensão da quota de mercado que a Netflix obteria da fusão. Trump disse ainda que estaria “envolvido” na decisão sobre a aprovação do negócio pelas autoridades federais. 

Segundo a imprensa norte-americana, o Governo de Washington encara o negócio com “ceticismo pesado”, dado o potencial impacto concorrencial. Contudo, avança a BBC, em cima da mesa está também a possibilidade de haver um conflito de interesses que envolve diretamente o presidente através do genro, Jared Kushner, e que visa facilitar uma oferta hostil da Paramount sobre a Warner Bros.

Em causa está a ligação de Kushner à Paramount através do fundo de investimento, a Affinity Partners, apoiante parcial da oferta, bem como a alegada pressão de Donald Trump sobre executivos da Paramount, em julho deste ano, para que a empresa se “desfizesse de Stephen Colbert”, figura crítica da sua presidência. Apesar disso, Trump declarou que não tinha falado diretamente com Kushner sobre o negócio e afirmou não ter “amigos particularmente próximos” entre os dirigentes da Paramount ou da Netflix, dizendo querer apenas fazer “o que é certo”.

Contra-ofensiva da Paramount Skydance

A reação da indústria chegou poucos dias depois, com a Paramount Skydance a lançar uma oferta hostil para adquirir a totalidade da Warner Bros. Discovery, por 30 dólares por ação — superior aos 27,75 dólares por ação da proposta da Netflix. A oferta da Paramount valoriza a WBD em cerca de 108,4 mil milhões de dólares (cerca de 93,1 mil milhões de euros), já incluindo dívida. 

A Paramount considera a proposta como mais favorável aos acionistas e com maior probabilidade de aprovação regulatória, defendendo também que o seu plano promoveria maior competição na indústria de entretenimento. Em comunicado, David Ellison, CEO da Paramount, afirmou que esta oferta significa “uma Hollywood mais forte” e beneficia a “comunidade criativa, os consumidores e a indústria cinematográfica”. 

Implicações para o mercado, para a regulação e para a pluralidade mediática

Se concretizada a fusão entre Netflix e Warner — ou eventualmente uma aquisição via Paramount —, o vencedor será um conglomerado audiovisual com capacidade para dominar grande parte do mercado de streaming, produção e distribuição de conteúdos nos Estados Unidos, e potencialmente no mundo. Esta concentração de poder suscitou críticas de reguladores, sindicatos da indústria do cinema e grupos em defesa da pluralidade mediática. 

Paralelamente, a antecipada reestruturação da WBD, com a cisão dos seus canais de cabo (incluindo canais de notícias e desporto) para uma unidade separada — prevista para 2026 — acresce complexidade ao processo.

A Paramount defende que a sua oferta, ao garantir um pagamento integral em numerário e um processo mais simples, representa maior certeza e liquidez imediata para os acionistas, assim como menor risco de bloqueio regulatório.

Por outro lado, os críticos alertam para o risco de redução da diversidade criativa, do pluralismo de vozes no mercado — dado que uma só figura controlaria grande parte dos conteúdos —, e para possíveis consequências negativas para consumidores (preços, oferta) e para trabalhadores da produção audiovisual. 

Uma decisão imprevisível e com elevado peso político

A intervenção aberta de Trump marca uma rutura com a tradição de deixar a decisão sobre fusões de media em mãos de reguladores independentes, nomeadamente do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ). Na prática, a situação eleva o risco de que o desfecho não seja determinado apenas por critérios económicos e de concorrência, mas influenciado por fatores políticos e estratégicos.

Adicionalmente, o facto de uma das ofertas estar parcialmente apoiada por um fundo ligado ao genro de Trump, complica ainda mais o panorama, levantando suspeitas de conflito de interesses, embora a Paramount garanta que os investidores externos não terão direitos de governação corporativa.

No plano financeiro, a instabilidade já se reflete nos mercados: após o anúncio da oferta hostil da Paramount, as ações da Warner aumentaram, enquanto que as da Netflix recuaram. Um reflexo do receio existente quanto à aprovação regulatória e à incerteza relativa ao sucesso da operação.

O processo em curso ultrapassa a mera transação empresarial, transforma-se num teste à capacidade regulatória de conter potenciais monopólios mediáticos, num embate entre visões concorrenciais opostas e numa luta de influência com laços políticos. A conclusão do processo determinará não apenas quem domina o entretenimento global, mas também que precedentes serão estabelecidos para futuras fusões em setores chave.

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