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Do extremismo ao Estado Islâmico: o que levou os EUA a lançarem ataques aéreos sobre a Nigéria

Débora Calheiros Lourenço 26 de dezembro de 2025 às 10:24

Líderes nigerianos já afirmaram que a ofensiva é consequência de uma troca de informações estratégica entre os dois países contra os grupos militares.

Os contra militantes do Estado Islâmico no noroeste da Nigéria foram o último passo da escalada de tensão, contra a qual as forças armadas nigerianas têm lutado nos últimos anos.  
Homem observa local com chinelos espalhados, após alegado ataque aéreo dos EUA na Nigéria Foto AP/Jossy Ola
O presidente dos Estados Unidos utilizou as suas redes sociais para anunciar ataques “poderosos e mortais” realizados contra os militantes do Estado Islâmico que “visam e matam brutalmente, principalmente, cristãos inocentes”. Segundo analistas de questões segurança internacional, a crise na Nigéria afeta tanto os cristãos, que vivem maioritariamente no sul, quando os muçulmanos, que se concentram no norte do pais.  
Os líderes nigerianos, que têm enfrentado diversos grupos armados, já afirmaram que os ataques dos Estados Unidos fazem parte de uma troca de informações estratégica entre os dois países. As agências internacionais referem que ainda não foi possível analisar a extensão e o real impacto dos ataques, mas o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, prometeu dar “mais informações em breve”.  

1A presença do Estado Islâmico na Nigéria

Como referido anteriormente, são vários os grupos armados que marcam presença na Nigéria e pelo menos dois deles são afiliados ao Estado Islâmico: o Província da África Ocidental do Estado Islâmico - um braço do grupo extremista Boko Haram, especialmente forte no nordeste do país – e o Estado Islâmico da Província do Sahal, localmente conhecido como Lakurawa, situado no noroeste.  As autoridades norte-americanas não especificaram qual dos grupos foi alvo, no entanto, analistas internacionais referem que provavelmente tenham sido membros do Lakurawa, que se tornou mais perigoso no último ano, quando começou a atacar estados como o Sokoto e o Kebbi, além de comunidades remotas e forças de segurança na Nigéria. O exército nigeriano acredita que o grupo tem raízes no Níger e que se tornou mais ativo no país depois do golpe militar de 2023, golpe esse que originou o rompimento das relações entre a Nigéria e o Níger, afetando as operações militares ao longo das suas fronteiras.   A presença do Lakurawa no noroeste da Nigéria é conhecida desde 2017, altura em que o grupo foi convidado pelas autoridades tradicionais de Sokoto para proteger as suas comunidades de grupos criminosos. James Barnett, investigador do departamento de Estudos Africanos no Instituto de Hudson, referiu à Associated Press que os militantes do Lakurawa “abusaram da hospitalidade, entrando em conflito com alguns dos líderes comunitários e impondo uma interpretação rigorosa da lei islâmica que alienou grande parte da população rural”.   Este nível de opressão fez com que “as comunidades agora afirmem abertamente que os Lakurawa são mais opressores e perigosos do que os bandidos dos quais alegam protegê-las”, alertou Malik Samuel, investigador nigeriano na área da segurança da Good Governance Africa.  Ainda assim, alguns dos ataques atribuídos ao Lakurawa são perpetrados pelo Província do Sahel do Estado Islâmico, que se expandiu da região de Dosso, no Níger, para o noroeste da Nigéria, alerta o Armed Conflict Location & Event Data Project, com sede nos EUA. Num relatório recente, a organização alerta que o Província do Sahel do Estado Islâmico “tem mantido um perfil discreto, operando secretamente para se infiltrar e consolidar ao longo da fronteira entre o Níger e a Nigéria, e agora também está a expandir as suas operações em direção à fronteira com o Benim”.  

2Insegurança enraizada na Nigéria

Os problemas de segurança no país da África subsariana vêm de problemas de governação, mais do que problemas militares. Os motivos por detrás dos ataques variam, mas os gangues estão totalmente disseminados no território e são impulsionados pela quase ausência de presença estatal em zonas de conflito, o que facilita o processo de recrutamento em comunidades fragilizadas onde existem os níveis mais elevados de pobreza, fome e desemprego do país.  O ministro da Defesa da Nigéria, Christopher Musa, afirmou, enquanto chefe da defesa - função que desempenhou antes de ser ministro – que a ação militar representa apenas 30% do necessário para solucionar a crise de segurança que se abate sobre o país e que os restantes 70% dependem de uma boa governação.  
Malik Samuel concorda com esta visão e defende que “a ausência do Estado em comunidades remotas está a facilitar a entrada de atores não estatais, que se apresentam à população como melhor alternativa de governo”.  

3Ataques dos Estados Unidos são apoio crucial para as forças armadas da Nigéria

Os ataques norte-americanos da passada quinta-feira foram vistos como uma ajuda crucial para as forças de segurança da Nigéria, que muitas vezes se encontram sobrecarregadas e em desvantagem em termos de armamento, além de combaterem múltiplas crises de segurança em diferentes regiões do país.   Este ano o governo nigeriano iniciou um recrutamento em massa para atrair membros para as forças de segurança.   Apesar da situação vivida no país, vários analistas alertam para que muitas das operações militares contra grupos não são sustentadas e que os membros destes grupos têm facilidade em fugir para novos locais devido ao seu conhecimento das vastas florestas que conectam o norte do país.  
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